Moro admite ilegalidade na divulgação de grampo, mas chama de equívoco

Em resposta ao Supremo Tribunal Federal (STF) encaminhada nesta terça-feira (29), o juiz Sérgio Moro admitiu que não deveria ter autorizado a divulgação de escutas telefônicas entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a presidenta Dilma Rousseff, mas chamou o atropelo à Constituição de “equívoco”.

Por Dayane Santos

Moro

Com uma dose cavalar de cinismo, Moro disse que não teve intenção de provocar polêmicas, conflitos ou constrangimentos. “O levantamento do sigilo não teve por objetivo gerar fato político-partidário, polêmicas ou conflitos, algo estranho à função jurisdicional, mas, atendendo o requerimento do MPF, dar publicidade ao processo e especialmente a condutas relevantes do ponto de vista jurídico e criminal do investigado ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que podem eventualmente caracterizar obstrução à Justiça ou tentativas de obstrução à Justiça”, justificou Moro.

Moro enviou as explicações a pedido do ministro Teori Zavascki, responsável pelo processo da Lava Jato no STF, após a decisão que determinou a suspensão das investigações da Operação Lava Jato que envolvem Lula e envio dos processos ao Supremo.

Moro ainda pediu “respeitosas escusas” ao Supremo Tribunal Federal pelo que chamou de polêmica gerada com a divulgação do grampo feito contra a presidenta Dilma e Lula. Mas tenta justificar o fato de ter atropelado o STF, que é o foro competente, dizendo que os fins justificaram os meios, pois os diálogos revelaram uma tentativa de obstruir a Justiça.

“Diante da controvérsia decorrente do levantamento do sigilo e da r. decisão de V.Ex.ª, compreendo que o entendimento então adotado possa ser considerado incorreto, ou mesmo sendo correto, possa ter trazido polêmicas e constrangimentos desnecessários. Jamais foi a intenção desse julgador, ao proferir a aludida decisão de 16/03, provocar tais efeitos e, por eles, solicito desde logo respeitosas escusas a este Egrégio Supremo Tribunal Federal”, escreveu.

O que Moro chama de “entendimento” e “equívoco” foi de fato uma decisão política. O foro competente para qualquer presidente da República é o Supremo Tribunal Federal. E ele, como juiz, e qualquer estudante de Direito sabe disso (não adianta colocar a culpa no estagiário).

Equívoco seria se tal decisão fosse emitida por um cidadão sem nenhum conhecimento jurídico. Mas um juiz, que para ingressar na magistratura tem que ter diploma de bacharel em Direito, sólido conhecimento das matérias jurídicas para realizar as provas escrita e oral, que apresentam um elevado grau de dificuldade, além de uma prazo mínimo de atividade jurídica de três anos, não se pode atribuir essa conduta numa questão tão elementar.

Tanto é que renomados juristas classificaram a ação como crime passível de prisão. Essa é a avaliação do professor titular de Direito Penal da USP, Sérgio Salomão Shecaira. “O sigilo ser quebrado pelo próprio juiz, invocando o interesse da nação – e não é ele que interpreta os interesses da nação, pois nem foi eleito pelo povo – significa que ele cometeu um crime e isso tem que ser levado às barras dos tribunais.”

Shecaira destacou trecho do artigo que o juiz Sérgio Moro escreveu sobre a Operação Mãos Limpas, da Itália, no qual ele ressalta que os responsáveis pelas investigações fizeram largo uso de vazamentos para imprensa.

“Então ele [Moro] já sabia qual era o caminho: ele dá uma decisão e vaza para a imprensa simpatizante, das seis famílias que dominam a mídia… E hoje um golpe está em curso no país”, enfatizou.

Em sua explicação, no entanto, Moro disse ainda que o “propósito não foi politico-partidário, mas sim, além do cumprimento das normas constitucionais da publicidade dos processos e da atividade da Administração Públicas (art. 5º, LX, art. 37, caput, e art. 93, IX, da Constituição Federal), prevenir obstruções ao funcionamento da Justiça e à integridade do sistema judicial frente a interferências indevidas”.

Enquanto diz nos despachos que suas ações não são políticas-partidárias, Moro mantém o discurso que o levou a grampear a presidenta Dilma em suas palestras. Durante palestra no Ministério Público Federal (MPF) em São Paulo, nesta terça-feira (29), ele afirmou que a Justiça não é capaz de, sozinha, combater a corrupção no país, e pediu que a sociedade civil se mobilize.

Fazendo pose de juiz imparcial que só fala nos autos, Moro não permitiu que sua fala fosse gravada pela imprensa, não deu entrevista e não comentou seu pedido de desculpas sobre o grampo. Mas voltou a falar sobre o seu livro de cabeceira: o processo Mãos Limpas, da Itália.

“O problema do Mãos Limpas, na Itália, não ter cumprido o que dela se esperava, no sentido de melhorar as instituições, é que houve uma reação política e a democracia italiana não foi forte suficiente para prevenir essa reação política”, disse, ressalvando que não há estatísticas confiáveis para se atestar o aumento ou a diminuição da corrupção na Itália após a operação, nos anos 1990.

Segundo ele, “a Justiça tem um papel relevante – [de] identificar fatos criminais e estabelecer a culpa a partir de provas”, mas isso não consegue resolver o problema. A tese – e conduta – de Moro é utilizar a imprensa e a opinião pública para, sem provas, fazer o linchamento midiático de forma seletiva não para combater à corrupção, mas na defesa de interesses da direita conservadora.