Valton de Miranda Leitão: O Ministério da Verdade

Por *Valton de Miranda Leitão

Temer e Cunha

É possível analisar um mentiroso? Os mentirosos estão em várias categorias, sendo a mentira inerente à natureza humana. A criança engana a mãe para obter satisfação, mas é uma mentira boa, que pode se transformar na mais brutal perversão individual e coletiva.

Orwell, no seu 1984, escrito depois da Segunda Guerra, previu o avanço da mentira universal e dessa forma sugeriu que os governos criassem o Ministério da Verdade. O escritor não compreendera que a mentira seria o próprio cerne do funcionamento político mundial na sua aliança fundamental com os mass media e/ou rádio, televisão etc., espalhados pelo mundo.

Umberto Eco no seu livro Número Zero mostra como se opera a transformação no laboratório da imprensa, da verdade em mentira e da mentira em verdade, num jogo diabólico que apenas mentes lúcidas percebem.

O redator chefe desse jornal fictício é Aleteu, uma palavra grega derivada de Aleteia, que significa verdade, e é precisamente o senhor Verdade quem determina as diretrizes do jornal imaginário de Eco.

O redator sempre afirma aos seus repórteres (majoritariamente escravizados à engrenagem midiática) que não existe notícia, mas, sim, fabricação da notícia, conforme as diretrizes ideológicas da empresa que domine um determinado monopólio comunicacional. Os jornalistas ficam emparedados para acompanhar o ziguezague informacional e a idolatria que está implicada neste sistema mundializado que articula a CNN americana com a rede Globo, embora essa última seja a mais obscena de todas.

Tal dispositivo foi notavelmente caracterizado tanto na filosofia quanto na literatura e na cinematografia. Francis Bacon diz que a coletividade humana funciona a partir de idolatrias ou imagens mágicas, que denomina ídolos da caverna, do fórum, do teatro e da tribo. A tribo ou coletivo de pessoas é o mais irredutivelmente resistente à busca da verdade.

Esse funcionamento foi mostrado no filme Matrix, no qual o deus do sono, Morfeu, tenta mostrar a Neo, a diferença entre sonho e realidade. A notável capacidade do complexo midiático para manipular a mente individual e a consciência coletiva é um dos maiores desafios contemporâneos da humanidade, pois esse dispositivo é propriedade do mercado capitalista.

A vergonhosa combinação desse mecanismo com o judiciário e uma ética evangélica perversa, esteve grotescamente presente na votação que o mundo da intelligentsia embasbacado assistiu. Os pronunciamentos sem nenhuma lógica ou compreensão racional daquilo em que votavam mostraram um bando anárquico de bufões, votando impulsionados por esta engrenagem, cujo aestro certamente passará à história como o cínico mais calhorda deste processo nojento.

Caso o Senado confirme Temer como presidente, nenhum grande filósofo ou cientista político, de Norberto Bobbio a Agamben, deixará de chamar isso de golpe de Estado. É bom lembrar que após o Golpe de 1964, o STF legitimou os atos institucionais que deram voz à Ditadura. Moro recebeu a bênção dos Estados Unidos, e Eduardo Cunha pode assumir o Ministério da Verdade!!!


*Valton de Miranda Leitão é Psicanalista.

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