Por que os negros não comemoram o 13 de maio?

Formalizando o fim da escravidão no Brasil, a princesa Isabel assinou em 13 de maio de 1888, a Lei Áurea. Porém, a escravidão, como sistema econômico já estava em decadência, o Brasil foi um dos últimos países a encerrar o regime. O número de escravos livres e alforriados já era grande, o trabalho assalariado já existia e o Império estava sob pressão dos movimentos abolicionistas.

Escravos reunidos em uma fazenda de café no Brasil, 1885 - Acervo Marc Ferrez

Estudiosos e militantes do movimento negro explicam que a data, no entanto, não é comemorada, pois na época não se criou condições para que a população negra fosse inserida com dignidade na sociedade. A população negra viveu a mudança na organização de vida e do trabalho à mercê da própria sorte. Mas a polêmica em torno da data já é um incentivo ao debate em torno do tema.

Com o fim da escravidão

Para o sociólogo Florestan Fernandes (1920-1995), em sua obra “A integração do negro na sociedade de classes”, de 1964, ele levanta a temática das relações sociais, fazendo uma reflexão sobre as questões da construção do Brasil moderno. Segundo ele, as classes dominantes não contribuíram para a inserção dos “ex-escravos” no novo formato de trabalho. “Os senhores foram eximidos da responsabilidade pela manutenção e segurança dos libertos, sem que o Estado, a Igreja ou qualquer outra instituição assumisse encargos especiais, que tivessem por objeto prepará-los para o novo regime de organização da vida e do trabalho”, diz o autor.

"O fato da urbanização e a industrialização se darem, em grande parte, como consequência da imigração concedia ao imigrante uma posição altamente vantajosa em relação ao elemento nacional e, em segundo lugar, quase anulava as possibilidades de competição do negro e do mulato, automaticamente deslocados para os setores menos favorecidos do conglomerado nacional"¹.

O tratamento na época dado aos então “ex-escravos” foi extremamente violento. Mesmo assim, até o início dos anos 80, o movimento negro considerava a data histórica. Com o despertar da consciência nacional e do engajamento político das camadas populares, a data desvendou-se como uma falsa celebração.

Ainda bastante controverso, o 13 de maio ainda está marcado no calendário oficial do Brasil, mas já a partir dos anos 90, o dia 20 de novembro, ficou marcado como o dia de luta, o dia de reflexão, o Dia da Consciência Negra, que em mais de mil cidades se tornou feriado. Este dia foi marcado pela morte da maior liderança do movimento negro, Zumbi dos Palmares, líder do quilombo dos Palmares.

Para o historiador e coordenador geral da União de Negros pela Igualdade (Unegro), Edson França após mais de 128 anos de abolição da escravidão, o segregacionismo se moderniza e articula outros métodos para garantir a hegemonia econômica, política e social de uma minoria branca. Mas a organização social deve estar em permanente luta, “para conquistar a verdadeira e definitiva abolição, pois ainda tentam nos escravizar."

Para outro militante da Unegro, Alexandre Braga, o 13 de maio entrou para o calendário da história do país, “então não tem como negar o fato. Mas para o movimento negro, essa data é algo a ser reelaborado, porque houve uma abolição formal, mas os negros continuaram excluídos do processo social”.

O secretário da Promoção da Igualdade Racial, Maurício Pestana, descreve nesta sexta-feira (13) que existem ainda no Brasil diversos fatores “ligando o país escravocrata de ontem ao Brasil do século 21”. E segundo ele, o tratamento desigual dado ainda hoje ao negro, leva as consequências desiguais que se refletem na educação, no trabalho, na saúde, no elevado número da violência contra o negro.

Mesmo com o aumento de políticas afirmativas voltadas para a igualdade racial implantada nos últimos anos, ainda existe uma enorme desigualdade na representatividade política, como descreve Pestana: “No caldeirão da participação política, a desigualdade se manifesta avassaladoramente. Embora negros sejam mais da metade da população brasileira, na última eleição os parlamentares que se autodeclaram negros são apenas 5 dentre os 27 eleitos para o Senado Federal. Na Câmara dos Deputados, os afrodescendentes representam 20% dos 513 membros”.

Segundo dados mais recentes do IBGE, vivem no Brasil mais de 100 milhões de negros. Cerca de 53% da população brasileira se autodeclararam negra ou parda no último censo (2014).

Trabalho escravo no Brasil de hoje

Estima-se que 30 mil pessoas ainda vivem em condições análogas ao trabalho escravo², a maioria deles, negros. O Pará é a região que mais possui esse tipo de prática, em média 70% do total. Seguido pelos estados de Minas Gerais e Tocantins, segundo informações do Ministério do Trabalho e do Emprego.

O Brasil carrega ainda muito da época escravocrata, principalmente no interior do país. Felizmente, muitos destes trabalhadores conseguem se libertar graças a ações de fiscalização, entretanto, há ainda centenas de cidadãos que se encontram nesta situação. Por isso, ainda é necessário ações públicas e governamentais mais eficientes, corajosas e rigorosas para enfrentar os “escravistas modernos”.

Notas:

¹A integração do negro na sociedade de classes (1964).
²Lista de Transparência sobre Trabalho Escravo Contemporâneo no Brasil