A bela, recatada e do lar e a enorme crise na imprensa nacional

Todo mundo viu, quase ninguém gostou. A revista Veja estampou na semana passada uma foto da esposa de Temer, Marcela, tecendo comentários positivos sobre ela, enaltecendo-a como uma mulher bela, recatada e do lar. Não haveria problema algum caso os únicos adjetivos que a acompanhassem na nota não fossem estes.

Por Matê da Luz

Marcela e Michel Temer - Reprodução

No momento do burburinho, coloquei em prática um exercício que venho testando ultimamente, pra não espalhar mais ódio e intolerância por aí – checar a fonte. Vai que a nota tratava de algum assunto onde o contexto se fazia valer, porque oras, não há problema algum em ser bela, nem recatada e quanto menos do lar desejamos que as mulheres sejam quem quiserem ser, então que assim seja. Para meu não espanto, era isso. Uma nota pra enaltecer uma mulher como bela, recata e do lar. Fim.

Pulsaram em mim algumas questões nervosas, outras nem tanto: o que uma revista que diz fazer uma cobertura relevante sobre o cenário do País, de circulação semanal, estava noticiando ali? Por que aquilo era uma notícia? Onde estavam as informações relevantes para o leitor? Que mensagem aquela nota passava?

Reservarei meus pensamentos sobre o machismo quase explícito na nota por serem pessoais e intransferíveis e, além disso, quero abordar aqui a questão geral da abordagem da mídia como material de informação.

A pergunta que não quer calar é: Onde está a notícia? 

Diferentes meios de comunicação, de muito tempo pra cá, têm apostado numa abordagem partidária, nada imparcial, quiçá informativa, e isso é um dos maiores problemas do País, mesmo neste momento de profunda crise política. Porque escutei de algumas pessoas nesta semana que "gostam do Bolsonaro porque ele é firme nas decisões", e rebati "tão firme que é capaz de tortura literal, não é mesmo?". O choque destas pessoas ao saber que Bolsonaro foi efetivo torturador me espantou – elas simplesmente não sabiam, não tinham esta informação.

Da mesma forma que a imprensa se preocupa em pautar a bela e recatada, com espaço caro e de destaque – sair numa nota na Veja pode significar um bom negócio, pergunte pra algum assessor de imprensa (risos!), também está comprometida em defender um único lado da moeda, o lado que escolheu. Isso não teria problema algum, veja bem, mas por definição um veículo de comunicação serve para levar informações a quem lê e, ali dentro, possui espaço apropriado para menções opiniáticas: nas colunas e artigos, por exemplo, mas não nas matérias. Não é a toa que cada escrita ali presente recebe uma nomenclatura distinta, sabe?

Um outro espanto é sobre como é que as pessoas ainda não perceberam que este golpe, o do ocultamento de informações e manipulação de notícias, é tão ruim quanto o golpe sobre a democracia? "Não quero viver em Cuba", dizem alguns direitistas. Amigo, sinto lhe informar: em termos de manipulação dos assuntos que você anda espalhando por ali e acolá, Fidel pode se pós graduar com a imprensa brasileira.

Até quando?