Pedro Guerreiro: O que está em causa no Brasil?

Para quem dúvidas tivesse sobre o que está efetivamente em causa na atual situação no Brasil, o acompanhamento do debate e aprovação da admissibilidade da destituição da presidente Dilma Rousseff pelo parlamento brasileiro no passado dia 17 de abril constituiu um momento profundamente esclarecedor e inquietante.

Por Pedro Guerreiro*

Dilma Rousseff

Ao longo de horas ficou claramente exposto o não fundamento para a destituição da presidente, assim como o caráter golpista deste processo de destituição e o seu conteúdo profundamente reacionário, obscurantista e antidemocrático, chegando deputados a enaltecer os negros tempos da ditadura e seus torturadores no momento do voto. Sendo de valorizar que, embora em minoria, afirmaram corajosa e condigna presença as vozes em defesa da democracia, dos trabalhadores e do povo brasileiro.

Com a admissão da destituição de Dilma Rousseff pelo parlamento brasileiro, o há muito ansiado assalto golpista à Presidência (e governo) do Brasil deu mais um passo. Recorde-se que as forças de direita e o grande capital, historicamente ligados ao imperialismo norte-americano, nunca aceitaram a sua derrota nas eleições de 2014 (a sua quarta derrota consecutiva nas eleições presidenciais desde 2002), procurando, desde o primeiro momento, impor a destituição da presidente Dilma que tendo alcançado a vitória nas eleições presidenciais, o conseguiu numa correlação de forças mais adversa, nomeadamente no parlamento. Ou seja, como tem sido corretamente denunciado, a direita e o grande capital brasileiros pretendem com a operação golpista em curso impor ao povo brasileiro o que este lhes negou nas urnas.

No entanto, e apesar da intensa campanha de desinformação e manipulação levada a cabo pelos grandes meios de comunicação (nomeadamente com o pretexto da luta contra a corrupção), para cada vez mais amplos sectores e camadas da sociedade brasileira – como o demonstram as grandes mobilizações populares, a crescente tomada de consciência, participação organizada e unidade na luta – é cada vez mais claro que a consumação do golpe representaria um violento ataque a direitos laborais e sociais, à democracia e à liberdade, à soberania e independência do Brasil, aos importantes avanços alcançados nos últimos 13 anos, após a eleição de Lula em 2002.

Daí a determinação de continuar o combate contra o golpe, não lhe dando tréguas e procurando travá-lo numa das suas fases, agora, no Senado (onde terá que passar por duas votações – uma primeira por maioria simples e uma segunda que exigirá uma maioria de dois terços – para que possa ser consumado). Mesmo a verificar-se o afastamento temporário de Dilma da Presidência e a constituição de um governo golpista liderado pelo vice-presidente, Michel Temer, as forças políticas e sociais que se uniram em torno da defesa da democracia declararam já a ilegitimidade deste governo e a sua determinação em enfrentar os seus intentos antidemocráticos. Uma luta que representará um forte contributo para as duras e exigentes batalhas que já se perspectivam no futuro próximo.

A situação no Brasil torna patente a agudização da luta de classes neste grande país da América Latina (que é uma das maiores economias do mundo), confrontando-se aqueles que lutam por um Brasil soberano e independente, democrático, que avance para novas conquistas progressistas, onde os trabalhadores e o povo brasileiro vejam concretizadas as suas aspirações, com os que procuram impor a intensificação da exploração, das injustiças e desigualdades sociais, os privilégios da classe dominante, um poder antidemocrático e a claudicação perante o imperialismo norte-americano. O seu desfecho terá, naturalmente, importantes repercussões na América Latina e no mundo.

*Pedro Guerreiro é membro do secretariado do Partido Comunista Português, responsável pela Secção Internacional