Armando Boito: É um golpe branco e não será indolor

Para o professor de Ciência Política Armando Boito, o combate à corrupção – que, em teoria, mobilizou milhares de pessoas no domingo (13) – é utilizado pela oposição, de forma seletiva, para substituir seu programa real, bem menos popular. Segundo ele, a crise econômica, “as revelações e invenções” da Lava Jato e a atuação de uma “mídia militante” têm insuflado a população a se manifestar contra o governo e o PT. Ele alerta para os riscos de uma investida golpista, que, avalia, não será indolor.

Armando Boito

Por Joana Rozowykwiat

Em entrevista ao Portal Vermelho, Armando Boito destaca, entre os motivos que levaram as pessoas às ruas neste domingo, o agravamento da crise econômica, que impacta na vida das pessoas, gerando insatisfação. Mas enumera ainda dois fatores que ajudam na mobilização em torno do discurso do combate à corrupção.

“Tem também o comportamento cada vez mais ousado da Lava Jato, nas suas revelações, nas invenções e nos abusos. E, finalmente, há a militância da mídia. Porque é mesmo uma coisa muito militante [a atuação dos veículos de comunicação]”, critica.

Segundo ele, há invenções que a própria mídia trata de converter em verdade. “São invenções que, às vezes, duram 24 horas, como essa coisa de que o Delcídio denunciou corrupção da Dilma na campanha de 2004. No dia seguinte, Delcídio emitiu nota desmentindo. Mas já virou verdade, porque foi capa da IstoÉ”, cita.

Para Boito, a cobertura que a grande mídia fez dos protestos deste domingo é outro exemplo dessa atitude partidária. “Fizeram as manifestações na parte da manhã no Rio, em Belém, etc. Tudo era, na verdade, um esquenta para a Avenida Paulista. A mídia ficou de manhã, no fundo, cobrindo e convocando para a Avenida Paulista. Então tem uma atitude militante da mídia.” 

Sobre o perfil dos militantes que foram às ruas, Boito avalia que se trata de um pessoal de direita, oriundo de famílias abastadas, fundamentalmente da alta classe média e da burguesia. “Esses são os que estão mobilizados. Agora tem uma grande parte da população que está sensibilizada pelas denúncias e invenções sobre corrupção. Esse pessoal não é militante, mas está neutralizado ou atraído por essa propaganda”, avalia.

“Corrupção” esconde real programa da direita

Boito lembra que o tema da corrupção vez ou outra volta à cena. “O discurso da corrupção é tradicional na história política brasileira. Evocou-se a corrupção em 1954 e, depois, em 1964. Em 1992, a corrupção foi evocada mais uma vez, mas já com um conteúdo de uma insatisfação com as medidas neoliberais de Collor, então foi diferente. Mas a corrupção tem sido uma espécie de programa retórico que substitui o programa real”, aponta o professor.

Para ele, a oposição tem dificuldades em expor seu verdadeiro projeto para o Brasil, pelo caráter impopular de seu conteúdo. “Ela tem dificuldade de falar o que pretende fazer com a Petrobras, com o pré-sal, com a campanha política de conteúdo nacional, com a política externa. Até fala isso em artigos no Estadão, porque é para um público menor. Mas falar nas ruas é diferente”, diz.

Nos tais artigos a que Boito se refere – e também na pauta defendida pela oposição no Congresso –, está claro que os adversários à direita da presidenta Dilma Rousseff pretendem resgatar o projeto neoliberal que vigorou no país nos anos 1990. Propõem desde a flexibilização de direitos trabalhistas e o fim das vinculações orçamentárias para a área de saúde e da educação, até retirar da Petrobras a prioridade na exploração do pré-sal e abrir as portas das estatais para a privatização.

Como é difícil arregimentar adeptos para tal plataforma, nas ruas, a oposição recorre ao tema do combate à corrupção, que tem impacto popular. “E, com o discurso da corrupção, eles neutralizaram ou atraíram setores populares para a campanha golpista. Hoje tem setores populares que estão neutralizados diante dessa campanha ou foram atraídos para ela por causa do discurso da corrupção, que é o discurso ao qual recorrem as minorias que não podem expor seus verdadeiros programas”, afirma.

O pior, no entanto, é que a retórica da moralidade é apenas isso: retórica. “E claro que não podemos acreditar nesse discurso, à medida que ele é seletivo. Se eu falo que luto pela corrupção, mas só luto contra a corrupção de um lado, então não é contra a corrupção que eu estou lutando. E é isso que está acontecendo no Brasil”, aponta.

Afinal, muitos daqueles que se esforçam para criminalizar o PT estão envolvidos em escândalos de corrupção – alguns denunciados no âmbito da própria Operação Lava Jato. Mas, se processos contra o PT são alardeados na imprensa como se tivessem já sido julgados e avançam em ritmo acelerado, o mesmo não se pode dizer das denúncias de irregularidades que envolvem, por exemplo, tucanos de alta plumagem, que ou são arquivadas, ou suas apurações se arrastam por anos a fio.

O fato parece ter chamado a atenção de alguns dos manifestantes que foram às ruas neste domingo. Eles receberam o senador Aécio Neves e o governador Geraldo Alckmin com vaias e gritos de “fora corruptos” e questionaram, em cartazes, porque o juiz Sérgio Moro, da Lava Jato, não investiga os tucanos.

O golpismo que ninguém sabe onde vai dar

O cientista político não hesita em classificar a ofensiva contra o mandato da presidenta Dilma como um golpe. Ele lembra que, desde a vitória da petista nas eleições de 2014, a oposição busca pretextos para retirá-la do cargo. Primeiro, questionando o resultado das eleições, depois, alegando defeitos na prestação de contas da campanha, em seguida, veio o argumento das tais pedaladas fiscais.

“Agora reabriram o processo da campanha de 2014. Então são sucessivos e distintos motivos, com um único objetivo, que é depor a Dilma. A única coisa que há de verdade é isso. O resto é pretexto. Então, não merece credibilidade. Eles querem é anular o resultado eleitoral de 2014. É um golpe branco, como foi o do [ex-presidente Fernando] Lugo no Paraguai”, compara.

O professor alerta para os riscos que podem vir dessa estratégia da direita, que passa por cima da Constituição. Para ele, essa investida pode ter consequências imprevisíveis até para a oposição.
“Com o golpe, eles não querem uma ditadura, querem uma nova eleição – ou o Aécio, ou [Michel] Temer; enfim, aí varia. Mas uma coisa é o que eles planejam, o que eles querem ou desejam. Outra coisa vai ser o resultado histórico dessa monstruosa agitação que eles estão fazendo e dessa operação arriscada de rasgar a Constituição que eles estão fazendo”, adverte.

Boito lembra que a UDN apoiou o golpe de 1964, com a expectativa de que haveria eleição para presidente em 1966. “O [Carlos] Lacerda era candidatíssimo, se considerava praticamente eleito. Mas não foi como eles esperavam, não combinaram com os militares e os militares ficaram no poder. Lacerda, em 1968, estava na Frente Ampla contra o governo militar. Então as coisas não saem como planejadas”, diz.

Golpe não será indolor

Segundo ele, diferente do cenário em que se deu o impeachment do ex-presidente Fernando Collor, uma investida contra o mandato de Dilma não passará em brancas nuvens. Haverá resistência e a sua repressão pode levar o país a uma situação imprevisível.

“Não vai ser uma operação indolor como foi a substituição do Collor pelo Itamar. E, em não sendo, vai haver atrito e, em havendo atrito, a coisa pode tomar um rumo que eles mesmos não estão imaginando agora”, prevê.

Ele antecipa que, se a oposição insistir em uma deposição da Dilma, vai haver resistência sindical, do MST, dos estudantes e partidos. “Aí você chama a PM para conter. Pode não bastar. Aí você decreta estado de emergência. Quer dizer, a coisa vai complicar muito mais do que eles estão planejando”, opinou.

Para o cientista político, depois das manifestações deste domingo e da convenção partidária do PMDB – em que a sigla sinalizou um afastamento do governo – , a situação do governo Dilma ficou mais complicada, especialmente se a presidenta não tomar medidas que favoreçam uma aproximação com a população trabalhadora.

“Entrou em uma fase mais difícil para o governo, no Congresso e nas ruas. Mas não está definido o jogo”, ponderou, defendendo que é preciso reforçar as atividades que acontecerão nos dias 18 e 31 de março, em defesa da democracia e do mandato da presidenta.