“Novo” ministério, uma discussão ilegal e imoral    

É com uma desenvoltura de decência duvidosa que o conspirador mor Michel Temer tem se movido no cenário político para dividir o butim de um eventual governo que venha a comandar caso o golpe midiático judicial tenha sucesso.  

Por José Carlos Ruy*

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Aquela desenvoltura que desperta duas considerações graves. A primeira delas é quanto à legalidade de um vice-presidente em exercício modificar tão radicalmente um governo durante sua interinidade. 
 
A outra refere-se à sem cerimônia com que caciques políticos da direita se atiram à audaz divisão dos cargos no governo golpista.
 
No final de abril o jurista Marcelo Lavenère Machado, ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), defendeu a tese de que Michel Temer está impedido, pela lei, de nomear novos ministros durante a eventual interinidade de 180 dias que poderá durar o processo de impeachment no Senado. Segundo ele, embora afastada para ser submetida a julgamento, Dilma Rousseff continua presidenta da República, e o cargo só passará a Temer, em plenos direitos, depois da eventual condenação no processo de impeachment.  

A tese foi lançada pelo jurista Jorge Rubem Folena de Oliveira em artigo publicado pelo jornal GGN e reproduzido pelo portal Vermelho. Folena argumenta que a abertura do processo do impeachment não significa a cassação do mandato de Dilma Rousseff, mas apenas sua suspensão até o julgamento definitivo. Nesse período o vice-presidente substitui mas não sucede, tese também defendida por Marcelo Lavenère Machado. 

 
Ambos se baseiam no artigo 86, parágrafo 1.º, II, da Constituição, que determina a suspensão da presidenta mas não seu afastamento durante o processo de impeachment. Isto é, o governo continua o mesmo, sendo trocado apenas, e temporariamente, o titular da presidência que passa a ser, interinamente, o vice-presidente. E os ministros continuam os mesmos, e qualquer mudanças só poderá ser feita no final do processo, se houver condenação da presidenta. 
 
A Constituição também estipula que, durante o processo de impeachment a presidenta continua a ocupar os Palácios do Planalto e da Alvorada, e recebendo seu salário (embora reduzido, enquanto durar o processo). E retomará suas funções se, passados os 180 dias, o Sendo não a julgar, diz o art. 86, parágrafo 2.º, da Constituição.
 
“É um assunto a ser examinado, e acredito que essa tese possa ser acatada pelo Supremo Tribunal Federal (STF)”, diz Lavenère. 
 
Esta tese é baseada em vários artigos da Constituição. O artigo o artigo 5º, LIV e LV e LVII, trata do processo do impeachment; o artigo 52º, I e seu parágrafo único dispõe sobre o afastamento da presidenta; artigo 84º define as funções e atribuições do presidente da República, como nomear e exonerar ministros; o artigo 86º, parágrafo 1.º, II, afirma a continuidade do governo durante o processo.
 
Isto é, Michel Temer continuará vice-presidente em exercício, caso venha a assumir a presidência devido à abertura do processo de impeachment.
 
Este é outro aspecto do golpe em andamento, que violenta a soberania do voto popular, desrespeita a lei e rasga a Constituição. A ilegalidade é ilustrada pela flagrante desenvoltura do vice-presidente golpista e na sofreguidão com a qual seus parceiros na empreitada ilegal e antidemocrática se lançam à nomeação de novos ministros.
 
A sofreguidão é tamanha que mal disfarçam os tapas e pontapés trocados na busca de fatias no governo golpistas. Um exemplo é a disputa entre o senador tucano José Serra e o economista Henrique Meirelles, cotado para o Ministério da Fazenda. Em outubro passado, Serra disse de Meirelles, em um encontro de empresários: “não lembro de presidente do Banco Central tão ignorante ou comprometido com especulação cambial como esse senhor”. Isso foi lembrado em artigo publicado na Folha de S. Paulo desta terça-feira (3), coisa que – sabendo como a mídia golpista funciona – com certeza faz parte da disputa por fatias num eventual governo Temer.
 
O número de bocas a alimentar é muito maior do que o de cargos e posições a oferecer – e esta é outra contradição entre conservadores que, até recentemente, atacavam os governos Lula e Dilma por terem o que chamavam hipocritamente de um número exagerado de ministérios. 
 
A disputa entre eles mostra exatamente o contrário – talvez não tenha vaga para todos os sócios do golpe. E a troca de caneladas e golpes baixos corre solta entre eles. 
 
José Serra, que quer ser candidato tucano à presidência em 2018, está cotado para ocupar a pasta das Relações Exteriores. O governador paulista Geraldo Alckmin parece contemplado com a indicação de Alexandre de Moraes, que é seu atual secretário de Segurança, para a Advocacia-Geral da União (AGU). Aécio Neves teria um aliado seu, o deputado Bruno Araújo (PSDB-PE) no Ministério dos Direitos Humanos. 
 
A disputa é forte em relação ao ministério do Esporte, justamente no ano dos Jogos Olímpicos. Disputam o cargo o peemedebista Henrique Eduardo Alves, que quer fundir a pasta dos Esportes com a do Turismo, da qual poderá voltar a ser o titular. Teria assim o comando da Olimpíada. Mas o prefeito do Rio, Eduardo Paes, e o ex-governador do estado Sérgio Cabral (ambos peemedebistas) também querem o cargo e defendem o nome de Marco Antônio Cabral, secretário estadual de Esporte, Lazer e Juventude do Rio de Janeiro.
 
Há acirrada disputa pelas pastas de Transportes, Saúde e Educação, muito cobiçadas pelos fisiológicos do PMDB pois são ministérios que controlam orçamentos altos. 
 
Temer ofereceu o Ministério da Ciência e Tecnologia ao PRB, que queria a pasta da Agricultura; há indicações de que o partido teria aceitado. E ficaria também com o Ministério da Integração Nacional. O Ministério da Saúde ficaria com o PP.
 
Para o ministério crucial, o da Fazenda, Temer quer nomear Henrique Meireles, para implantar os tais “remédios amargos” que pretende impor ao país e aos brasileiros em um eventual governo golpista. Meirelles poderia ainda nomear os presidentes do Banco Central, do Banco do Brasil, do BNDES e da Caixa Econômica Federal. 
 
Outro ministério importante, o do Planejamento, ficaria com o senador Romero Jucá (PMDB-RR), que faz parte do comando golpista.
 
Embora sejam conjecturas, que dependem inclusive da manifestação do STF a respeito do “direito” do presidente interino Michel Temer nomear ministros, a desenvoltura com que a mídia golpista e o comando do golpe midiático judicial em andamento falam em “novos ministros” de um “novo” governo são ilustrativas da fome e da ganância com que se jogam sobre nacos do poder com grande capacidade financeira. 
 
Quando o ministro Júlio Barroso, do STF, exclamou, no final de março, “meu Deus do céu! Essa é a nossa alternativa de poder”, comentando a foto triunfante do comando pemedebista que anunciou o rompimento com o governo, certamente era a essa sofreguidão e ganância que ele se referia. 
 
A discussão, ilegal e imoral, sobre a divisão dos cargos num eventual governo golpista, dão razão à indignação e perplexidade manifestadas pelo ministro do STF.