Prisão preventiva para obter delação premiada é tortura, diz jurista

O jurista Marcio Sotelo Felippe disse nesta quarta-feira (6), durante ato em defesa da democracia na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), da Universidade de São Paulo (USP), que o juiz Sérgio Moro "suspende o Direito ao seu bel-prazer e o país assiste a isso impassivelmente”.

Alfredo Bosi e Marilena Chauí

Para Felippe, trata-se de uma forma de dominar pelo fascismo e, nesse sentido, Moro é um torturador. “Ele investiga sob tortura, põe a pessoa na cadeia até o momento em que ela resolve fazer uma delação. Que outra coisa é isso, senão uma forma de tortura?”, indagou. “O confronto não permite tergiversação, temos de ir para o confronto, há uma luta que temos de enfrentar intransigentemente”. O evento também marcou o lançamento de uma carta aberta dos acadêmicos brasileiros para a comunidade científica internacional.

Felippe afirmou ainda que Moro é um “discípulo inconsciente do jurista alemão Carl Schmitt (1888-1985), que era considerado teórico da “antinormatividade” – Schmitt defendia que o Direito passa pela decisão de “aplicar as normas ou não”, estabelecendo o Estado de exceção ao suspender essas normas. Ele considerou que a defesa do mandato da presidenta Dilma Rousseff e da legalidade é uma tarefa imediata no momento. “Mas além disso há uma luta mais ampla que é a luta contra o fascismo. Esse é o bom combate de ser travado neste momento.”

Segundo o professor, o termo “fascismo” é usado como xingamento, mas há uma concepção clássica, que é o seu surgimento nos anos 1930, como resposta conservadora à revolução bolchevique na Rússia. “Os bolcheviques aboliram a propriedade privada, e a proposta da reação foi o fascismo, uma força de dominação sobre a consciência das pessoas, com a eliminação do que é diferente”, observou. “Tudo que estivesse fora da ordem social burguesa era tratado como mal, como um vírus, uma bactéria que teria de ser eliminada.”

Para Felippe, o fascismo é alimentado pelo ódio, “é a lei e ordem da burguesia branca, estamos vendo esse processo hoje”. Ele lembrou que as manifestações contra o governo têm enfatizado que a esquerda é o mal, que o petismo é uma "doença" que tem de ser eliminada: “Isso é o que meteram na cabeça dessa classe média”.

Ação articulada

O professor de Política Internacional Reginaldo Nasser disse que a ideia de que a crise é exclusivamente brasileira está perdendo força. Ele afirmou também que a crise política é alimentada por uma ação articulada de direita, mais forte do que nos Estados Unidos, “como se todos estivessem alimentando o Tea Party” – ala conservadora radical do Partido Republicano. Para Nasser, o episódio da divulgação das gravações de conversas de autoridades do governo, como a entre a presidenta Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, significa que foi ultrapassado um limite pelos meios de comunicação, em ação articulada com a Polícia Federal e o Judiciário.

“Na semana passada, houve o sucesso da manifestação da Praça da Sé, e no dia seguinte ressuscitaram o caso Celso Daniel”, disse. “É um processo em que os agentes do golpe têm aparecido de forma muito clara. Apesar disso, meu otimismo vem principalmente com a mobilização das ruas, tanto que a ideia do impeachment seguido de governo com Michel Temer acabou em uma semana”, acrescentou, referindo-se aos ataques contra o vice-presidente, cujo compromisso econômico por meio do programa Ponte para o Futuro tem sido duramente criticado por adotar ideário neoliberal.

O professor de Literatura e membro da Academia Brasileira de Letras (ABL) Alfredo Bosi disse que a Carta Aberta à Comunidade Acadêmica Internacional tem significado ético e mantém a unidade em torno de valores democráticos. E afirmou que é preciso divulgar esse documento junto aos poderes Legislativo e Judiciário. “É preciso que o manifesto ecoe em outros ambientes que não só o acadêmico”, destacou. “Sei que na Câmara há uma surdez, mas é necessário que esses argumentos sejam repetidos com ampla difusão, já que a mídia nos sabota”, disse em referência ao noticiário da grande mídia em permanente campanha pelo impeachment.

Bosi criticou a atuação dos que querem subverter os resultados das urnas de 2014. E defendeu os blocos do Mercosul e dos Brics (bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), “que representam uma pedra no sapato do imperialismo internacional”. Ele disse que a ação desses países ainda tem potencial de promover mudanças. “As coisas ainda não estão acontecendo, mas seria muito oportuno.”

Monopólio

A professora de filosofia da USP e fundadora do PT Marilena Chaui falou sobre a importância de o manifesto ser endereçado à comunidade acadêmica internacional diante da falta de informação sobre a crise brasileira, que também existe no exterior. “O monopólio das comunicações manda para o exterior somente a notícia a seu modo e recebemos de franceses, ingleses e alemães muitas perguntas”, disse.

Entre as preocupações que a crise traz à tona, Marilena citou a “desinstitucionalização da República, por uma corja de procuradores e juízes que toma para si a potência para acuar o Legislativo e o Executivo – há um perigo nesse processo”. Como segunda preocupação, Marilena destacou a desinstitucionalização da democracia, referindo-se aos ataques à Constituição, sobretudo no que é representado por conquistas dos movimentos sociais e partidos de esquerda. “Essa corja de procuradores e juízes, mais o STF e o Parlamento, pisotearam a Constituição e querem impor a pauta do boi, da Bíblia e da bala”, afirmou, lembrando as bancadas conservadoras da Câmara, que defendem novas formas de repressão e põem a democracia em perigo.

“Com todos os erros, equívocos, limitações e críticas aos governos Lula e Dilma, eles têm uma ação que tem respeito à polarização entre o privilégio e a carência. O que falta no Brasil é o campo dos direitos frente a essa polarização”, disse a professora. Ela considerou também que “tudo isso não pode ofuscar o foco desse governo, que é a ideia da instituição dos direitos”. Para Marilena, o golpe tem entre suas causas a atuação das chamadas sete irmãs, as principais empresas petroleiras do mundo, “que querem o pré-sal”. “A primeira causa do golpe é roubar o que é esteio da nossa soberania econômica.”

Marilena também vê entre as causas do golpe questões de vaidade e ambição de setores da classe média, representadas sobretudo pelo senador Aécio Neves (PSDB-MG), a quem chamou de “moleque que quer ser presidente”, e a forma com que a mídia divulga a informação. Ela também refutou a identidade da classe média com os setores dominantes, o que tem marcado as manifestações contra o governo. “A classe média é besta, porque nunca vai ser classe dominante, pois não é a quantidade de dinheiro que define isso, mas a apropriação dos meios de produção. E as classes dominantes não estão nas manifestações contra o governo.”

O filósofo e professor emérito da USP Ruy Fausto afirmou que o momento é de confronto, mas que é preciso tomar cuidado com a retórica, com o argumento que não tenha rigor. “O momento é de reflexão”, disse. “Há uma crise mundial das esquerdas, e no Brasil é preciso uma refundação da esquerda”.

O professor refutou os modelos totalitários de poder, que segundo ele são velhos e já morreram. Ele também criticou o modelo do PSDB na política e alvejou o modelo que considera populista dos governos do PT, por conta de não atacar apropriadamente o problema da corrupção. “O PT tem a ver com isso, não vou negar os seus ganhos, mas se as razões para derrubar Dilma são falsas, a corrupção existiu mesmo, não vamos fechar os olhos. A direita usa tudo isso. Quando houve o mensalão, eu já dizia que tinha de limpar o PT e ficou por aí, fui criticado”, lembrou.

Fausto afirmou que dentro da classe média existem segmentos progressistas, que precisam se aproximar dos debates, atacou a reputação e a legitimidade de Michel Temer e Eduardo Cunha para articular o golpe e defendeu que a luta política do campo progressista se dê com uma linguagem clara. Ele disse ainda que o programa econômico do governo deveria avançar logo no projeto de uma reforma fiscal. O problema da estrutura tributária no país é que o imposto sobre consumo é alto demais, e incide sobre todos, sem distinção. Segundo o professor, é preciso pensar em um programa de sonegação, assim como alíquotas novas para o Imposto de Renda, refletindo mais justiça fiscal.