Quando as palavras guardam distância entre intenção e gesto

Nesta sexta-feira (27) o presidente dos EUA, Barack Obama, fez uma visita histórica a Hiroshima, cidade japonesa que há 71 anos foi destruída por uma bomba atômica lançada pelos estadunidenses, no fim da Segunda Guerra Mundial. É a primeira vez que um presidente norte-americano em exercício visita o local.

Obama em Hiroshima

Ao depositar uma coroa de flores no monumento aos mais de 140 mil mortos no ataque, Obama disse as seguintes palavras, que estão tendo grande repercussão pelo mundo: “Espero que a humanidade escolha um futuro em que Hiroshima e Nagasaki não sejam consideradas o princípio da guerra atômica, mas o início de nosso despertar moral.” “Temos que ter a coragem de escapar à lógica do medo e buscar um mundo sem armas nucleares”, disse. O que poderia ser uma chama de esperança, vira apenas fumaça quando nos deparamos com pelo menos três fatos inescapáveis.

1) Os EUA são os maiores produtores e possuidores de armas nucleares do planeta, com cerca de 7 a 10 mil ogivas. É também o único país a ter armas nucleares instaladas fora de suas fronteiras, em Estados como Coreia do Sul e Israel. Se o desejo de Obama por um “mundo sem armas nucleares” fosse real, e não uma mera proclamação, estaria em suas mãos começar o desmonte de seu arsenal, evidentemente que em conjunto com as outras potências nucleares. Mas não apenas isso jamais foi proposto pela liderança estadunidense, como em 2011 um relatório de uma comissão inglesa, formada por membros dos Partidos Conservador, Liberal e Trabalhista, todos fiéis defensores da aliança “carnal” com os EUA, revelou que este país pretende gastar US$ 700 bilhões em armamento nuclear ao longo da próxima década.

2) Os EUA continuam se recusando a assumir o compromisso – já proposto e proclamado por outras potências nucleares, como a China – de jamais ser o primeiro país a atacar outra nação com armamento nuclear. A recusa dos EUA é claramente uma ameaça: “não hesitaremos em usar armas nucleares contra quem quer que seja”.

3) A visita de Obama teria sido uma excelente oportunidade para que os EUA se desculpassem pelos crimes cometidos em Hiroshima e Nagasaki. Os ataques ocorreram durante a Segunda Grande Guerra Mundial, em agosto de 1945, quando dois dos três países do Eixo já haviam se rendido. A Itália havia sido libertada em abril e a Alemanha assinou a rendição em maio. A URSS – conforme havia combinado com os aliados – tão logo a Alemanha se rendeu declarou guerra ao Japão. Exaurido, isolado, sem recursos e agora tendo que sustentar outra frente de batalha contra o poderoso Exército Vermelho, o Japão já estava literalmente derrotado e a capitulação era inevitável. No entanto, visando não deixar dúvidas à URSS do seu poderio militar e de sua determinação em usá-lo, os EUA promoveram a carnificina contra a população civil das duas cidades japonesas, que vitimou mais de 240 mil pessoas, no que o filósofo italiano Domenico Losurdo considera “o maior acontecimento de terrorismo de massa na história”. Porém, Obama recusou-se a fazer qualquer pedido de desculpas, apesar dos apelos de sobreviventes e de diversas personalidades japonesas neste sentido, e o item anterior justifica o porquê: os EUA consideram como seu direito inalienável atacar qualquer nação com armas nucleares e um pedido de desculpas poderia fragilizar este conceito.

A visita de Obama ao Japão ocorre em um momento em que cresce no país o repúdio à presença de bases militares dos EUA no Japão, que na verdade é um país ocupado. Dois dias antes da chegada de Obama (25), milhares de pessoas se reuniram diante da Base Aérea dos Estados Unidos de Kadena, na ilha de Okinawa, para dar sequência aos protestos que estão sendo realizados desde que uma jovem de 20 anos foi assassinada por um militar da base. Os casos de japoneses e, principalmente, japonesas assassinados por militares das bases militares estadunidenses são recorrentes e em geral não dão em nada, pois os criminosos não estão sujeitos à lei do Japão e são julgados nos EUA, onde sempre encontram muita benevolência nos tribunais.
É forçoso reconhecer que as palavras de Obama não passam de uma jogada de marketing, não guardando nenhuma relação com as verdadeiras intenções dos EUA e muito menos são amparadas por qualquer gesto real no sentido de um mundo “livre de armas nucleares”.

*Wevergton Brito Lima é jornalista e membro da Comissão de Política e Relações Internacionais do PCdoB