PF de Minas persegue professora italiana por "militância política"

O Ministério Público Federal (MPF) em Belo Horizonte, Minas Gerais, obteve nesta terça-feira (17) um habeas corpus favorável à professora italiana Maria Rosaria Barbato, professora da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), garantindo a imediata suspensão de inquérito policial instaurado contra ela, assim como sua dispensa de comparecer a interrogatório designado para o próximo dia 20 de julho.

professora italiana Maria Rosaria Barbato - Reprodução

O pedido foi em resposta a ação esdrúxula da Polícia Federal que instaurou inquérito policial, dia 3 de março, a partir de denúncia anônima que apontava a professora como suspeita de envolvimento no que chama de "militância de partidos políticos e participando de atividades partidárias e sindicais", o que supostamente violaria, segundo a PF, o Estatuto do Estrangeiro.

No entanto, o Ministério Público afirmou que a investigação policial "contraria preceitos fundamentais da Constituição Federal", de modo que, desde o nascedouro, faltava justa causa ao mencionado inquérito policial". Assim, a "instauração da mencionada sindicância policial tem natureza política e configura ato ilegal, carente de justa causa, com potencial de causar injusto constrangimento à liberdade de locomoção da paciente".

Maria Rosaria, de nacionalidade italiana, mora no Brasil há oito anos e é professora concursada da UFMG, onde ministra aulas de Direito do Trabalho e de Introdução ao Estudo do Direito. Já o Estatuto do Estrangeiro, a Lei 6.815 foi promulgada em 1980 pelo presidente João Figueiredo, durante a ditadura militar. O regime, que perdurou até 1985, ficou marcado por restringir e violar garantias individuais, como a liberdade de associação e de manifestação do pensamento. Os artigos 106 e 107 do texto proíbem o estrangeiro de exercer atividades de natureza política, organizar passeatas ou participar de sindicatos e manifestações.

Violação ao Estado Democrático de Direito

Apesar da evidente arbitrariedade, a chamada investigação dos agentes prosseguiu e evidenciou falhas típicas dos regimes de exceção. Não ficaram na mera ameaça de restrição da liberdade de locomoção contra a professora, Cerca de um mês depois, foi expedido ofício ao reitor da UFMG intimando a professora a comparecer para depoimento na sede da PF em Belo Horizonte, o que, para o MPF, constituiu constrangimento desnecessário a Maria Rosaria, já que a intimação poderia ter sido encaminhada diretamente a ela.

Segundo o Ministério Público Federal, "da análise dos autos, não se verificam indícios, mínimos que sejam, da ocorrência de fato tipificado como crime na legislação penal brasileira, pelo que se mostra não só descabido e infrutífero, como, sobretudo, abusivo, dar prosseguimento às apurações, não subsistindo justa causa para a instauração de procedimento investigatório de qualquer natureza."

Ao impetrar o habeas corpus em favor da professora, o MPF se baseou no artigo 5º da Constituição, que ao assegurar isonomia de tratamento entre brasileiros e estrangeiros residentes no país, também garante a estes liberdade de manifestação do pensamento e de convicção político-ideológica, liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação e liberdade de reunião e de associação.

Para o MPF, após a Constituição de 1988, é incabível aplicação de dispositivo do Estatuto do Estrangeiro proibindo o exercício de atividade de natureza política ou sindical.

Isso porque o estatuto possui vedações próprias do regime ditatorial durante o qual ele foi promulgado, sendo atualmente incompatíveis com o Estado Democrático de Direito. Além disso, tal lei foi "promulgada aos 19 de agosto de 1980, em plena vigência do sistema político de exceção em nosso país, que perdurou de 1964 a 1985, quando se tornaram corriqueiras as notórias violações a liberdades e garantias individuais, como a liberdade de associação e de manifestação do pensamento".

"No tocante às amplíssimas vedações impostas aos estrangeiros pelo artigo 107 da Lei nº 6.815/80 – próprias do regime ditatorial que as concebeu –, em sua nota comum de vedação ao exercício de atividade de natureza política, não foram igualmente recepcionadas pela Constituição de 1988, seja por não estarem em consonância com o Estado Democrático de Direito instituído logo na abertura do texto constitucional (art. 1º), seja por direta contrariedade ao disposto no artigo 5º, caput, incisos IV, VIII, IX, XVI e XVII, e artigo 8º", afirmam os autores do habeas corpus.

A ação defende o direito de Maria Rosaria de se filiar a sindicatos, conforme lhe assegura não só a Constituição brasileira, mas também diversos tratados internacionais de que o Brasil é signatário, incluindo a própria Declaração Universal dos Direitos Humanos.

"O direito à liberdade de filiação sindical é um direito humano do trabalho que se aplica a todo e qualquer indivíduo, independentemente de sua nacionalidade, em qualquer país membro da ONU e da OIT, não havendo ainda qualquer restrição em nosso ordenamento jurídico-constitucional aos estrangeiros residentes em nosso país", conforme também haviam ressaltado procuradores do Trabalho que se reuniram com os representantes do MPF e com procuradores do Ministério Público estadual no último dia 5 de maio.