Paulo Moreira Leite: Dilma deixou a UTI

Apurada pelo Ibope e publicada na coluna de Maurício Dias, na Carta Capital, a recuperação política de Dilma Rousseff é o principal fato político dos dias atuais e representa uma virada essencial na crise.

Por Paulo Moreira Leite, no Brasil 247

Dilma Rousseff

Mostra que Dilma está no jogo e que aliados do governo cometeriam um erro político lamentável caso descartassem a possibilidade de seu retorno à Presidência. As chances são reais, como já escrevi aqui. Os números do Ibope mostram que se tornaram mais verossímeis.

Embora se possa, sempre, colocar em dúvida os acertos em pesquisas de opinião, cabe considerar um dado essencial.

A recuperação da presidenta não pode ser descrita como um inesperado raio em céu azul. É um dado coerente com o conjunto da situação política. Há meses que a avaliação de Dilma realiza um movimento de alta, em passos pequenos, mas regulares. Agora, subiu de 18 pontos para 33.

O ponto essencial envolve a atitude da própria Dilma. Rompendo a postura de silêncio olímpico que se impôs desde que as denúncias se aproximaram do Planalto, assumiu a defesa de um mandato legítimo. Abandonou a noção de que poderia manter-se no cargo apoiada exclusivamente no reconhecimento de sua honestidade pessoal para entrar na luta política direta, que obedece a outros critérios e valores, a começar pela relação de forças entre aliados e adversários.

A nova postura trouxe uma novidade fundamental ao debate, reforçando o argumento de que a tentativa de impeachment não envolvia o destino pessoal de uma presidenta, nem o futuro do PT, mas ameaçava uma conquista maior, a democracia.

Realizada pelo Congresso, instituição que é vista pelos brasileiros como a mais corrupta entre tantas, me parece difícil negar que os números expressam o reconhecimento do logro, a confirmação do começo de uma desilusão mais do que compreensível, confirmada pelo ministro que, em março, ao pronunciar uma afirmação histórica (“Michel é Cunha”) deixou uma gravação que desde a semana passada colocou Michel Temer em estado de fraqueza precoce.

Apoiando-se em Eduardo Cunha, personagem cujo desembaraço a população considera um insulto à sua dignidade, Temer e seus aliados que dirigem o governo foram além do que seria possível imaginar em decisões erradas e condenáveis.

A brutal intervenção na EBC, afastando um diretor presidente com um mandato legal de quatro anos, mostrou-se reveladora da recusa em aceitar qualquer tipo de debate democrático, mesmo a partir de uma emissora pública, normalmente classificada em último lugar nas pesquisas de audiência. Raríssimas vezes em oito anos de história a EBC recebeu tanta atenção dos grandes veículos de comunicação, num episódio onde o caráter autoritário da intervenção do Planalto contra o jornalismo da TV Brasil dificilmente poderia ser escondido.

Liderando os primeiros protestos contra o presidente interino, o movimento de mulheres expôs o desprezo do governo temporário por direitos obtidos na última década e meia, quando questões de gênero receberam um merecido destaque. Por fim, a equipe econômica mostrou-se incapaz de apontar qualquer perspectiva para tirar o país de uma crise profunda, comprometendo-se com medidas clássicas de austeridade que costumam agravar o sofrimento dos mais pobres e menos protegidos.

Outro aspecto envolve a visão cada vez mais desconfiada de uma instituição que desde o período da ditadura militar muitos brasileiros costumam levar em conta em caso de dúvida – a imprensa internacional.

Uma verdade me parece óbvia. Se a maioria da população julgasse o afastamento de Dilma como um processo legítimo e transparente, com provas robustas e revelações inquestionáveis, teria aplaudido a decisão dos senadores e só estaria aguardando que fosse confirmada pela sentença final. Em vez de subir, a confiança em Dilma teria se reduzido, traduzindo a aprovação da população, reconfortada diante do espetáculo de seu afastamento e a posse de Michel Temer.

Neste ambiente, a luta em defesa do mandato de Dilma ocorre sob novas condições, mais favoráveis.

Não vamos nos iludir com os efeitos das pesquisas de opinião sobre o conjunto da situação política, em particular sobre os movimentos das lideranças que tentam promover uma ruptura institucional para dar posse a um governo sem legitimidade, comprometido com um programa que contraria o voto da maioria do eleitorado nas últimas quatro eleições presidenciais.

É bom recordar. Às vésperas do 31 de março de 1964, o mesmo Ibope possuía uma pesquisa que mostrava o amplo apoio popular a João Goulart. Ponto central da luta política do período, o programa de reformas de base tinha boa aceitação mesmo em regiões do país que não apoiavam o presidente, como São Paulo. Mas isso não impediu que os tanques e e baionetas derrubassem um presidente constitucional, numa época em que os vices eram escolhidos em urna, pelo voto popular.

A questão é que temos um golpe em dois turnos, no qual o afastamento da presidenta, pelo Senado, precisa ser confirmado numa decisão, por maioria de 2/3, que deve ser tomada até agosto. Ao conquistar a confiança de 36% dos brasileiros, patamar tradicional do Partido dos Trabalhadores antes da chegada de Lula ao Planalto, Dilma deu um passo importante para recuperar a autoridade política e derrotar um pesadelo antidemocrático.

A disputa está longe de resolvida. A maioria democrática dos brasileiros ainda não deu sua palavra final.

O Ibope demonstra a crescente dificuldade dos golpistas em impor sua versão ao país. Como sempre acontece, os números devem dar novo ânimo à resistência, em particular dos trabalhadores, dos movimentos sociais e da juventude. Este é o ponto essencial.