Homenagem a Thiago de Mello: em meio ao pandemônio, a poesia prevalece

O Brasil vive uma de suas mais graves crises políticas dos últimos tempos. A oposição tenta, a qualquer custo, embasar argumentos para o impeachment da presidenta Dilma Rousseff. No entanto, em meio a este pandemônio, é possível parar e respirar quando o assunto é a poesia de Thiago de Mello, o poeta que permanece convicto em seus princípios e, aos 90 anos, mantém uma lucidez impressionante.

Por Mariana Serafini

Homenagem ao Thiago de Mello - Mariana Serafini

A Fundação Maurício Grabois, em parceria com a prefeitura de São Paulo, e uma série de instituições, entre elas a UNE, a CTB, e o Portal Vermelho, promoveu um evento, nesta terça-feira (15), em homenagem aos 90 anos do poeta que eternizou a resistência, a natureza e a vida humana. A comemoração do aniversário de Thiago de Mello foi uma ode à palavra.

A celebração da poesia aconteceu no palco da Biblioteca Mário de Andrade – na capital paulista –, que dá nome também à mais alta honraria da União Brasileira de Escritores, concedida ao poeta Thiago de Mello, pelas mãos do vice-presidente na instituição, Ricardo Ramos, na noite desta terça-feira.

O evento contou com a participação de poetas, intelectuais, autoridades políticas e amantes da poesia. Entre eles, a vice-prefeita Nádia Campeão; o secretário municipal de Direitos Humanos, Eduardo Suplicy; o vereador do PCdoB, Jamil Murad, além do presidente da Fundação Maurício Grabois, Adalberto Monteiro; as presidentas da UNE e da Ubes, Carina Vitral e Camila Lanes, respectivamente.


Adalberto Monteiro, presidente da Fundação Maurício Grabois 


Jamil aproveitou a ocasião para anunciar a entrega do título de Cidadão Paulistano a Thiago de Mello. Uma homenagem da cidade de São Paulo ao poeta amazonense. “Na minha juventude eu comprei muitos dos seus livros para presentear amigos e nunca imaginei que um dia nós estaríamos juntos aqui. A poesia, a sua obra, por si só, ela honra o povo brasileiro. Mas quis o destino que você fosse um poeta completo, capaz e entrelaçar o sentimento do povo com a vida. Você se sensibilizou com as crianças que passavam fome, isso para a sociedade brasileira que é tão desigual é fundamental para os que sonham com um mundo mais igual e mais humano”, afirmou.

O vereador destacou ainda que Thiago de Mello, no alto de seus 90 anos, permanece convicto e “contraria a tese dos conservadores” de que ser progressista é algo da juventude. “Com 90 anos você mantém a coerência sendo uma referência para o povo brasileiro e para os povos do mundo”.


Os estudantes representnates das entidades estudantis homenageram o poeta 


A poesia de Thiago de Mello inspirou a juventude brasileira e foi uma luz nos porões da resistência onde se refugiaram os que lutaram contra os anos de chumbo. Quem exemplificou com propriedade este período foi Pasquale Cipro Neto, o Professor Pasquale. “Quando eu era estudante na Universidade de São Paulo, perseguido pela ‘dita’ – vamos até bater aqui na madeira – [e largou o microfone para dar três batidinhas com punho cerrado no piano de calda que estava no palco] nós procurávamos luzes, e tu, poeta, foste uma luz para nós. Tu não imaginas o efeito do Faz escuro mas eu canto [um dos poemas mais famosos de Thiago de Mello]. E não imaginas o efeito da última estrofe dos teus Estatutos [do homem], quando tu falas da proibição da palavra liberdade”.

Com olhos mareados e a voz um pouco abafada, Pasquale fez questão de seguir assim mesmo a leitura da poesia Faz escuro mas eu canto, e justificou: “Ainda bem que isso aqui não é televisão, se fosse na televisão iriam me fazer gravar cinco vezes até minha voz ficar limpinha. A televisão é uma mentira”.


O pianista Lucas Coimbra foi um dos artistas que homenageram o poeta
 

A homenagem a Thiago de Mello foi feita em forma de sarau com diversos músicos, poetas e atores que cantaram e interpretaram. A curadoria ficou por conta da poeta Fernanda de Almeida Prado, do Sarau Chama Poética.

Para encerrar a noite com chave de ouro, o filho do poeta, também Thiago, subiu ao palco e “musicou” duas poesias do pai. Por fim, fez o convite: “você não quer vir aqui e cantar aquela do Manduka comigo, não?” [referência a uma canção do irmão cantor e compositor que morreu em 2004].

E o poeta que saiu do interior do Amazonas, de Barreirinhas, para encantar o mundo, subiu ao palco com seus 90 anos e olhos de menino para fazer todos que estavam na festa chorar de emoção. “Com a dor dos deserdados e com o sonho escuro da criança que dorme com fome eu aprendi que o mundo não é só meu, mas aprendi que o que importa é trabalhar no que se pode mudar, cada um na sua vez, cada um no seu lugar”, afirmou o poeta.

A noite de Thiago de Mello emocionou, alegrou, e permitiu um momento de respiro, em meio ao caos político. “Me despeço para permanecer”, encerrou.