Medidas de Temer sinalizam terceirização e aumento da desigualdade 

O diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese), o sociólogo Clemente Ganz Lúcio, vê nas medidas anunciadas na terça-feira (24) pelo governo interino de Michel Temer, a potencialização em alta escala da presença do capital privado no Estado brasileiro. Para ele a opção em beneficiar a iniciativa privada poderá intensificar a terceirização e aumentar a desigualdade.  

Por Railídia Carvalho    

Manifestações Fora Temer - Paulo Pinto/Agência PT
Mediador do movimento Compromisso pelo Desenvolvimento, lançado no final de 2015, com propostas referendadas por sindicalistas e entidades de empregadores, Clemente comentou as medidas considerando algumas diretrizes lançadas naquela ocasião por trabalhadores e empresários.
 
Retomar rapidamente o investimento público e privado em infraestrutura produtiva, social e urbana foi um dos carros-chefe do documento divulgado pelo Compromisso.
 
“Os investimentos mais robustos em infraestrututura em todo o território são sempre orientados pelo investimento estatal”, enfatizou Clemente. Na opinião dele, estimular o desenvolvimento é tarefa da política pública. “O capital não está preocupado com isso, a menos que identifique isso como um grande negócio”.
 
“No geral o que vem com esse tipo de transferência (da iniciativa pública e estatal para a predominância do capital privado) é que os mais pobres, as regiões menos desenvolvidas serão prejudicados. Isso ocorre porque “o bom negócio”  está nas regiões mais desenvolvidas. Isso pode ampliar a desigualdade. ”, avaliou.
 
Farra da iniciativa privada
 
“Eles (equipe de Temer) indicam que farão uma grande transferência de ativos (riqueza natural, empresas e serviços públicos)  para o setor privado, privatizando a riqueza mineral ou empresas ou  ampliando as concessões e as parcerias público privadas”, explicou Clemente.
 
Segundo ele, a participação do capital privado, que já existia, deve agora assumir dimensões muito maiores.“(no governo Dilma) O BNDES participava  como sócio ou viabilizava a presença de entes públicos para entrar como sócio no investimento ”,exemplificou.
 
“Muitos investimentos  tiveram a participação privada combinada  com a participação ou de uma empresa estatal, ou de um banco público, ou do próprio BNDES, de tal forma que o controle acionário fosse compartilhado entre os entes públicos e o setor privado”, comparou.
 
Banqueiros e rentistas
 
Na terça também foi anunciado pela equipe de Temer que o Banco Nacional pelo Desenvolvimento Social (BNDES) terá que devolver 100 bilhões de reais que foram repassados pelo governo Dilma para aplicar em investimento.
 
Na opinião do economista João Sicsú, Temer preferiu sacrificar os investimentos e transferir os recursos para “banqueiros e rentistas”.
 
Com fins lucrativos e sem desenvolvimento
 
As medidas de Temer enfraquecem o Estado e abrem caminho para o lucro privado, continuou Clemente. Na onda privatista, o governo Temer anunciou que vai se empenhar pela aprovação do projeto que flexibiliza a participação da Petrobras na exploração do pré-sal, tema combatido por trabalhadores e movimentos sociais.
 
Uma das diretrizes do Compromisso pelo Desenvolvimento orientava para a retomada e ampliação dos investimentos no setor de energia, como petróleo, gás e fontes alternativas, em especial na Petrobras.
 
“O que se vê com essas sinalizações do atual governo é uma estratégia de gestão que pode deixar ao setor privado a definição de um conjunto de estratégias nos destinos da produção de energia”, disse Clemente.
 
Flexibilização
 
Outra decisão do governo Temer que é a de apoiar o projeto de lei 555, de autoria dos tucanos Tasso Jereissati e Cunha Lima, que prevê a privatização das estatais brasileiros, é mais um passo para desfigurar essas empresas e retroceder no desenvolvimento do país.
 
Caixa Econômica Federal, o Banco do Brasil, o Bndes, a Eletrobras e a Petrobras tem sido os principais indutores do desenvolvimento do país nos últimos 12 anos.
 
Clemente lembrou que a terceirização poderá aumentar com a maior presença do setor privado, pois o objetivo predominante é reduzir o custo do trabalho.   “Vai ampliar ainda mais o nível de terceirização que já não é baixo”, lembrou.
 
Ainda em relação ao PL que deixa a Petrobras na condição de operadora única do Pré-Sal, Clemente afirmou que é uma mudança muito significativa. Pela atual política de conteúdo local, do governo Dilma, a Petrobras adquire uma quantidade determinada de insumos de fornecedores nacionais, iniciativa que não tem garantias de que continue.
 
“Ah, mas é mais barato comprar uma sonda lá fora. Só que esse barato sai caro. Perdemos os empregos qualificados ao comprar a sonda lá fora. Fica mais caro para o Brasil porque esse emprego,  se tivesse sido gerado aqui, garantiria um tipo de salário e qualidade do posto de trabalho que são indutores do  desenvolvimento. Quando compramos a sonda produzida lá fora, perdemos parte da nossa capacidade de promover nosso desenvolvimento.”
 
“É preferível pagar um pouco mais caro, se isso resultar em um tipo de retorno econômico – investimento, capacidade técnica e tecnológica, empresa nacional, emprego, salário mais elevado, etc – que lá na frente torne a qualidade de vida diferente. Essas são as escolhas que no geral uma gestão pública deveria ter como atenção”, finalizou.