Brasil e Paraguai: Déjà vu assustador

Tarde de 22 de junho de 2012. Estúdios da TV Pública no Paraguai. Aconteceu de eu estar como chefe de estúdio quando se concluiu o circense "julgamento político" contra o governo de Fernando Lugo. Lembro que a maioria dos trabalhadores do canal nos sentimos derrotados, com uma mistura de cansaço e frustração. Sabíamos que era um golpe. Conhecíamos as ambições daqueles que estavam por trás.

Por Marcelo Martinessi*, especial para o Portal Vermelho

Golpe no Brasil e no Pargauai

Não queríamos nem imaginar o que aconteceria com aquela televisão que procuramos construir como um espaço genuinamente cidadão, em um país onde a informação era – e segue sendo – patrimônio de 2 ou 3 famílias e seus grupos empresariais.

Recordo que alguns minutos depois de terminado o julgamento, chegava de Brasília uma informação clara e de esperança: "Dilma Rousseff afirma que no Paraguai há um golpe parlamentar". Foi a primeira chefe de Estado a fazer uma declaração tão contundente. Depois, continuaram chegando de dentro e de fora do país, centenas de testemunhos contra o golpe. Comoveu-me ver que, no meio de tanta incerteza, a maioria dos companheiros e companheiras da TV não se deixaram abater. Começamos uma resistência de vários dias, uma resistência informativa. Queríamos mostrar que havia outro país além do que estavam narrando os meios de comunicação comerciais. E mesmo que o golpe tenha sido irreversível, creio que esse ato heroico de milhares de cidadãs e cidadãos, que fizeram seu o "microfone aberto", deixou uma forte marca na história midiática do país.

Hoje, quatro anos mais tarde, observo – quase incrédulo – os planos golpistas de um grupo de políticos brasileiros de reputação duvidosa. Planos tramados em plena luz do dia. E eu sinto um “déjà vu” assustador.

O golpe parlamentar no Paraguai não foi simplesmente uma mudança de autoridades governamentais. Foi uma mudança de modelo de país. Aqui, o mais terrível não teve a ver com as pessoas que se foram ou as que vieram. Este golpe significou o desaparecimento total do projeto em que os cidadãos votaram nas urnas. Foi assim que se quebrou o "contrato social" e se destroçou um processo de transição democrática que tinha levado mais de 20 anos.

As conquistas sociais alcançadas pelo povo paraguaio, incluída a saúde gratuita, ficaram “no ar”. E abriu-se passagem para o regresso dos de sempre. Voltaram com maior voracidade, com fome de vingança. Trouxeram as mãos cheias de sementes transgênicas, de projetos de privatização, de ideias brilhantes para endividar o país, de genialidades como um desenho tributário que aponta para aumentar ainda mais as brechas sociais.

Este é o Paraguai de hoje. Aqui, o rico paga 1% de imposto e o pobre 10%. Mas a mídia não analisa essa desigualdade obscena. Hoje, já faz mais de uma semana que milhares de compatriotas ocupam as praças do Congresso com reivindicações justas. Mas os meios de comunicação não estão lá. Esse é o Paraguai invisível. O desaparecimento do espírito cidadão na mídia pública (se é que ainda podemos chamá-la assim) e o mínimo alcance dos meios de comunicação alternativos mostram uma face desta invisibilidade. A outra face a mostram as grandes estruturas de informação privatizadas. Empresas com jornalistas – mercadores de notícias –  (com honrosas exceções) a quem não só se paga pelo que dizem, mas também, e mais que tudo, pelo que calam.

As experiências recentes da América Latina nos ensinam o papel chave da informação na construção (ou destruição) do poder político. O mapa da propriedade da mídia no Brasil não é muito diferente daquele do Paraguai. Pergunto-me se Dilma Rousseff tinha isso em mente quando falou de um "golpe à paraguaia".

*Marcelo Martinessi é paraguaio, diretor de cinema e ex-diretor da TV Pública do Paraguai. 

No momento em que se consolidava o golpe no seu país, Marcelo, cercado da equipe da TV Pública – que comendava à época – gravou o comunicado publicado abaixo. Contra o ataque à democracia, a televisão manteve no ar, logo após a saída de Fernando Lugo, o programa Microfone Aberto, de ampla participação popular, que se converteu em uma trincheira de resistência. Um instrumento para romper com o cerco midiático naquele momento.