Felipe Bianchi: Volta da festa nas arquibancadas ganha força

Um espectro ronda as arquibancadas de São Paulo. É o espectro da festa das torcidas, proibidas, há anos, de colorir os estádios com bandeiras e pirotecnia, características tradicionais do esporte, praticadas rotineiramente em boa parte do planeta.

Por Felipe Bianchi*

Torcida do Corinthians com sinalizadores em partido do time contra o Nacional do Uruguai

Com os atos de rebeldia de torcidas como Mancha Verde, Gaviões da Fiel, Independente e Torcida Jovem do Santos, que acenderam sinalizadores e soltaram fumaça nos últimos jogos em seus respectivos estádios, parece que vai se criando um consenso quanto à necessidade urgente de discutir (e promover) a volta do espetáculo das torcidas.

A proibição da festa consiste em um processo lento e gradual que remete ao começo dos anos 2000 e, em um plano geral, faz parte de um ‘pacote’ de medidas que tem contribuido a matar, por etapas, a paixão do brasileiro pelo futebol. Uma dos protagonistas desta ofensiva é o deputado Fernando Capez (PSDB-SP), presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). Famoso por chefiar a escandalosa Máfia da Merenda, Capez empreendeu, ao largo de toda a sua trajetória, uma guerra pseudo-moralizante contra as uniformizadas, que nunca deu resultado algum.

Torcida do Palmeiras. Foto de Leandro Martins Framephoto/Gazeta Press

As torcidas, porém, parecem ter se cansado da arbitrariedade das proibições, que servem como cortina de fumaça para a completa falta de vontade e de capacidade do poder público em combater e prevenir, de forma efetiva, a violência relacionada ao futebol. Se a violência é um problema social que deve ser enfrentado no futebol e para além dele, a fest é justamente o que dá sentido ao jogo e representa o que há de mais belo em seu caráter lúdico e apaixonante. E ela há de voltar.

A boa notícia, para além da atitude desafiadora das torcidas paulistas, está no relatório da CPI das Torcidas Organizadas da Câmara Municipal de São Paulo, repercutido nesta quarta-feira (11) por portais como o Lancenet. O documento traz recomendações que reforçam não apenas o clamor pela volta da festa, mas também busca impor limites ao processo de elitização dos estádios, estimular a atuação das uniformizadas em projetos sociais e criar instâncias democráticas como o Conselho Municipal do Torcedor. Até o horário favorito da Globo, o jogo às 22h, figura na lista. Confira alguns desses pontos:

Garantia de venda de pelo menos 10% dos lugares disponíveis em um estádio pelo preço mínimo fixado pela Federação Paulista de Futebol ou Confederação Brasileira de Futebol para aquele evento, sem a necessidade dos compradores desta costa ser associado a qualquer programa de sócio torcedor.

Liberação de venda de bebidas alcóolicas [medida já aprovada em estádios do Rio de Janeiro e Minas Gerais, por exemplo]

Torcida do São Paulo no Morumbi. Foto: Futebol de campo.com

Liberação de uso de bandeiras, instrumentos e faixas por parte da torcida organizada, sem número limitado, desde que cada bandeira ou instrumento que ingressar no estádio tenha o registro de um torcedor responsável.

Aprovar projeto de lei para proibir o início de eventos esportivos em São Paulo depois das 21 horas, de forma a garantir que os torcedores tenham transporte público.

Destinar um percentual da renda dos jogos para a manutenção de um serviço sócio-educativo para membros das torcidas organizadas, a exemplo do que existe na Alemanha

Estimular, em parceria com as torcidas organizadas, projetos sociais por parte da prefeitura para associados das torcidas organizadas que moram em regiões de baixo índice de desenvolvimento (IDH), em geral na periferia, aproveitando que muitos jovens excluídos socialmente encontram nessas entidades um espaço de resgate da auto-estima.

Torcida do Santos na Vila Belmiro. Foto: Futebol de campo.com

Criar o Conselho Municipal do Torcedor, com a presença de líderes de torcidas organizadas, de representantes dos clubes, da Federação Paulista de Futebol, do Ministério Público e com reuniões periódicas, nas quais todo cidadão, integrante de torcida organizada ou não, possa se manifestar, a exemplo do que acontece com os CONSEGs (Conselhos de Segurança).

É extremamente difícil apostar que tudo isso se tornará realidade concreta, mas o relatório chega em um momento oportuno. Enquanto crianças enchem os olhos vendo os mosaicos dos multibilionários clubes europeus em transmissões cinematográficas, o movimento pela volta da festa nas arquibancadas de São Paulo e de todo o país cresce. E quanto maior for o consenso quanto à inutilidade das proibições da festa com o pretexto do combate à violência, mais difícil será convencer o torcedor de que ele deve agir como se estivesse em uma partida de Wimbledon. A não ser que as federações e a polícia continuem educando como o fazem hoje: no porrete.