Setor financeiro é mais culpado pela recessão que Dilma

Explosão do endividamento das famílias, juros sobre investimentos e alta da taxa Selic tornam inviáveis o dinamismo da economia, segundo o professor da PUC-SP, Ladislau Dowbor.

Ladislau Dowbor

Quem acha que a culpa da crise econômica é apenas da presidenta Dilma Rousseff e que um eventual governo de Michel Temer vai resolver a situação de estagnação da economia está longe de enxergar os reais motivos dos problemas que o país tem enfrentado. “O que ocorre é que três fatores estão travando a demanda dos consumidores, os investimentos das empresas e também os investimentos públicos”, afirma o professor de Economia da Pontifícia Universidade de São Paulo (PUC-SP) Ladislau Dowbor.

Segundo ele, os três fatores são o endividamento das famílias, os juros sobre o dinheiro de investimentos para pequenas e médias empresas e a alta da taxa Selic, que atrai recursos que em outro contexto poderiam estar no setor produtivo. Esses três fatores estão relacionados ao processo de financeirização, “que cada vez mais concentra recursos para o setor financeiro, e atualmente são responsáveis por travar a economia”.

O endividamento das famílias, segundo dados do Banco Central (BC), é bem sintomático do travamento da demanda. Quando a série histórica começou a ser apurada, em março de 2005, a relação entre dívida e renda era de 19,3%, subindo para 44,6% em janeiro de 2016, o último dado apurado. A evolução ao longo desses dez anos mostra que a expansão do mercado imobiliário, com base na dívida para conquistar a casa própria, provoca uma alta no endividamento, que agora retira capacidade das famílias para consumir produtos de menor valor agregado e maior giro.

“O problema não está nas contas do governo, mas nos intermediários financeiros. Você tem um estoque de dívida de R$ 3,1 trilhões que é de pessoas físicas e jurídicas, não é do governo”, afirma Dowbor. “A taxa de juros média dessas dívidas é de 28%, o que sobre os R$ 3,1 trilhões representa R$ 800 bilhões. Pessoas físicas e jurídicas pagam esse montante só em juros sobre a dívida”, afirma, destacando que o total de dívidas representa 56,3% do PIB do país, atualmente de R$ 5,5 trilhões. “Na Europa e Estados Unidos, as taxas pagas são entre 2,5% e 3%”, lembra.

O segundo fator da paralisia da economia, que é o investimento empresarial, atualmente paga “entre 30% e 40% de juros nos bancos comerciais e isso também inviabiliza o investimento, porque sai mais caro depois”, afirma o economista, destacando que essa situação de crédito não afeta tanto os próprios bancos e as grandes empresas, que acabam captando recursos no exterior, com juros mais baixos.

Quanto ao terceiro fator, a taxa Selic, Dowbor diz que “quando o empresário tem a alternativa de 14,25% (remuneração com títulos do Tesouro) ele vai investir para quê? Melhor ficar com títulos”. A Selic alta trava o investimento público, “porque você tem um estoque da dívida pública que supera R$ 3 trilhões", observa. "E a taxa Selic é uma remuneração fabulosa às custas de impostos, que proporciona uma transferência de recursos para o setor financeiro da ordem de R$ 500 bilhões por ano.” Esse montante é perto de 8% do PIB do país, um dinheiro que deixa de entrar no setor produtivo. “Esse dinheiro é dos nossos impostos, que o Estado recolhe para dar aos bancos e rentistas.” Enquanto isso, os títulos do Tesouro nos Estados Unidos remuneram à ordem de 0,5% ao ano.

Governo Temer

Ao analisar a crise econômica e política atual, Dowbor lembra que ao reduzir a Selic para 7,25% em 2012 e 2013, a presidenta Dilma fez com que os bancos públicos reduzissem também suas taxas, diminuindo o estrangulamento do orçamento de consumidores e empresas. “Quem ficou indignado com isso foram os rentistas, que não investem e compram papéis. Isso gerou revolta e o governo recuou para retomar o travamento”, afirma.

Agora, diante da perspectiva de um governo do vice-presidente Michel Temer, que tem contado como possível ministro da Fazenda o tucano liberal Armínio Fraga, o que vem “são medidas que consistem em reduzir o tamanho do governo e aumentar os impostos para ter mais dinheiro para os rentistas”, afirma o professor. “Isso vai aprofundar o endividamento e a transformação de recursos em renda”, diz Dowbor, ao mesmo tempo destacando que não concorda com o caráter golpista do impeachment.

O economista vê no horizonte atual um aprofundamento da crise no país, processo que ocorreu na Europa a partir de 2008 com a adoção de receituário de austeridade fiscal: “Os governos passam mais dinheiro para o sistema financeiro e reduzem o acesso público à educação”.