Julieta Palmeira: Na mulher histeria, no homem dom da fúria.

Uma postagem por Vicente Neto em um grupo de rede social que participo da Bahia, reportada nesse título, sucintamente traduz o combate ao machismo e ao “gaslighting”, essa tão naturalizada forma de machismo, insidiosa e muitas vezes eficiente.

Dilma baiana - Foto: Roberto Stuckert Filho/PR

A foto da presidenta Dilma Rousseff e a matéria publicadas por uma revista semanal, no dia 2 de abril, estão incluídas vergonhosamente no pior tipo de jornalismo e foram prontamente combatidas nas redes sociais. Tornou-se evidente a intenção desqualificar Dilma Rousseff, com o objetivo politico de alimentar a campanha golpista do impedimento da presidenta exercer o mandato para o qual foi eleita, sem justificativa prevista na Constituição. Amplamente também foram caracterizadas de machismo.

A caracterização não é gratuita. Ela desnuda uma forma de machismo que muitas vezes passa desapercebida, até mesmo por pessoas que se dizem não machistas e nem sempre acontece de forma tão rude. Originalmente o termo gaslighting parece se reportar à peça GasLight que se transformou em filme na década de 40 (no Brasil, À Meia Luz ) e retrata a tentativa do marido de culpar a mulher e, sobretudo, de convencê-la, ainda que sendo vítima, de que é culpada. O termo se generalizou e, atualmente, é considerado como referência a um tipo de violência com manipulação psicológica que tenta levar uma determinada mulher e também todos ao seu redor a considerar que ela esta fora da realidade. Essa violência nem sempre tem sucesso e é tão planejada, mas a depender das circunstâncias pode estar contida em expressões tipo ‘Você está louca’, ‘Não dá pra falar com você desse jeito’, ‘Isso não aconteceu, você está inventando’.

Para além da esfera interpessoal que se refere à violência psicológica, esta a manipulação da mídia e na reprodução de estereótipos com base na discriminação da mulher. No caso, a revista estampa uma foto tentando ressaltar descontrole emocional, “As explosões nervosas”, da presidenta com o objetivo de desmerecê-la pessoalmente e passando a idéia que ela não é confiável para o cargo que ocupa. Uma outra capa de revista semanal por exemplo, citada nas redes sociais, retratou o jogador Dunga, criticado por comportamentos explosivos e a manchete foi “O Dom da Fúria. O que nos faz perder o controle”. Nítida a diferença.

Como se vê não é somente manipulação da informação no geral, tem a ver com machismo. Na mesma linha, não é raro, mulheres que participam da politica, que tem opinião, que estão em espaços de decisão na sociedade, que concorrem a cargos eletivos são frequentemente caracterizadas como de “personalidade forte”, “mal amadas”, “solitárias”. Estereótipos que muitas vezes levam as mulheres a uma defensiva para se incluir nos espaços a que têm direito.

Acabei de ler o livro a Rainha Ginga, de Aqualusa. Numa passagem nos idos de 1600, numa visita da rainha africana à Luanda como embaixadora da paz, o seu anfitrião comenta sobre ela que “a inteligência quando manifesta numa mulher, e para mais numa mulher de cor preta, de tão inaudita, deveria ser considerada inspiração do maligno e , portanto, matéria de competência do Santo Ofício”. Não estamos em 1600 na África e nem se trata de vitimização. O machismo permanece entranhado na nossa sociedade, ainda que grandes conquistas foram obtidas. Sua superação é um avanço civilizacional.
A mídia como difusora e produtora de cultura permanece reproduzindo a discriminação das mulheres. Temos um longo caminho para se alcançar a equidade de gênero. Um das ações é democratizar a mídia e combater estereótipos que tentam desqualificar as mulheres, além de também tornar invisíveis protagonismos de mulheres estupendas. E são muitas em nosso país.

Julieta Palmeira é integrante do Conselho Estadual de Comunicação do Estado da Bahia