Thiago Cassis: Ódio ao futebol moderno?

Em um raro momento de lucidez no mundo das cifras surreais que cercam o futebol dos grandes clubes europeus, o jogador espanhol Juan Mata, natural de Burgos, cidade com menos de 200 mil habitantes no norte da Espanha, fez afirmações que, apesar de extremamente realistas, quase nunca são ouvidas saindo da boca de um atleta. O tipo de afirmação que só se escuta em papo de arquibancada mesmo.

Por Thiago Cassis*

Juan Mata

O atleta já movimentou por volta de € 70 milhões de euros (R$ 280 milhões) em suas duas transferências, do Valencia para o Chelsea e depois para o Manchester United. Seu passe está atualmente avaliado em € 34 milhões (R$ 136 milhões), e com contrato até 2018, ganha € 180 mil (R$ 720 mil) por semana. Os valores são tão fora da realidade da maioria das pessoas, que nem o próprio jogador, destoando de quase todos seus colegas de profissão, conseguiu ignorar.

Em entrevista para uma emissora de TV espanhola, Mata fez afirmações como “Eu aceitaria uma redução de salário tranquilamente se isso significasse menos envolvimento dos negócios no futebol” ou então “Nós vivemos em uma bolha. Em relação ao resto da sociedade, nós ganhamos uma quantia ridícula. Imensurável”.

Ainda fez menção as consequências da crise do sistema capitalista que afeta a Espanha e o resto do planeta, “Eu vivo em uma bolha. A vida real é a que meus amigos vivem. Eles tiveram que procurar emprego, receber auxílio e imigrar”.

Confira na íntegra a surpreendente resposta do jogador do Manchester United:

“Eu consigo entender quem odeia o futebol moderno. O lado do negócio no futebol faz parecer que os donos dos clubes são mais importantes que os torcedores. Não é que nem o futebol de antigamente. Não havia tanta cobertura da imprensa ou tantas partes interessadas em ganhar alguma coisa. Ver o Manchester United jogar custa £ 40. Não é barato.

Eu não gosto do lado mercadológico do futebol. Eu amo o jogo. Eu amo treinar e competir. Eu aceitaria uma redução de salário tranquilamente se isso significasse menos envolvimento dos negócios no futebol. Nesse nível, somos muito bem pagos e algumas vezes você pensa que não existe realmente muita diferença entre x e x+3.

O futebol é muito bem remunerado neste nível. Nós vivemos em uma bolha. Em relação ao resto da sociedade, nós ganhamos uma quantia ridícula. Imensurável. Em relação ao mundo do futebol, eu tenho um salário normal. Mas, em comparação a 99,9% da Espanha e do resto do mundo, eu ganho uma quantia obscena. O barômetro que usamos para medir nossos salários é a comparação com os nosso companheiros de time e o que outros jogadores ganham em outros lugares.

Eu vivo em uma bolha. A vida real é a que meus amigos vivem. Eles tiveram que procurar emprego, receber auxílio e imigrar. Isso é a vida normal hoje em dia. Minha vida de jogador de futebol não é normal. Eu fico assustado em pensar o quanto sou protegido. Quando surge o menor problema, alguém aparece para consertá-lo para mim. Esse é um dos aspectos em que a minha vida não é normal”.

*Jornalista