O golpe branco começa a transparecer já nos primeiros dias

Nos primeiros movimentos, o governo biônico de Michel Temer colhe críticas e derruba ilusões até de aliados de primeira hora.

Por José Roberto Fonseca*

Imprensa internacional critica governo golpita de Temer

Já no anúncio do comando dos ministérios, Temer contrariou o discurso inicial de que formaria um time de notáveis com alto nível técnico, para conduzir país com máxima competência. Além de não cumprir o prometido, entre os ministros anunciados, em grande parte parlamentares de partidos da nova base aliada, vários respondem a processos ou são investigados, alguns denunciados na operação Lava Jato.

Segmentos da sociedade que foram às ruas por ética na política e caíram na cantilena de que afastando o “governo do PT” se resolveria “magicamente” o problema da corrupção, começam a ficar com a pulga atrás da orelha. Isso causou protestos por parte de muitos apoiadores, inclusive da Ordem dos Advogados do Brasil, que semanas atrás rachou sua base quando decidiu apoiar o golpe. Agora, em manifestação pública, ameaçou provocar o Ministério Público da União, questionando a nomeação de ministros que respondem a processos criminais.

Ainda em relação à mudança ministerial, o governo interino afrontou às mulheres, maioria numérica da população brasileira, sem indicar uma única representante para o primeiro escalão. Isso em um tempo marcado pela luta emancipacionista da mulher, por igualdade nas relações de trabalho, pelo empoderamento e por maior participação da mulher na política.

Numa clara demonstração de que a não indicação de mulheres ou negros no primeiro escalão do governo não foi falha pontual, Temer, na primeira canetada, extinguiu o Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, que também incluía a política para a juventude. Promoveu o rebaixamento de secretarias ligadas a grupos sociais, inclusive a de pessoas com deficiência. É clara a sinalização de que se nada for feito, viveremos tempos de retrocessos nas políticas sociais e de direitos humanos.

Na mesma direção, extinguiu o Ministério da Cultura colocando-o como apêndice do Ministério da Educação. Este, aliás, tem à sua frente um ministro cujo partido já questionou judicialmente um de seus principais programas, o Prouni. O rebaixamento da Cultura na estrutura de governo representa retrocesso de 30 anos e já provoca grande reação dos artistas e de todos os segmentos ligado à cultura.

Registram-se desde já protestos e manifestações de descontentamento, inclusive de parcela que, iludida, apoiou o golpe ou simplesmente cruzou os braços, permitindo o processo que resultou no afastamento da Presidenta Dilma e que agora se levanta. Temer, ao querer demonstrar a disposição de “reduzir gastos”, fundiu pastas ministeriais com temas completamente diferentes, interrompendo processos de franco avanço e acerto nas políticas públicas.

Agregou o Ministério do Desenvolvimento Agrário ao Ministério de Desenvolvimento Social e ainda o Instituto Nacional do Seguro Social, o INSS, que cuidam de temas distintos. Na corrida para reduzir o tamanho da máquina pública, poderemos assistir ao desmantelamento de políticas sociais importantes e que poderá representar rápido retrocesso com consequências inimagináveis.

Em que pese a grave crise econômica, hoje não se fala em fome. Em que pese anos seguidos de rigorosa seca na região nordeste, hoje não se fala em saque e nem em retirantes. Isso é fruto de políticas sociais acertadas e eficientes. Tudo isso passa a correr sério risco.

Em declaração descabida, o Ministro da Saúde, Ricardo Barros, manifestou a intenção do governo em reduzir o atendimento do Sistema Único de Saúde, o SUS, dizendo que embora previsto na Constituição não cabe no Estado. Com a repercussão negativa, desdisse, afirmando que o que precisa reduzir é a previdência. Ao que parece, fica claro já, na primeira semana, que para o presidente golpista e sua equipe, quem “pagará o pato” é mesmo o trabalhador e a parcela da população que mais depende dos serviços públicos.

Considera-se um erro grave falar em ajuste fiscal, sacrificando políticas sociais, em plena crise econômica. Se não houver rápida resistência ao ilegítimo governo de Michel Temer, a considerar as primeiras medidas do receituário neoliberal e de redução do Estado, o país será conduzido ao caos. Urge a resistência progressista de esquerda e democrática.

Ainda falando das decisões estapafúrdias, na edição do primeiro Diário Oficial do seu governo, Temer juntou o Ministério das Comunicações com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Como se diz popularmente: “alhos com bugalhos”.

Os meios acadêmicos estão alarmados com o risco de descontinuidade dos programas em andamento, com destaque para os programas de inovação, que tem o potencial de representar importantes instrumentos para o enfrentamento à crise econômica, com redução dos custos de produção para ampliar a competitividade do comércio exterior.

Temer juntou setores da previdência ao Ministério da Fazenda. Não há lógica, a não ser a obsessão única de garantir o ajuste fiscal às custas do sacrifício dos trabalhadores com a redução de direitos e das políticas sociais, penalizando os mais pobres.

A balizar pelas mudanças ministeriais e os primeiros movimentos, o governo biônico de Temer está virando as costas a diversos segmentos sociais, inclusive de classe média, o que poderá resultar na ampliação da resistência ao golpe.

As primeiras sinalizações da área econômica deixaram em alerta empresários e trabalhadores. Da criação de novos impostos, a redução de direitos previdenciários.

Suspender a contratação da construção de 11 mil moradias para famílias de baixa renda, pelo programa Minha casa Minha Vida é outra trapalhada. Se o discurso é enfrentar o crescente desemprego, não é demais lembrar que a área da construção civil é a que mais rapidamente gera emprego.

Também nas relações externas, a sinalização do governo interino de Temer é ruim e tem ar de arrogância. Cresce a voz para os vizinhos menores, acusando-os de propagar “falsidade”, em relação ao golpe sofrido pelo Brasil, ignorando que é essa mesma a compreensão majoritária que circula nos quatro cantos do mundo. Além disso ameaça fechar embaixadas em áreas onde expandimos nossas relações comerciais nos últimos anos.

Apenas para registro, deve-se atentar para a Medida Provisória 727 que cria o Programa de Parcerias de Investimentos – PPI, que anuncia nova temporada de privatizações. Mas esse deve ser assunto para outra abordagem e com mais profundidade.

Há que se dar razão a quem chamou o documento do PMDB (Ponte para o Futuro), escrito no final do ano passas, de “pinguela para o passado”.

Já se ouve o barulho das panelas. E é só o começo.

*José Roberto Fonseca é Assistente Social, assessor da senadora Vanessa Grazziotin e da vice presidência do PCdoB