Dois anos do massacre de Odessa: Ucrânia submersa pelas trevas

O massacre na Casa dos Sindicatos de Odessa foi emblemático do curso imposto na Ucrânia após o golpe de Estado de Fevereiro de 2014 ano e da ascensão das forças nazifascistas com o apoio dos Estados Unidos e da UE.

bombardeio em Odessa - Reprodução

Os acontecimentos de 2 de maio de 2014 contêm elementos que emergiram na sequência da captura do poder pela oligarquia aliada do imperialismo: o terrorismo como política de Estado deixando um rol de vítimas civis (cerca de 40, incluindo idosos e mulheres); traços de barbárie no ataque selvagem dirigido a comunistas e antifascistas e às organizações populares; comprometimento da "comunidade internacional" face à tradução material dos profundos retrocessos antidemocráticos observados no país nos meses precedentes, e impunidade dos bandos criminosos e nazifascistas.

O responsável operacional do massacre em Odessa terá sido o comandante das chamadas forças de defesa da Maidan, praça do centro de Kiev onde tudo começou e, por isso, local a que tem de se regressar para situar o contexto em que sucedeu a matança de Odessa, que na próxima segunda-feira completará dois anos.

Com efeito, a Maidan, assentando em fatores de descontentamento e em reais aspirações a melhores condições de vida por parte de setores e camadas populares ucranianas, foi um protesto manipulado e rapidamente subvertido. A recusa do então governo de Kiev, liderado por Viktor Ianukovitch, em concluir o acordo de associação com a UE desencadeou a fase final do longo caminho de intromissão externa e subversão com o objetivo de fazer capitular a Ucrânia.

Ao partido que se reclama herdeiro do legado do colaboracionista nazifascista Stepan Bandera, o Svoboda (já então legal e com forte representação parlamentar), o imperialismo juntou na Maidan grupos de marginais e delinquentes sob a bandeira do ultranacionalismo, caso do Setor de Direita, organização paramilitar que viria a constituir a espinha dorsal da futura Guarda Nacional, a qual funcionou como corpo expedicionário repressivo dos democratas e antifascistas do Leste da Ucrânia, particularmente o famigerado Batalhão Azov, facção de um proselitismo nazifascista descarado.

Ingerência aberta

Figuras políticas da "Revolução Laranja" realizada no início do século 21 (2004-2005) na Ucrânia e novos atores "políticos", uns afivelados a Berlim (um ex-pugilista e líder do partido nacionalista Udar), outros a Washington (o recentemente demitido primeiro-ministro da Ucrânia, Arseni Iatseniuk, e os partidários da ex-primeira-ministra "laranja" Iúlia Timochenko), uniram-se à tropa de choque que ocupou o centro político e administrativo de Kiev até ao assalto ao poder, consumado em 24 de fevereiro de 2014.

Pela Maidan também passaram graduados responsáveis dos EUA e da UE. O senador norte-americano John McCain (que mais tarde viria a ser nomeado conselheiro do atual presidente ucraniano, Petro Porochenko, tal como outros políticos estrangeiros, caso do ex-presidente da Geórgia, Mikhail Shachashvili), que discursou e elogiou nazifascistas declarados. O mesmo fizeram Victoria Nuland, subsecretária do Departamento de Estado dos EUA, e a baronesa Catherine Ashton, então responsável pela política externa da UE. Victoria ficou famosa pela confissão de que os norte-americanos já haviam investido US$ 5 bilhões para transformar a Ucrânia num território vassalo. Ashton, por seu lado, permanece para a posteridade pela indiferença manifestada quando o ministro das Relações Exteriores da Estônia lhe relata que a matança na Praça Maidan, horas antes da concretização do golpe de Estado e prontamente atribuído ao desorientado e hesitante governo de Ianukovitch, havia sido, afinal, perpetrado pelos paramilitares golpistas. Alegadamente sob orientação no terreno daquele que viria a liderar o massacre na Casa dos Sindicatos de Odessa, meses depois.

Guerra quente

Se há um 'antes' do assalto à Casa dos Sindicatos de Odessa, há também um 'depois'. Logo após o golpe de Estado, na Crimeia levanta-se o clamor democrático e patriótico. Em referendo, a população da península decide reintegrar a região à Federação Russa, concretizando uma aspiração já antes afirmada. Acresce o rebentamento de insurreições antifascistas no Leste (especialmente na bacia do Rio Don) com a constituição de poderes locais próprios que ainda hoje reclamam a tradução constitucional dessa autonomia. Bruxelas impõe sanções econômicas à Rússia que só não têm tido nefastas consequências para os EUA.

Pela primeira vez desde as guerras de divisão da Iugoslávia e da agressão "humanitária" da Otan à ex-Iugoslávia, os combates regressam à Europa. Kiev, financiada pelos EUA, que aprovam sucessivos pacotes financeiros para apoio não-letal e letal, sobretudo, mas usando também armas da Otan, lança uma ofensiva fratricida sobre o Donbass no contexto de uma campanha xenófoba russofóbica. O diretor da CIA e o vice-presidente dos EUA, Joe Biden, estiveram com o governo golpista antes do ataque e deram luz verde.

Cidades, vilas e aldeias são bombardeadas com munições pesadas e proibidas (bombas de fragmentação) durante meses. Registram-se avanços e recuos e os contra-golpistas resistem. Números oficiais indicam que mais de nove mil ucranianos tombaram no Leste. Cerca de milhão e meio refugia-se em território russo. Magnatas contratam mercenários e formam exércitos privados.

Um avião da companhia aérea malaia é derrubado em julho de 2014 e o atentado é atribuído aos antifascistas apoiados por Moscou, que nega e prova a falsidade da acusação. A Rússia é intitulada de invasora e agressora, de apoiadora do terrorismo. Quanto às recentes suspeitas de trânsito de extremistas islâmicos (da Frente al-Nusra, em ação na Síria, por exemplo) e armamento para estes pela Ucrânia, o assunto tem sido abafado.

O clima de guerra fria estava fervendo e a Aliança Atlântica avançou noutro dos propósitos da "rebelião da Maidan": justificar o reforço da presença militar junto às fronteiras da Federação Russa, intensificando posições e meios (contingentes humanos, aparelhos de combate terrestres e aéreos, ofensivos e logísticos) e realizando poderosos exercícios militares.

O conflito no Donbass não se resolve pelas armas e desde fevereiro de 2015 persiste uma frágil trégua (negociada em Minsk, na Bielorrússia) que é permanentemente violada.

Fascistização

Na Ucrânia, a guerra contra as populações do Leste do país é acompanhada por uma campanha antidemocrática de vultuosas proporções. Antifascistas são executados e centenas de democratas são presos. Manifestações e protestos são reprimidos com violência pelas hordas nazifascistas, as oficiais e as paralelas. O exercício do poder (autárquico, regional, judicial) e a liberdade de expressão são condicionados. As eleições, da designação do "rei do chocolate", Petro Porochenko, para presidir à Ucrânia, às legislativas, são uma caricatura que o Ocidente titula de "transparentes".

A ideologia comunista, o período soviético e os respectivos símbolos, o passado heroico de resistência ao invasor alemão são criminalizados pelo parlamento quando se celebrou 70 anos da derrota do nazi-fascismo. O Partido Comunista da Ucrânia e outras forças democráticas foram ilegalizados, as suas sedes são assaltadas e dirigentes do partido são perseguidos. Estátuas e monumentos aos fundadores da URSS, aos antifascistas e à democracia são vandalizados, ao passo que as organizações e os milicianos nazifascistas recriam desfiles laudatórios do holocausto e do nazifascismo e os seus fundadores e inspiradores ucranianos são glorificados como heróis nacionais pelas autoridades.

A situação econômica e social degrada-se permanentemente e vastas camadas populares hoje amaldiçoam a Maidan, vendo e sentindo que a fascistização tem sempre por objetivo vergar os trabalhadores a mais subjugação de classe e nacional.

Fonte: Jornal Avante!