Sobre domingo

Tenho aqui e na vida inúmeros familiares, amigos, colegas, conhecidos, enfim, cidadãos adultos, com suas opiniões sobre tudo e respeito a todos. Posso enumerar uma meia dúzia de motivações que levaram uma meia dúzia desses amigos a sentirem-se vitoriosos com a sessão da Câmara dos Deputados no domingo passado. Uns alegraram-se por não estarem satisfeitos com a crise econômica que o país enfrenta e com os seus efeitos em sua vida.  

Sobre domingo - Divulgação

Por Ceça Costa*

Outros por sentirem-se sinceramente decepcionados com a quantidade de casos de corrupção envolvendo agentes públicos de alguma forma ligados ao governo atual, outros simplesmente por terem votado em outros candidatos e, infelizmente, como é próprio da natureza humana, sentirem-se vingados, outros ainda, se valem de uma miscelânea desses motivos, o que chamam de "conjunto da obra".

Imaginar e alegar que "começamos a limpeza com a saída de Dilma" e agora será a vez de Eduardo Cunha, de Michel Temer, de Geraldo Alckmin, de Serra, de FHC, de Aécio Neves, de Eduardo da Fonte, de Bruno Rodrigues e de mais uma centena de deputados e senadores cujos nomes frequentam todas as listas e delações, é sandice, é insensatez ou, pior que isso, em alguns casos, é desfaçatez. Afirmar que "o impeachment está na lei e portanto aplicá-lo para afastar a presidente eleita não é um golpe" é o mesmo que aceitar que alguém seja condenado por um crime pelo simples fato desse crime encontrar-se previsto em lei.

Dizer que o Supremo Tribunal Federal está acompanhando todo o processo e nada viu de ilegal, tanto que permitiu a sua continuidade, também é um raciocínio ou alegação deveras precária, se o próprio Ricardo Lewandowski, disse "que o STF pode ainda ser instado a discutir se a presidente cometeu ou não crime de responsabilidade", única hipótese em que o impeachment não se configuraria em um golpe. Ora, se o STF pode ainda ser instado é porque ainda não o foi, portanto, não se pronunciou sobre a legalidade do processo.

Dizer que não se pode questionar a legitimidade do processo do impeachment pelo simples fato dele estar sendo capitaneado por Eduardo Cunha, afinal "se não fosse ele seria outro", desconsiderando o fato que, em verdade, o Eduardo Cunha liderou um covil e a base de chantagem mobilizou um bando de salteadores, ver-se também que esse é mais um argumento roto, mal servindo para capear o próprio embaraço de quem o usa.

Mas, mesmo considerando frágeis os sustentáculos motivacionais frente ao cerne da questão, não vou mais adentrar no mérito dessas motivações, pois sei que esses poucos amigos, com toda certeza, com raríssimas exceções que infelizmente sei existirem, em que pese a debilidade de suas leituras, a maioria são pessoas sinceras e de bons propósitos. O mesmo não posso dizer da alegria estampada nas caras (de pau) dos deputados golpistas.

Para esses, da mesma forma, posso enumerar uma meia dúzia de motivações que levaram 367 deputados a votarem "sim" na sessão de domingo, 17 de abril, e, digo, sem medo de errar, que nenhum deles, repito, nenhum deles, votou "sim" porque anseiam viver em um país livre de corrupção, pleno de empregos e de qualidade de vida, ou mesmo votou "sim" pelo bem do povo brasileiro, na verdade, sequer foi para lograrem uma nação melhor para suas esposas, mães, pais, filhos e netos como reiteradas vezes disseram, motivo que ainda que mesquinho, uma vez que deixaria de lado todas as demais famílias brasileiras, poderia até sugerir a existência de algum sentimento superior.

Mas, muito pelo contrário, todos os reais motivos que levaram sorrisos e gargalhadas as bocas dos 367 deputados que votaram "sim" foram motivos escusos, tacanhos, escabrosos, suspeitos, inverídicos, contestáveis, imorais e etc. e etc. E, de modo cristalino, vejo que alegrar-me junto com eles, mesmo que por motivo diverso, me tornaria cúmplice ou manipulada.

Como não desejo figurar nem numa nem noutra categoria, entristeci-me e envergonhei-me diante de tão grotesco e sórdido episódio. Contudo, seguirei lutando na certeza que num futuro próximo, os livros saberão qualificar o conluio em curso, como bem dito pela deputada Luciana Santos, e aos "cunhas", aos "temer", "aos mendoncinhas", aos "bolsonaros", aos "da fonte", aos "vasconcelos", aos "rodrigues", aos "jucás", aos "marinhos" dentre tantos outros golpistas de primeira e última hora, estará reservado lugar no lixo da história.

*Ceça Costa é Engenheira Civil