Da cultura de estupro à barbárie

Na Zona Oeste do Rio de Janeiro, cidade sede das Olimpíadas 2016, mais de trinta homens estupraram uma adolescente, o fato causou horror no Brasil inteiro. Nas redes sociais aconteceu uma explosão de mulheres que se sentiram pessoalmente atacadas pela exposição pública de tamanha barbárie: os próprios criminosos publicaram no Twitter o vídeo comprovando a tortura, fizeram piadas, e se vangloriaram do corpo desacordado e ensanguentado da jovem.

Por Rosita Schaefer*, especial para o Vermelho

Crime de estupro coletivo - Divulgação

Toda a mobilização de mulheres para discutir o tema do estupro coletivo gerou alguns frutos: em pouco tempo o Ministério Público do RJ já tinha recebido mais de 800 denúncias. Além disso, dezenas de mulheres se empenharam em localizar a vítima, formando uma rede de proteção e acolhimento de mulheres para mulheres. Diversos atos surgiram organizados de forma independente e espontânea, convocando milhares de mulheres às ruas. A palavra de ordem do dia foi: eu quero o fim da cultura de estupro! 

Mas o que é exatamente esse termo?

Em inglês, "Rape culture" foi o termo cunhado por feministas dos EUA na década de 70 para mostrar como a sociedade não só naturaliza o estupro no dia-a-dia como também culpabiliza as próprias vítimas do assédio sexual. 

Como podemos observar isso na prática? 

Mesmo com tantas mulheres escandalizadas com o ocorrido, muitos comentários vindo de homens na internet diziam que a vítima deveria ter "se cuidado mais", que "se não tivesse bebido isso não teria acontecido", que ela deveria ter provocado de alguma forma, que "se estivesse na igreja isso não aconteceria". As intenções são bem claras: nós mulheres nunca devemos sair da vida doméstica, não podemos exercer a vida pública.

Mas que mecanismos são esses responsáveis pela falta de empatia dos homens? Será que homens são encorajados pela sociedade a agredir mulheres sexualmente? Andrea Dworkin, famosa militante anti-pornografia, diria que sim. A vítima do estupro coletivo teve hemorragia interna e ruptura na bexiga, isso sem contar as complicações psicológicas. O que faz tantos homens acharem que isso é sexo? O que faz eles acharem que vítimas de estupro sofreram agressão pela roupa que vestiam, ou por algum comportamento vulgar? 

Para Dworkin "qualquer violação do corpo da mulher pode se tornar sexo para homens. Essa é a verdadeira essência da pornografia". Hoje podemos achar todo tipo de bizarrice na indústria pornográfica sendo vendido como "sexo". Além de vídeos envolvendo tortura, animais, fezes, muitas pessoas assistem pornô sem saber que até o mais e "limpo" sexo pode ser um estupro filmado. (aliáis, a própria exposição do video do estupro coletivo no Twitter por si só já configura um outro crime). Muitos elementos usados de forma lúdica durante o sexo, como mordaças, chicotes, coleiras, são na verdade inspirados em instrumentos de tortura usados na escravidão contra negros e na perseguição religiosa às mulheres. Na Escócia do século 16, por exemplo, era usado um freio de metal (freio para Scold`s) para calar e causar ferimento da língua, e ele era usado exclusivamente em mulheres. Muitas casas tinham correntes, onde era possível acorrentar a mulher utilizando o freio, e isso era feito até que elas "se comportassem". Tudo fica muito claro quando retornamos a citação de Katherine Mc Kinnon: "Em outras palavras, o feminismo é a teoria de como a erotização da dominação e a submissão cria o gênero, cria mulheres e homens na forma social que conhecemos hoje.

Portanto homens, entendam que nossas noções de "homem" e "mulher" tem profunda ligação com o estupro coletivo que aconteceu no Rio de Janeiro, e com todos os estupros que acontecem de duas em duas horas na nossa cidade. Os homens que postaram o vídeo no Twitter estavam vangloriando isso como uma 'atitude de homem', uma demonstração de sua virilidade, e da sua identidade social enquanto homem. Lembrem-se disso na próxima vez que pensarem em enaltecer sua própria identidade enquanto homem. Hoje em dia, a pornografia é a principal "educação sexual" que homens recebem, ao passo que mulheres são proibidas de falar sobre sua própria sexualidade. A exemplo de países socialistas como Cuba e a República Popular Democrática da Coréia, precisamos pensar um novo modelo igualitário de educação sexual, digno de uma sociedade socialista, onde homens e mulheres são educados da mesma forma.