Lu Castro: O desafio do desenvolvimento esportivo das mulheres

Em tempos em que assistimos desesperados, e um tanto abestalhados, o desenrolar e avanço de pautas conservadoras e que afetam drasticamente a condição da mulher brasileira, ser convidada para discorrer sobre a luta das futebolistas do país no Portal Vermelho é um alento e uma grande honra.

Por Lu Castro*

"Atletas mulheres também jogam bola"

Para iniciar os trabalhos, tomarei como parâmetro a “Title IX”, lei que entrou em vigor nos Estados Unidos em 1972 e que com o avançar dos anos ajudou a transformar o esporte feminino norte-americano em potência. O exemplo, óbvio, é o futebol.

A seleção norte-americana de futebol é tetra campeã olímpica e tri campeã mundial. É exemplo de organização tática, aplicação de fundamentos e técnicas – mesmo que dentro do jogo isso fique caracterizado como falta de criatividade, e unidade. Sim, há um forte senso de coletivo.

Por aqui, a história nos castiga. O conservadorismo brasileiro passou pela modalidade e proibiu as mulheres de praticarem esportes incompatíveis com sua natureza. Ano 1940, Era Vargas. Vinte e cinco anos depois, o Conselho Nacional dos Desportos afinou a letra da lei, indicando o futebol de campo, de salão, de praia, polo, polo aquático, rugby, halterofilismo e beisebol, como os esportes proibidos.

A lei tão obtusa nos atrasou e os reflexos deste atraso são sentidos até hoje. Não mais existem leis que nos proíbam de praticar qualquer modalidade, entretanto, as condições oferecidas para as mulheres futebolistas estão sempre aquém do mínimo adequado.

Da cultura a estrutura, o futebol feminino caminha lentamente no país da maior artilheira da seleção nacional, da única jogadora a competir seis copas do mundo e prestes a competir a sexta Olimpíada. Não são números apenas. São mulheres, brasileiras e atletas. Nada indica, ao menos por enquanto, que surja outra atleta do mesmo quilate, e a razão é bem simples: não desenvolvemos as meninas para o futebol.

Não temos nada parecido com a Title IX e sequer pensamos em apresentar algo nos mesmos moldes. Basicamente a Title IX determina que recursos públicos liberados para programas educacionais, sejam aplicados de forma igualitária entre homens e mulheres. Sabendo da vocação norte-americana para os esportes, colégios e universidades tiveram que se adaptar e criar equipes femininas em diversas modalidades.

Evidente que muito foi questionado e houve bater de pés, mas as exigências nunca cessaram. O resultado, pelo menos no futebol e no basquete, é bem positivo.

O que temos de mais próximo neste momento, são as ações – pontuais – do Ministério do Esporte, mas nada convertido em lei e que seja de aplicação obrigatória daqui em diante, e, por orientação da FIFA, ações da CBF para o desenvolvimento do futebol feminino da base às seleções, passando pelo social. Porém, as ações que deverão ser implantadas pela CBF, são pensadas e organizadas como sugestões de um grupo de pessoas escolhidas para colaborarem na futura formatação. Nada garante que todas as sugestões formuladas sejam aplicadas pela CBF.

O mundo ideal inspira representatividade na Câmara para propor pautas educacionais/esportivas mais inclusivas. Talvez algo próximo da Title IX pudesse equalizar a balança, mas com o espetáculo diário de péssimo gosto e o propósito ao qual estão servindo muitos deputados eleitos pelo povo, na casa do povo, quais são as chances de uma pauta propondo igualdade de gênero ser ao menos apreciada?

Avanço, trabalho pelo coletivo e igualdade são palavras que não ornam com a prioridade da maioria dos deputados.

Mais informações sobre a Title IX.

* Lu Castro é jornalista, autora do blog "Futebol para meninas" e colaboradora do Museu do Futebol para assuntos de futebol feminino.