A direita sempre quis o atraso do Brasil    

O programa do atraso e do subdesenvolvimento, que favorece os ganhos rentistas e especulativos da elite reacionária, moveu as crises políticas provocadas pela direita ao longo da história republicana.  

Por José Carlos Ruy  

 
Lula, na campanha de 2006

A tentativa de tirar do poder a presidenta Dilma Rousseff, que os brasileiros assistem atônitos, faz parte da longa série de investidas reacionárias contra o progresso e o desenvolvimento do Brasil. A direita nunca aceitou – não aceita – a criação de oportunidades melhores para todos os brasileiros, não aceita a igualdade entre aqueles de pele clara e os de pele escura, rejeita a presença do povo trabalhador em shoppings centers, universidades, aviões, em espaços tradicionalmente considerados como “de elite”. 
 
O Brasil viveu, nestes 13 anos de governos democráticos e populares, mudanças sociais e econômicas grandes, que a elite reacionária encara como ameaças a seus interesses e privilégios. 
 
A crise aberta pela resistência da direita às mudanças não é nova na história republicana. 
 
Nas democracias estáveis as disputas em torno da presidência da República e as eleições são sempre momentos em que o poder fica "suspenso". Nas eleições, é submetido à avaliação popular e a rotatividade dos ocupantes dos cargos mais altos é encarada com naturalidade, e mesmo desejada como elemento de garantia da estabilidade e saúde do sistema.
 
No Brasil, a República tem sido marcada por crises políticas permanentes que se acentuam em cada eleição presidencial. 
 
São períodos onde a disputa entre dois modelos se acentua, principalmente desde o final do Estado Novo, em 1945.
 
De um lado aqueles que pretendem desenvolver o país, dotá-lo de uma economia saudável e autônoma, com fortalecimento da democracia e distribuição de renda para favorecer o mercado interno e a economia.
 
Do outro lado estão aqueles, hoje conhecidos como neoliberais, que querem manter o Brasil em situação subordinada na divisão internacional do trabalho e de joelhos ante o imperialismo; dentro do país, querem manter o sistema iníquio que afasta o povo das grandes decisões e, sobretudo, da distribuição da riqueza nacional, abocanhada pelos grandes rentistas e especuladores.
 
O choque entre estes dois modelos de país (um democrático e avançado, outro elitista e atrasado) está na base de todas as crises políticas vividas pela República.
 
A República brasileira, nascida em 1889, foi fruto de um golpe militar que depôs o Imperador e abriu um período de disputas intensas entre setores urbanos (classe média e parte da burguesia) radicalizados e a coalizão de latifundiários e grandes comerciantes de exportação.
  
Deodoro da Fonseca, o marechal que comandou a derrubada do Imperador, ficou apenas dois anos à frente do governo; tentou fechar o Congresso que lhe fazia oposição, e acabou deposto. Foi substituído pelo vice, o marechal Floriano Peixoto, que consolidou a República baseado nos setores urbanos radicalizados, e tentou desbancar, nos Estados, as oligarquias remanescentes do período imperial. Não conseguiu, e teve que transmitir o poder a Prudente de Morais, expoente latifundiário, cujo governo marcou o início da hegemonia das oligarquias estaduais sobre o governo federal.
 
Já naquele momento se manifestou o conflito entre desenvolvimentistas (que defendiam o desenvolvimento industrial do país) e aqueles que, fiéis à lenda da vocação agrícola, queriam manter o Brasil como uma enorme fazenda, subdesenvolvida e atrasada, submetida aos ditames das oligarquias remanescentes do Império e do escravismo.
 
Este confronto atravessou toda a chamada República Velha (1889-1930), manifestando-se em cada eleição presidencial e também em todos os episódios de contestação contra o domínio da oligarquia agrária e financista, e contra a presença cada vez mais forte do imperialismo, primeiro britânico e, depois, norte-americano.
 
O país entrou em nova fase em 1930, mas a estabilidade continuou um sonho. Getúlio Vargas chegou ao governo em 1930 a frente de uma revolução; foi eleito pela Constituinte de 1934 e deveria entregar o posto ao sucessor eleito em 1938. Mas aquela eleição foi anulada pelo golpe de Estado de 1937, dando início ao Estado Novo que durou ate 1945 e foi fortemente desenvolvimentista, lançando as bases do Brasil moderno.

Em 1945, ao fim da Segunda Grande Guerra, Getúlio Vargas dava sinais de uma flexão democrática para incorporar os trabalhadores ao sistema político. A direita reagiu com furor; ela não aceitava o fortalecimento do desenvolvimento brasileiro e aprofundamenteo da demoracia. A elite reacionária e os chefes militares reacionários, tomados de verdadeiro pavor, depuseram Vargas em 29 de outubro de 1945, com apoio da mídia monopolista da época e da embaixada dos EUA.

 
Getúlio voltou à presidência, trazido pelo voto popular, em 1950, e sua eleição foi pretexto para nova crise provocada pela direita reacionária. Embora moderado, o nacionalismo do presidente assustava as elites e o capital estrangeiro, que tentaram impedir sua posse. Não conseguiram, e foram se convencendo de que o voto popular era um instrumento de ação política que ameaçava seus interesses. Afonso Henriques, um político da UDN, principal partido dos reacionários, chegou a propor, no início dos anos 50, a adoção do voto qualificado – o voto do eleitor simplesmente alfabetizado valeria um, por exemplo, valor que subiria de acordo com a posição social do indivíduo, chegando a valer 10 para os que tivessem curso universitário. 
 
A elite inquietava-se e pretendia aumentar os limites para a já limitada democracia da Constituição de 1946. A conspiração contra Getúlio cresceu, levando a seu suicídio em 1954 – um dos finais de governo mais trágicos da história do país. 
 
A série de presidentes efêmeros que se seguiu revelou a crueza do conflito. Os vitoriosos de 1954 pretendiam consolidar-se no poder. Mas o presidente Café Filho, sucessor de Getulio, não conseguiu manter-se no cargo e renunciou, alegando doença. Carlos Luz, presidente da Câmara dos Deputados e notório golpista, assumiu o cargo e dava sinais de que impediria a posse do presidente eleito em 1955, Juscelino Kubitschek, visto pelos golpistas como uma espécie de sucessor de Vafrgas e, portanto, pouco confiável para a elite reacionária. Carlos Luz acabou deposto pelo marechal Henrique Teixeira Lott que assim, garantiu assim a posse do nome consagrado nas urnas. 
 
Juscelino Kubitschek tomou posse, enfrentando a permanente hostilidade da diretia. A história que se seguiu é mais conhecida. Juscelino foi sucedido por Jânio Quadros, que ficou apenas nove meses no cargo, e renunciou em 25 de agosto de 1961, abrindo a crise que culminou, em 1964, com a deposição de João Goulart e na instalação da ditadura militar no país.
 
As oligarquias, que conseguiram sobreviver durante todo esse período, uniram-se no começo dos anos 60 à alta burguesia e aos agentes do capital estrangeiro, formando a base golpista que permitiu aos militares tomar o poder e mantê-lo por duas décadas, eliminando e derrotando o movimento popular por reformas na sociedade brasileira. 
 
Os chefes militares que ocuparam a presidência da República foram sucessivamente escolhidos indiretamente por um Colégio Eleitoral espúrio e manipulado, com regras que mudavam a cada indicação presidencial. 
 
Castelo Branco, o primeiro presidente militar, teve que aceitar a imposição de Costa e Silva como sucessor, apoiado pelos coronéis da "linha dura". Costa e Silva adoeceu antes de terminar o mandato, e foi substituído pela Junta formada pelos ministros militares. Sua substituição foi decidida nos quartéis, por uma "democracia" de generais onde as várias correntes disputaram o cargo. O escolhido foi o general Garrastazu Médici, e sua sucessão foi outra crise vencida pelo grupo castelista dirigido por Ernesto Geisel e Golbery do Couto e Silva – e Geisel foi indicado para a presidência, contra a opinião de Médici. O sucessor de Geisel foi o general João Batista Figueiredo, cuja indicação provocou grave crise entre os chefes militares. Ele foi o último da série de generais presidentes. 
 
A sucessão de Figueiredo (1985) foi marcada pela derradeira crise da ditadura militar. Ocorreu então, em 1984, aquele que foi, até então, o maior movimento de massas da história brasileira, exigindo o direito de eleger o presidente, sob a consigna Diretas Já. 
 
A crise corroeu as bases de sustentação da ditadura e, embora não alcançando o sonhado direito de eleger democraticamete o presidente, culminou com a eleição, pelo mesmo colégio eleitoral, do primeiro presidente civil desde 1961: Tancredo Neves, em 1985. Tancredo, é sabido, não pode assumir a presidência, pois morreu antes. A presidência coube ao vice, José Sarney, que comandou a transição democrática e transformou em lei várias exigências populares, entre elas a legalização do o Partido Comunista do Brasil. A principal marca do governo Sarney foi, contudo, a convocação da Assembléia Nacinal Constituinte de 1987/1988.
 
Aquela transição para a democracia, contudo, não foi completa nem consolidada. Ela foi resultado de um pacto “pelo alto” entre a mesma elite econômica e social que prevaleceu durante a ditadura militar, e os setores democráticos que emergiram durante a campanha das Diretas Já e da luta contra a ditadura. Pacto que deu aos militares conservadores enorme parcela de poder tutelar sobre o governo e a sociedade, e no qual aquelas elites mantiveram os mesmos privilégios insuportáveis para a Nação e o povo. 
 
Desenhava-se um quadro de encruzilhada histórica no qual os interesses sociais em choque exigiam soluções radicais e definitivas. O povo lutou contra a ditadura esperando um governo que fosse mais favorável a seus interesses, e deu sinais de que ia para a eleição presidencial, marcada para 1989, animado por esse espírito. 
 
A elite conservadora não aceitou as conquistas democráticas e populares registradas na Constituição de 1988, e conspirou para eliminá-las. 
 
Aquela elite reacionária preparou-se para a eleição de 1989 tentando, de todas as formas encontrar um “anti-Lula”, um candidato da elite para derrotar o candidato da Frente Brasil Popular, Luis Inacio Lula da Silva. E que defendesse seus interesses, que via sob ameaça se o Brasil, de fato, cumprisse as promessas democratizantes da Constituição recém promulgada. 
 
A eleição de 1989 pode ser considerada o marco inicial da crise vivida, hoje, pelo país. Aquela eleição foi vencida por Fernando Collor de Mello, favorecido pelas manipulações da Rede Globo e pelo temor dos setores reacionários e direitistas da elite e seu medo de um governo que, supunham, seria “socialista”. Collor deu início à implantação do projeto neoliberal no Brasil; ele durou pouco na presidência, tendo sido afastado pelo impeachment de 1992. Foi substituído pelo vice, Itamar Franco, cujo governo – de tendência nacionalista – enfrentou forte e grotesca campanha oposicionista da direita, que só se aplacou após a nomeação de Fernanco Henrique Cardoso para o ministério da Fazenda. 
 
Na esteira da campanha do Fora Collor e seu clamor moralizante, FHC foi eleito para a presidência em 1994. Navegou na fama de moralidade, que seria desfeita por suas ações à frente da presidência da República. Em seus dois mandatos (ele conseguiu, à custa da compra de deputados federais, impor a reeleição do presidente da república), Fernando Henrique implantou o projeto neoliberal com pesadas consequências negativas para o povo e os trabalhadores, cujos direitos sociais e trabalhistas foram crescentemente reduzidos, o salário aviltado e o povo empobrecido. Ao mesmo tempo fragilizou o estado brasileiro e acentuou a subordinação do Brasil às potências imperialistas, levando mesmo à humilhação nacional quando o ministro de Relações Exteriores, Celso Lafer, foi obrigado a tirar seus sapatos durante uma revista policial ao chegar em um aeroporto nos EUA, para onde fora, como representante oficial brasileiro, para apoiar o esforço norte-americano de combate ao terrorismo depois do ataque às Torres Gêmeas, em Nova Uork, em 2001.
 
A gravidade da situação brasileira – aparelho de estado praticamente destruído; empresas estatais privatizadas a preço vil, como a Vale do Rio Doce; salários aviltados; desemprego; baixo crescimento da economia; empobrecimento generalizado; moeda do país e Forças Armadas fragilizadas, humilhação nacional no exterior – foi o pano de fundo da eleição de Luís Inácio Lula da Silva em 2002. 
 
Desde então foram 13 anos de mandatos presidenciais de recuperação do orgulho nacional, de crescimento econômico que permitiu a retirada de quase 40 milhões de brasileiros, da linha de pobreza e sua incorporação ao mercado interno. 
 
Nestes 13 anos começaram a ser criadas as condições para o país se reconciliar-se consigo próprio. A linha da pobreza extrema começou a ser superada, o informal apartheid social começou a ser superado e os mais pobres e de pele mais escura – sempre relegados às funções mais humildes, às posições atribuídas a eles pela aviltante linha da cor do racismo brasileiro – puderam enxergar horizontres melhores. 
 
As sucessões presidenciais sempre foram momentos de crise aberta no Brasil, e a atual não é diferente das outras. Outra vez seus ingredientes estão colocados. A mesma elite reacionária, que domina o cenário nacional desde o final do período colonial, no século XVIII, move-se novamente contra um governo que encara como ameaçador a seus interesses e privilégios inaceitáveis. 
 
O movimento pela deposição ilegal da presidenta Dilma Rousseff mal disfarça esse nefasto pedigree histórico. A crise de hoje repete, em outra escala e período histórico, a mesma defesa do atraso, do subdesenvolvimento e de seus privilégios imorais que sempre moveu a elite reacionária em suas s ações ilegais ao longo da história brasileira. O golpe contra Dilma tem o mesmo sentido de defesa daqueles interesses e privilégios imorais e, por isso, precisa ser derrotado. E será!