Konder Comparato:  Como enfrentar a grande moléstia brasileira

O distúrbio político desencadeado em 2016 com o processo por crime de responsabilidade aberto contra a Presidente Dilma Rousseff nada mais é, na verdade, do que o surgimento de mais um dos múltiplos sintomas de uma grave moléstia, contraída pela sociedade brasileira desde o início do processo de colonização de nosso território no século XVI.

Fábio Konder Comparato

Fábio Konder Comparato

Se quisermos, portanto, começar a combater a enfermidade – o que vai se tornando sempre mais urgente neste início do século XXI –, não podemos nos limitar a encontrar paliativos para os sintomas no momento em que eles se declaram, mas sim compreender em profundidade a causa morbi.

Na verdade, trata-se de uma enfermidade permanente, cujo início data do próprio Descobrimento.

É o que ouso afirmar neste breve ensaio, focalizando especialmente um dos efeitos permanentes da enfermidade; a saber, a dupla vigência das nossas instituições políticas, uma oficial, pouco respeitada, e outra não oficial, mas que acaba sempre por se impor, pelo fato de corresponder aos interesses dos grupos dominantes em nossa sociedade.

Causas Históricas da Moléstia

A vigência efetiva e não meramente pressuposta das normas componentes do ordenamento jurídico oficialmente adotado em cada Estado depende, por inteiro, de dois fatores estruturantes, intimamente relacionados entre si. De um lado, a estrutura de poder efetivo em vigor nessa sociedade, estrutura essa organizada em forma hierárquica, em cujo ápice encontra-se o poder supremo ou soberania. De outro lado, a mentalidade coletiva, entendida esta como o conjunto dos valores éticos, sentimentos, crenças, opiniões e mesmo preconceitos, dominantes na sociedade, e que tendem a se consolidar em usos e costumes.

Criou-se, destarte, em vários países, uma duplicação anômala de ordenamentos jurídicos: um, declarado oficialmente pelo Estado, a culminar com o sistema constitucional; outro, composto por uma interpretação seletiva de normas, efetuada pelos agentes estatais – notadamente magistrados judiciais –, interpretação essa que sempre favorece os interesses próprios dos potentados econômicos privados, não sendo repudiada pela consciência coletiva.

É à luz desses dois fatores estruturantes da ordem social, que podem ser melhor compreendidas as peculiaridades da sociedade brasileira.

A realidade social por trás do direito positivo

Bem examinada nossa sociedade, não é difícil perceber que a sua estrutura foi moldada, genericamente pelo espírito e o sistema de poder, próprios da civilização capitalista; e especificamente, pelas instituições da escravidão e do latifúndio.

Com efeito, diversamente do que sucedeu no Velho Mundo, as sociedades criadas no continente americano foram inteiramente estruturadas pelo capitalismo, que dominou toda a política de colonização no Novo Mundo.

As marcas indeléveis dessa gênese capitalista são evidentes nos dois grandes fatores estruturantes da sociedade brasileira: a relação de poder e a mentalidade coletiva.

O poder soberano entre nós, desde os tempos coloniais, foi fundamente marcado pela doação de terras públicas aos senhores privados, e pela mercantilização dos cargos públicos. Desde a dinastia de Avis, em Portugal, que inaugurou pioneiramente, já no século XIV, o sistema de capitalismo de Estado, os monarcas, para enfraquecer o poder nobiliárquico, passaram a vender cargos públicos a membros da burguesia. No Brasil colônia, tirante os Governadores Gerais e mais tarde os Vice-Reis, praticamente todos os cargos públicos foram comprados por burgueses, que para cá vieram no intuito de amortizar a despesa de aquisição de tais cargos e fazer fortuna. Tais funcionários, aqui instalados, longe de toda fiscalização da metrópole, tornaram-se de fato, embora não de direito, um estamento de “donos do poder”, como os qualificou Raymundo Faoro.

Não é, pois, de estranhar se, desde as origens, a dupla formada pelos potentados econômicos privados e os agentes estatais passou a servir-se do dinheiro público como patrimônio próprio dessa associação oligárquica, gerando a duradoura endemia da corrupção estatal. Ela principiou, na verdade, desde o início da colonização. Quanto Tomé de Souza chegou à Bahia em 1549, instaurando o Governo-Geral, acompanhava-o, na qualidade de ouvidor-geral, o desembargador Pero Borges. Ora, este mesmo alto personagem, em 1543, enquanto exercia o cargo de Corregedor de Justiça em Elvas, no Alentejo, fora encarregado de supervisionar a construção de um aqueduto. Quando as verbas se esgotaram sem que este estivesse pronto, “algum clamor de desconfiança se levantou no povo”, como refere Vitorino de Almeida em Elementos para um dicionário de geografia e história portuguesa, editado em 1888. Aberta pelo rei uma investigação, averiguou-se que Borges “recebia indevidamente quantias de dinheiro que lhe eram levadas a casa, provenientes das obras do aqueduto, sem que fossem presentes nem o depositário nem o escrivão”. Em 1547, ele foi finalmente condenado “a pagar à custa de sua fazenda o dinheiro extraviado”. Pero Borges retornou a Lisboa, “deixando atrás de si triste celebridade”. No entanto, em 17 de dezembro de 1548, um ano e sete meses após a sentença, foi ele nomeado pelo mesmo rei ouvidor-geral do Brasil. Ou seja, para o monarca lusitano, o mau ladrão na metrópole podia ser um bom administrador na colônia.

Com a criação, desde os primeiros tempos coloniais, dessa oligarquia binária – potentados econômicos privados e agentes estatais – estabeleceu-se, por via de consequência, uma dualidade permanente do ordenamento jurídico entre nós: um oficial, em grande parte de mera aparência, e outro efetivo, mas sempre dissimulado.

Representa, na verdade, um dos múltiplos ludíbrios do sistema de dominação capitalista sustentar que ele independe do Estado e se esforça por limitar o poder estatal, em nome da livre iniciativa. A realidade sempre foi bem outra. Como advertiu o grande historiador francês Fernand Braudel, “o capitalismo só triunfa quando se identifica com o Estado, quando é o Estado”.

Concomitantemente, na consciência dessa dupla oligárquica sempre preponderou um certo complexo de país colonizado ou, como disse Sérgio Buarque de Holanda, um sentimento de vivermos desterrados em nossa própria terra. Assim, as Constituições aqui promulgadas sempre seguiram um modelo estrangeiro, vigente em país que considerávamos culturalmente superior ao nosso. Nossos oligarcas jamais se preocupassem em saber se tal modelo podia ou não se adaptar à realidade brasileira.

A Constituição Federal de 1988, tal como as anteriores, principia declarando que “todo poder emana do povo” (art. 1º, parágrafo único). Infelizmente, porém, trata-se de afirmação meramente retórica. Em todo o curso de nossa História, o povo jamais exerceu um poder efetivo, contentando-se, ultimamente, em ser um figurante indispensável do teatro político.

Em homenagem à moderna democracia direta, já em vigor em alguns países do Ocidente, os constituintes brasileiros decidiram adotar os institutos do referendo, do plebiscito e da iniciativa popular legislativa (art. 14). Mais adiante, porém, no art. 49, inciso XV, fizeram questão de precisar que, entre os poderes da “competência exclusiva do Congresso Nacional”, inclui-se o de “autorizar referendo e convocar plebiscito”. Ou seja, a Constituição Brasileira vigente criou uma espécie original de mandato político, no qual o povo mandante somente pode manifestar legitimamente suas declarações de vontade, quando obtém o consentimento do mandatário.

Quanto ao projeto de lei de iniciativa popular, o art. 61, § 2º da Constituição exige seja ele “subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles”. Ora, quando os grupos oligárquicos perceberam que tal exigência podia ser cumprida, não tiveram dúvidas: fizeram com que a Câmara dos Deputados impusesse o requisito formal do reconhecimento de firma de todos os signatários do projeto; o que tornou na prática impossível o cumprimento da norma constitucional. Resultado: até hoje, mais de um quarto de século depois de promulgada a Constituição, nenhuma lei exclusivamente de iniciativa popular foi votada em nosso país.

No tocante à chamada “democracia representativa”, inaugurada pela classe burguesa dominante na Europa e nos Estados Unidos no final do século XVIII, e aqui instaurada constitucionalmente, ela se funda, na verdade, em grosseiro equívoco, agudamente denunciado por Rousseau:

“A Soberania não pode ser representada, pela mesma razão que ela não pode ser alienada: ela consiste essencialmente na vontade geral, e a vontade não se representa de forma alguma: ela é a mesma, ou é outra; não há meio-termo”.

Em suma, como afirmou com razão Sérgio Buarque de Holanda, a democracia em nosso país sempre foi “um lamentável mal-entendido”. Eis a razão principal do medíocre respeito que têm merecido os direitos humanos no Brasil: da mesma forma que a soberania popular, as declarações constitucionais de direitos humanos têm sido em grande parte retóricas, pois o seu respeito efetivo pressupõe uma limitação ao exercício do poder na sociedade; o que contraria frontalmente o sistema de dominação capitalista.

Se o esquema de poder político, como se vê, segue fielmente o padrão dissimulatório capitalista, os valores fundamentais que moldam a mentalidade coletiva não são outros, senão aqueles desde sempre sustentados pelos grupos dominantes, e que acabam permeando a consciência popular.

Até meados do século passado, entre nós, o poder de formar a mentalidade coletiva foi predominantemente exercido pela Igreja Católica, intimamente associada aos órgãos estatais, através da instituição do padroado. Por isso mesmo, a pregação eclesiástica sempre enfatizou como pecado grave o desrespeito do que se qualificava como “ordem pública”; entendida como a completa submissão de todos os fiéis às autoridades políticas, com a consequente aceitação, sem ressalvas, do conjunto das instituições econômico-sociais, inclusive a escravidão.

Atualmente, a inserção dos valores capitalistas na consciência coletiva é feita, sobretudo, por intermédio dos meios de comunicação de massa, cujos principais veículos – grande imprensa, rádio e televisão – estão submetidos ao controle de um oligopólio empresarial.

Como tive ocasião de sustentar, em agudo contraste com o que ocorreu em todas as civilizações anteriores, na civilização capitalista sempre predominou a moral do egoísmo, sendo a busca incessante do interesse material de cada um a finalidade última da vida. Aristóteles, é verdade, já havia reconhecido que, contrariamente à moral prevalecente em sua época, “a maior parte da humanidade prefere o ganho material à honra”. Na civilização capitalista, contudo, vai-se mais além: ser rico é ser honrado e respeitado pelos pobres.

Duas características desse espírito egoísta marcaram profundamente a sociedade brasileira em todos os seus aspectos: o individualismo e o privatismo.

Sérgio Buarque de Holanda, entre outros intérpretes clássicos da realidade brasileira, caracterizou o nosso individualismo pela tibieza do espírito de organização, fruto da ausência de solidariedade e, portanto, de coesão social. Tal foi, na verdade, o resultado em nosso meio de uma estrutura patrimonialista fortemente dissociativa. De um lado, a grande massa dos pobres só é, por assim dizer, ajuntada pela força do patrão ou do governo, o grande patrão impessoal. Já a minoria rica e poderosa, até hoje, mantém-se unida tão-só para a defesa de seus privilégios patrimoniais e posições de mando. Garantidos estes, cada empresário procura dominar seu concorrente, a fim de lograr o monopólio do mercado.

De onde a tradicional ausência em nossa sociedade do espírito republicano; ou seja, a constante submissão da vida pública à esfera privada.

Como já havia salientado Frei Vicente do Salvador, em passagem tantas vezes citada do seu livro, cuja primeira edição data de 1627, “nem um homem nesta terra é repúblico, nem zela ou trata do bem comum, senão cada qual do bem particular”.

Duas instituições históricas moldaram profundamente o espírito privatista do poder político e dos costumes sociais no Brasil: a escravidão e o latifúndio. Entre seus múltiplos efeitos, a perdurar ainda hoje, está a convicção arraigada na mentalidade coletiva de que negros e pobres não têm propriamente direitos subjetivos, mas podem eventualmente gozar de favores pessoais, concedidos pelos patrões ou chefes políticos.

Suas vítimas foram os indígenas autóctones e os africanos para aqui importados como mercadorias.

Não havendo os portugueses encontrado metais preciosos em terras brasileiras – pelo menos nos primeiros séculos da colonização –, as violências aqui praticadas contra os indígenas para obrigá-los ao trabalho escravo chegaram a extremos inimagináveis: desde mutilações e torturas atrozes até genocídios de populações inteiras, fixadas em várias aldeias.

Infelizmente, como ninguém ignora, até hoje persistem casos de violência individual ou coletiva contra os indígenas, e os responsáveis dificilmente são punidos.

Quanto à escravidão de negros, estima-se que, de meados do século XVI até 1850, ano da promulgação da Lei Eusébio de Queiroz, que proibiu definitivamente o tráfico negreiro, cerca de quatro milhões e oitocentos mil escravos foram trazidos da África para o Brasil.

As leis referentes à escravidão de negros representam um caso paradigmático da já assinalada dupla face do direito brasileiro.

A Constituição de 1824 declarou “desde já abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente e todas as demais penas cruéis” (art. 179, XIX).

Em 1830, porém, foi promulgado o Código Criminal, que previu a aplicação da pena de galés, a qual, conforme o disposto em seu art. 44, “sujeitará os réus a andarem com calceta no pé e corrente de ferro, juntos ou separados, e a empregarem-se nos trabalhos públicos da província, onde tiver sido cometido o delito, à disposição do Governo”. Escusa dizer que tal penalidade, tida por não cruel pelo legislador de 1830, só se aplicava de fato aos escravos.

E havia mais. Apesar da expressa proibição constitucional, os cativos foram, até as vésperas da abolição, mais precisamente até a Lei de 16 de outubro de 1886, marcados com ferro em brasa, e regularmente sujeitos à pena de açoite. O mesmo Código Criminal, em seu art. 60, fixava para os escravos o máximo de 50 (cinquenta) açoites por dia. Mas a disposição legal nunca foi respeitada. Era comum o pobre diabo sofrer até duzentas chibatadas diárias. A lei supracitada só foi votada na Câmara dos Deputados porque, pouco antes, dois de quatro escravos, condenados a 300 açoites por um tribunal do júri de Paraíba do Sul, vieram a falecer.

Tudo isso, sem falar dos castigos mutilantes, como todos os dentes quebrados, dedos decepados ou seios furados.

Outro exemplo desmoralizante foi o tráfico negreiro. Em 1831, sob a Regência, promulgou-se sob a pressão da Inglaterra uma lei que declarava livres “todos os escravos, que entrarem no território ou portos do Brasil, vindos de fora”. Eles seriam reexportados “para qualquer parte da África”, e os “importadores” sujeitos a processo penal; entendendo-se por “importadores”, não só o comandante, o mestre e o contramestre da embarcação, mas também os armadores da expedição marítima, bem como todos aqueles que “cientemente comprarem como escravos” as pessoas ilegalmente trazidas ou desembarcadas no Brasil. Ora, como se tratava simplesmente de uma “lei para inglês ver”, segundo a expressão consagrada, nenhuma das penalidades nela cominadas foi jamais aplicada. Calcula-se terem sido para aqui contrabandeados como escravos, desde a promulgação daquela lei até 1850, quando entrou em vigor a Lei Eusébio de Queiroz, nada menos do que 750 mil africanos.

A escravidão de negros deixou profundas marcas na mentalidade coletiva e nos costumes políticos do nosso povo. Em nenhum outro país do hemisfério ocidental a escravidão legal durou tanto tempo: quase quatro séculos. Ela fez com que a relação de comando e obediência se fundasse costumeiramente na força ou no dinheiro, em lugar do livre consentimento. No seio da multidão dos pobres de todo gênero – os nascidos “para mandados e não para mandar”, conforme a saborosa expressão camoniana – nunca houve propriamente a garantia de direitos subjetivos, com a consequente exigência legal do cumprimento de uma prestação em favor do seu titular. O que houve, e continua a existir largamente, é a possibilidade de ser bem tratado pelos “donos do poder”, tal como os escravos domésticos quando se curvavam humildemente diante de seus patrões para obter restos de comida.

A triste realidade é que ainda hoje persiste o costume de escravizar trabalhadores, sobretudo no meio rural. Consta, por exemplo, que em 2015 a Polícia Federal e o Ministério do Trabalho resgataram 936 pessoas que trabalhavam em situação análoga à do escravo. Mas não consta que algum dos proprietários rurais que utilizavam essa mão de obra cativa tenha sido denunciado pela prática do crime definido no art. 149 do Código Penal (redução a condição análoga à de escravo).

Em 5 de junho de 2014, foi finalmente promulgada a Emenda Constitucional nº 81, cuja proposta tramitou no Congresso Nacional durante 15 anos. Ela alterou a redação do art. 243, caput da Constituição, determinando o confisco das propriedades rurais e urbanas onde for localizada a exploração de trabalho escravo. Até o momento em que escrevo estas linhas, porém, essa norma constitucional não foi aplicada uma única vez, em razão do imenso poder, exercido pela classe dos grandes proprietários rurais e das empresas exploradoras do agronegócio, sobre os órgãos oficiais encarregados de aplicar essa medida punitiva.

O sistema latifundiário

A exploração das terras agrícolas em grandes unidades autárquicas surgiu desde cedo na Península Ibérica, durante a dominação romana. Eram os latifundia. Eles foram depois, no curso do século XV, sob a denominação de senhorios, instalados por Portugal nas ilhas atlânticas para a produção do açúcar de cana. Foi essa, justamente, a época em que teve início o tráfico regular de africanos como escravos para a Europa, pois esse tipo de exploração agrícola exigia forte contingente de mão de obra.

A partir dessa experiência desenvolvida nas ilhas atlânticas, Portugal decidiu transportá-la para o Brasil, logo no início da colonização, sob a forma de capitanias hereditárias. Costuma-se qualificá-las como modalidades de feudalismo, mas o instituto do senhorio dele difere radicalmente. O feudalismo implica a existência de uma relação vassálica de natureza pessoal, fundada na homenagem (do latim bárbaro hominium ou homagium) e na fidelidade (fides); ao passo que o senhorio era simplesmente uma posição dominante sobre os servos ou clientes, estribada na posse de terras. O senhor, além dos poderes econômicos decorrentes da propriedade, gozava ainda de prerrogativas políticas, como a jurisdição sobre todos os que viviam em suas terras, o direito de portar armas e o de cobrar tributos. Enquanto na sociedade predominantemente feudal as pessoas, embora em posição desigual, mantinham relações de direitos e deveres recíprocos, a sociedade predominantemente senhorial foi toda estruturada em torno do poder do proprietário (dominus), diante do qual não havia propriamente sujeitos de direito, mas simples dependentes.

Tendo em vista o insucesso da experiência das capitanias hereditárias, Portugal optou por criar o regime de sesmarias, instituto criado por uma lei de 1375, e destinado a combater a grande crise agrícola desencadeada na Europa com a irrupção da peste negra. Graças à precoce organização da economia colonial no sentido da monocultura agrícola dirigida à exportação, o território brasileiro foi partilhado em grandes domínios rurais, cujos proprietários concentravam em sua pessoa a plenitude dos poderes, tanto de ordem privada, como política, assim os de natureza civil, como os de índole eclesiástica. Pode-se afirmar, sem risco de exagero, que do senhor dependiam o presente e o futuro de todos os que viviam no território fundiário, fossem eles familiares, agregados, clientes ou escravos. “O ser senhor de engenho”, disse Antonil em sua obra de 1711, “é título a que muitos aspiram, porque traz consigo o ser servido, obedecido e respeitado de muitos. E se for, qual deve ser, homem de cabedal e governo, bem se pode estimar no Brasil o ser senhor de engenho, quanto proporcionadamente se estimam os títulos entre os fidalgos do Reino”. E ainda: “Quem chegou a ter título de senhor, parece que em todos quer dependência de servos”.

O regime latifundiário está na origem do costume aqui institucionalizado de privatização do espaço público. É que a grande propriedade rural brasileira, submetida a um regime quase autárquico, era uma espécie de território soberano, onde o proprietário, como nos latifundia romanos, fazia justiça e mantinha força militar própria, para defesa e ataque. Entre o senhor e as autoridades do Estado, à imagem do que ocorre no plano internacional entre as diferentes nações, estabeleciam-se relações de potência a potência, fundadas na convenção bilateral de que o Estado se comprometia a respeitar a autonomia local do senhor, ao passo que este obrigava-se a manter a ordem na região, emprestando à autoridade pública o concurso de seus homens de armas para a eventual guerra contra o estrangeiro, ou a episódica repressão aos levantes urbanos.

A consequência inevitável dessa privatização do espaço público foi a ausência de um verdadeiro sistema de justiça, pois o seu funcionamento pressupõe a existência de uma autoridade pública acima dos particulares; inexistindo aquela, estes últimos não têm propriamente direitos subjetivos, a serem por todos respeitados.

Outra consequência da privatização do espaço público foi a instalação e difusão, em todo o território nacional, do sistema de compadrio e clientelismo. Para o acesso a qualquer cargo público ou, simplesmente, para obter êxito em qualquer demanda junto aos Poderes Públicos – notadamente em matéria de proteção policial ou judicial, era indispensável o apoio do senhor rural do qual dependia o demandante. De onde o conhecido ditado: quem não tem padrinho, morre pagão. Inútil dizer que tal sistema invadiu quase que inteiramente o campo da representação política.

Logo após a Independência, a criação da Guarda Nacional reforçou, em todo o nosso território, o poder local absoluto dos grandes senhores rurais, qualificados doravante como coronéis. Entre eles e as autoridades públicas firmava-se um acordo tácito, pelo qual o coronel dava seu apoio político ao governo, que de sua parte comprometia-se a nomear as pessoas indicadas pelo coronel, como juízes locais, delegados de polícia, coletores de impostos, agentes do correio e até professoras primárias. Graças a esse acordo, o coronel protegia sua clientela e enfrentava seus inimigos pessoais. Como se sabe, o coronelismo perdurou largamente na política brasileira após a proclamação da República, e subsiste até hoje. Foi ele um dos principais obstáculos à existência efetiva, entre nós, do Estado de Direito, em que todos, governantes e governados, submetem-se ao império da lei. Aliás, uma expressão muito usada entre nós pelos chefes políticos bem expressa essa realidade: para os amigos, tudo; para os inimigos, a lei.

De qualquer forma, todo esse arranjo personalista não impediu que o conjunto de nossas instituições, públicas e privadas, tenha sido, desde sempre, moldado pelo sistema capitalista, como se passa a ver.

A influência decisiva do sistema capitalista

Como assinalado acima, desde o início da colonização portuguesa a sociedade organizada nestas terras, com as bênçãos das autoridades eclesiásticas, sofreu a influência dominante do capitalismo. Aqui se estruturou uma exploração colonial de índole mercantil, na qual o poder supremo de mando foi atribuído aos potentados rurais, intimamente associados aos administradores régios para cá enviados. Quanto à mentalidade própria dos colonizadores, ela foi descrita sem rebuços por Frei Vicente do Salvador:

“Deste modo se hão os povoadores, os quais, por mais arraigados que na terra estejam e mais ricos que sejam, tudo pretendem levar a Portugal, e se as fazendas e bens que possuem souberam falar, também lhe houveram de ensinar a dizer como aos papagaios, aos quais a primeira coisa que ensinam é: papagaio real para Portugal, porque tudo querem para lá. E isto não têm só os que de lá vierem, mas ainda os que cá nasceram, que uns e outros usam da terra, não como senhores, mas como usufrutuários, só para a desfrutarem e a deixarem destruída”.

Quando Tomé de Souza desembarcou na Bahia, em março de 1549, munido do seu famoso Regimento do Governo, e flanqueado de um ouvidor-geral, um provedor-mor, um capitão-mor da costa, além de 1.200 funcionários, civis e militares, bem como de cinco jesuítas chefiados pelo Padre Manoel da Nóbrega, a organização político-administrativa do Brasil como país unitário principiou a existir. Tudo fora minuciosamente preparado e assentado, em oposição ao isolamento senhorial das capitanias hereditárias. Notava-se apenas uma lacuna: não havia povo. A população indígena, estimada na época em um milhão e meio de almas, não constituía, obviamente, o povo da nova entidade política; tampouco o formavam os degredados aqui desembarcados em número crescente a partir de 1530, ou os funcionários que acompanharam o Governador Geral. Em suma, tivemos organização estatal antes de ter povo. Em lugar deste, cá se instalou uma sociedade fundamente dividida entre senhores e servos, praticamente sem meio-termo.

Eis a grande causa morbis de nossa doença multissecular. Ela corresponde à completa negação do primeiro princípio fundamental de todo o sistema de direitos humanos, conforme se lê no Artigo I da Declaração Universal de 1948:

Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.

Aí estão declarados os três grandes valores explicitados pelos revolucionários norte-americanos e franceses, no final do século XVIII.

Aconteceu, porém, que sob a aparência enganosa de adoção desses valores magnos, a burguesia, ao se tornar a classe dominante, primeiro no Ocidente e depois no mundo todo, acabou por falseá-los, ao provocar a existência de dois ordenamentos jurídicos nacionais: um oficial, que consagra todas as conquistas políticas do mundo moderno em matéria de direitos humanos; outro não oficial, que efetiva a realidade do poder capitalista, nunca revelada publicamente.

Assim é que, a todo tempo e de mil maneiras, os empresários asseveram sua adesão incondicional às liberdades individuais, como uma forma de contrapoder privado, diante da opressão estatal. Na prática capitalista, todavia, a única liberdade realmente existente é a empresarial. Caso esta seja mantida, todas as demais podem e mesmo devem, conforme as circunstâncias, ser suprimidas. Foi o que se cansou de ver na América Latina, na Ásia e na África, com a multiplicação de regimes autoritários, estreitamente associados aos grandes grupos empresariais e aos latifundiários.

Quanto ao princípio da igualdade, a burguesia revolucionária dos Estados Unidos e da França fez questão de precisar que ele diz respeito unicamente ao status cívico das pessoas; ou seja, é a isonomia ou igualdade perante a lei. Pois bem, a isonomia conviveu no mundo moderno durante séculos, em todos os ordenamentos jurídicos em que foi admitida, com a legalidade da escravidão (como no Brasil), a representação política censitária (só tinham direito de voto nas eleições os titulares de uma renda mínima mensal), bem como a exclusão da cidadania para as mulheres e os analfabetos.

Uma das consequências mais negativas da permanência ininterrupta de mais de cinco séculos de regime capitalista no Brasil é a descomunal desigualdade de renda na população brasileira contemporânea. Em estudo realizado no período de 2007 a 2013, com base nos dados oficiais ajustados do Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, verificou-se que a renda das famílias da classe A, isto é, a parcela mais rica de nossa população, é 40,9 vezes superior à das classes D/E, ou seja, as mais pobres. Acontece que as famílias da classe A representam apenas 3,6% do total das famílias brasileiras, ao passo que as das classes D/E correspondem a mais da metade desse total; precisamente, 53,5%.

Em suma, realizamos a proeza trágica de sermos atualmente um dos quatro países mais desiguais do mundo.

Ora, como se sabe, a desigualdade só pode ser corrigida em ambiente de crescimento econômico. Mas como realizá-lo, agora que o capitalismo industrial foi sucedido, no mundo inteiro, pelo capitalismo financeiro? Ninguém pode ignorar que se a atividade industrial produz riqueza, a atividade financeira, na melhor das hipóteses, é mera auxiliar da produção de riqueza; sendo que atualmente os bancos lucram muito mais com a especulação financeira do que com o serviço de crédito.

Eis a verdadeira causa da crise econômica mundial, desencadeada em 2007, e cujas trágicas consequências perduram até hoje.

Proposta de tratamento

Para principiar a cura de nossa velha moléstia jurídico-política, precisamos ultrapassar a mera consideração dos sintomas aparentes, como a escolha de políticos para exercer este ou aquele cargo, ou então o mero embate partidário. Quanto a este último, aliás, não podemos deixar de considerar que nossos partidos, desde o Império, como salientou Joaquim Nabuco, com raras exceções, são simples fachadas para esconder o seu caráter personalista ou classista. É de se lembrar, a esse respeito, a crítica contundente feita por Joaquim Nabuco ao final do século XIX, denunciando a audácia com que os nossos partidos assumem os grandes nomes que usam como um autêntico estelionato político.

A reforma substancial da sociedade brasileira como um todo – e não apenas de nossa organização política – exige a fixação de uma estratégia, ou seja, o estabelecimento de um objetivo final, e a escolha de táticas apropriadas para se alcançar esse escopo; táticas essas variáveis conforme a imposição das circunstâncias.

Penso que o objetivo final a ser alcançado não é outro, senão a substituição do regime oligárquico pelo autenticamente democrático, com a instauração da soberania do povo.

Para tanto, é preciso começar a atuar, desde logo, para a superação do espírito capitalista que entre nós predomina desde o início da colonização.

A orientação de vida do sistema capitalista, como se sabe há muito tempo, é o egoísmo racional, visando à obtenção do maior volume possível de recursos materiais para empresários ou investidores de capitais, pois desde o início da civilização capitalista na Idade Média a classe burguesa percebeu que o acúmulo de riqueza significava obtenção de posições de poder em todos os campos. Essa busca insaciável de lucro, pela sua orientação racional, conduziu sem dúvida ao grande progresso tecnológico da Idade Moderna. Mas a desconsideração sistemática da dignidade humana, acabou por criar, no mundo todo e especialmente na sociedade brasileira, um abismo crescente entre ricos e pobres, sem falar da destruição sistemática do equilíbrio natural do meio ambiente, pondo em risco a própria sobrevivência da humanidade na face da Terra.

É, assim, indispensável e urgente iniciar um vasto programa de educação do povo brasileiro para a progressiva criação de uma sociedade solidária e altruísta, na qual prevaleça o espírito republicano; ou seja, o bem comum de todo o povo (exatamente aquilo que os romanos denominavam res publica) não pode subordinar-se ao interesse particular, ainda que legítimo, de indivíduos e grupos. Para tanto, é essencial a atuação escolar, desde o ensino fundamental, visando à formação das consciências na ética do respeito integral à dignidade humana.

Já no que concerne às instituições políticas, importa saber, antes de tudo, quais aquelas que devem ser transformadas, a fim de que se comece a enfraquecer a dominação oligárquica e, ao mesmo tempo, preparar o povo para o efetivo exercício da soberania.

Escusa dizer que não se pode cogitar, para tanto, de soluções rápidas e radicais – do tipo revolucionário, por exemplo – soluções essas que se revelaram em pouco tempo ineficazes e acabaram mesmo por criar instituições piores do que as que foram destruídas. A transformação social de um país é um longo processo, que se desenvolve através de várias gerações sucessivas. O que exige a fixação de um programa ou plano de longo prazo.

Ora, justamente, não se pode negar que tal exigência entra em conflito com um dos traços marcantes da personalidade do nosso povo, em qualquer classe social: a incapacidade de prever e planejar o futuro.

No tocante à alteração na estrutura de poder, as que me parecem mais adequadas para começar a enfraquecer o nosso tradicional regime oligárquico são as seguintes.

Antes de mais nada, importa que reunamos nossos esforços para dar plena eficácia aos institutos constitucionais do referendo, do plebiscito e da iniciativa popular legislativa, previstos na Constituição de 1988, pois a lei regulamentadora do seu artigo 14 – Lei nº 9.709, de 18/11/1998 – em nada fez avançar a aplicação efetiva desses instrumentos da soberania popular.

A esse respeito, assinalo que no final de 2004 deu entrada na Câmara dos Deputados uma proposta, transformada em projeto de lei (Projeto de Lei nº 4.718), que tive a honra de redigir em nome do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Nesse projeto de lei, subordina-se a atuação do Congresso Nacional ao princípio superior da soberania popular; ou seja, a competência estabelecida no art. 49, inciso XV da Constituição diz respeito tão-só aos aspectos formais da proposta de plebiscito e referendo. Além disso, alguns plebiscitos e referendos seriam obrigatórios. Quanto aos não-obrigatórios, eles seriam realizados mediante iniciativa do próprio povo, ou por requerimento de um terço dos membros de cada Casa do Congresso Nacional.

Lamentavelmente, por falta de empenho da OAB e, sobretudo, pela inexistência de pressão popular, tal projeto foi desfigurado por um substitutivo na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania daquela Casa do Congresso, substitutivo esse que ainda não chegou a plenário para votação. Ou seja, o grupo oligárquico está conseguindo entravar sua tramitação por mais de uma década.

Conviria também que nos aproveitássemos da última turbulência surgida no plano das instituições políticas, para repensar a manutenção em nosso ordenamento constitucional do instituto do afastamento do Chefe de Estado, em razão do cometimento dos chamados crimes de responsabilidade. Trata-se, incontestavelmente, de um recurso somente aplicável pelos grupos dominantes, para a preservação de seus próprios interesses políticos. O povo, que elege diretamente os Chefes de Estado nos sistemas presidenciais de governo, fica à margem do processo do impeachment presidencial, como se nada tivesse a ver com o assunto.

Se quisermos manter o governo presidencial em regime autenticamente democrático, é preciso reconhecer que se o povo elege diretamente o presidente, é somente ele que pode destituí-lo no curso do mandato. Importa, pois, começarmos a discutir em profundidade a introdução, em nosso ordenamento constitucional, do instituto do recall, ou referendo revocatório de mandatos políticos. Com esse objetivo, redigi em 2005 uma proposta de emenda constitucional, criando esse instituto, não só para a destituição popular do chefe de governo, mas também para pôr fim, mediante decisão do próprio povo, aos mandatos dos parlamentares por ele eleitos. Foi a PEC nº 73/2005, apresentada por dois senadores, e que, à falta de total apoio partidário ou popular, acabou sendo arquivada no final de 2014.

Ainda nesse campo da representação popular na esfera estatal, penso ser urgente e necessário mudar a composição do colégio eleitoral para a eleição dos deputados federais. A Constituição de 1988, na linha das que o precederam desde 1891, declara que “a Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo”. Mas esse povo a que se refere a Constituição não é aquela entidade una, titular da soberania – a qual não pode ser dividida –, mas sim um conjunto de grupos diversos de eleitores, cada qual com poder eleitoral específico. Em seu art. 45, § 1º a Constituição Federal determina, assim, que “o número total de Deputados, bem como a representação por Estado e pelo Distrito Federal, será estabelecido por lei complementar, proporcionalmente à população, procedendo-se aos ajustes necessários, no ano anterior às eleições, para que nenhuma daquelas unidades da Federação tenha menos de oito ou mais de setenta Deputados”.

Esses limites, máximo e mínimo, de deputados criaram a absurdez de que o poder de um cidadão brasileiro, domiciliado em Rondônia, de eleger um deputado federal é quatorze vezes maior do que o de um cidadão domiciliado em São Paulo.

Na verdade, a razão desse descompasso brutal está no fato de que os chefes políticos dominantes nas regiões pouco desenvolvidas do nosso país não querem, de forma alguma, abrir mão de seu domínio sobre a população pobre, inteiramente deles dependente.

Se quisermos, pois, manter em sua integridade o princípio da representação proporcional na composição da Câmara dos Deputados, é indispensável abolir os limites numéricos de representantes estaduais do povo, estabelecidos no citado dispositivo constitucional.

Já no que respeita à formação de uma consciência republicana e democrática no seio do povo, tal tarefa, numa sociedade de massas como a atual, depende em sua maior parte da colaboração dos meios de comunicação social. Sucede, porém, como ninguém ignora, que esse setor é rigidamente controlado em nosso país por um conglomerado empresarial, que desde o regime militar conta com o apoio das autoridades estatais, e que exerce sem qualquer entrave, no Congresso Nacional, seu poder de dominação para neutralizar a vigência efetiva da plena normatividade constitucional. Em 2015, em debate promovido pela ONU, verificou-se que em nosso país apenas seis famílias controlavam 90% das empresas de comunicação de massa, bem como 90% da receita publicitária, pública e privada.

Conforme dispõe o art. 220, § 5º da Constituição, “os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”. E o art. 221, inciso I estabelece, por sua vez, que “a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios: I – preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas”.

Pois bem, transcorrido mais de um quarto de século desde a promulgação da Constituição, tais normas ainda não foram regulamentadas por lei; o que faz delas mera ornamentação jurídico-formal.

Inconformado com isso, procurei em 2011 um partido político, que consentiu em ajuizar por meu intermédio, perante o Supremo Tribunal Federal, uma ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Sucedeu, porém, que encerrada a instrução processual em 2013, com parecer largamente favorável da Procuradoria-Geral da República pela procedência da ação, a Ministra relatora, até o momento em que escrevo estas linhas, não se dignou pôr o feito em votação. E não há poder algum capaz de obrigá-la a tomar essa decisão.

Aliás, neste “Estado democrático de Direito”, como declara a Constituição vigente logo em seu primeiro artigo, a organização do Supremo Tribunal Federal faz uma clamorosa exceção ao princípio do Estado de Direito. Os magistrados integrantes de nossa Corte Suprema não estão submetidos a nenhum controle no exercício de suas funções, podendo atuar da maneira que o desejarem.

Eis, em resumo, as medidas terapêuticas que me parecem mais importantes para dar início ao tratamento de nossa doença sociopolítica congênita.