Com críticas à Globo, ato em SP convoca povo às ruas pela democracia

Políticos, jornalistas, advogados e representantes dos movimentos sociais repudiaram, nesta segunda (07), as ameaças à democracia brasileira. Promovido pelo Centro de Estudo da Mídia Alternativa Barão de Itararé, o evento “Globo censura. Em defesa da liberdade de expressão”, em São Paulo, terminou se transformando em um chamado às ruas para barrar a ofensiva da oposição, que tem atropelado as leis na sua cruzada contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o governo e o PT.

Jandira Feghali, em ato no Sindicato dos Jornalistas - Rodrigo Vianna

Primeiro a discursar para uma plateia repleta de formadores de opinião, o deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS) avaliou que o país vive hoje um “momento histórico”, em que se assiste a um avanço conservador. E comparou o cenário de hoje com o que levou ao suicídio de Getúlio Vargas, em 1954, utilizando trecho de discurso feito por Tancredo Neves (confira o vídeo da íntegra do debate no pé da matéria)

“Se trocarmos a expressão ‘setores das forças armadas’, por 'setores da burocracia de Estado', dá para ler o discurso como se fosse hoje. Porque o papel cumprido naquela oportunidade pela República do Galeão, por setores das Forças Armadas, hoje é cumprido por setores do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Polícia Federal, que abandonaram qualquer liturgia das funções e hoje são militantes de uma causa, contra o projeto que representamos nesse país”, criticou.

O evento, que aconteceu na sede do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, a princípio tinha por objetivo rechaçar a tentativa da Rede Globo de censurar blogs e mídias alternativas. A emissora notificou extrajudicialmente blogueiros e jornalistas por publicarem textos sobre um triplex em Paraty (RJ), que teria sido construído de forma irregular em área de proteção ambiental e que pertenceria à família Marinho. Diante das arbitrariedades ocorridas no bojo da Operação Lava Jato nos últimos dias, o ato, que lotou o auditório, incorporou a defesa do Estado Democrático de Direito.

“Globo, principal partido de oposição”

Assim como os demais participantes do evento, Pimenta condenou a condução coercitiva de Lula para depor. Ele defendeu que o principal “partido” de oposição ao governo é a Rede Globo. “Ninguém se mobiliza, ninguém luta contra um inimigo imaginário. A gente não sabe direito quem é o maior adversário. É o Aécio, é o Moro, é Gilmar Mendes, é o PSDB? Não. É a Globo. O elemento pensante principal que articula a grande mídia, forma opinião, é a Globo”, disse, lembrando a cobertura tendenciosa realizada pela emissora a respeito da Operação Lava Jato.

Pimenta ainda alertou para a tentativa da mídia, aliada à oposição, de classificar os militantes do PT como violentos. “Buscam uma narrativa de que os protestos podem ser violentos, porque o PT e a esquerda são violentos. Violentos são eles, que há dois anos colocam o Lula vestido de presidiário na capa da revista, perseguem militantes em restaurantes, agridem dentro de aviões”, afirmou.

O deputado ressaltou que é preciso agir em todas as frentes e com unidade para se contrapor aos que atentam contra a democracia. “Não é hora para tratar das nossas divergências. É hora de unir as esquerdas. Porque isso está muito acima dos partidos. A rua é nossa, não vamos abrir mão do espaço que nós conquistamos”, convocou.

A presidenta da União Nacional dos Estudantes (UNE), Carina Vitral, destacou que a posição da entidade é de independência, mas que, atualmente, não se trata de defender Lula ou Dilma, mas, sim, a própria democracia.

“Independência significa que quando o governo erra, criticamos; quando acerta, apoiamos. Mas nenhuma causa de classe, segmentada, pode colocar em negociação a defesa da democracia. É isso que está em jogo”, discursou. Para ela, Dilma é atacada pela mídia e a oposição, não pelos seus erros, mas por seus acertos, “por mudar a vida do povo, especialmente da juventude”. E conclamou: “O caminho para barrar o golpe e fazer avançar nosso país é rua, rua, rua”.

A bola da vez

A deputada federal Jandira Feghali (PCdoB) reconheceu que foi um erro o fato de os governos de esquerda não terem trabalhado para combater o monopólio nas comunicações. Para ela, está claro que atualmente, travestida de combate à corrupção, o país vivencia, na verdade, uma luta política, que tem como objetivo resgatar o projeto neoliberal.

“Se fosse uma questão de ética, de corrupção… Sinceramente! O governo FHC foi o mais corrupto da República brasileira. Foi o governo que vendeu este país por alguns tostões. Quantos enriqueceram ali? A própria reeleição teve denúncia de todo jeito. Os escândalos não investigados vão de Pasta Rosa à privatização da Vale. Se essa fosse a preocupação, a investigação estaria centralmente lá. Mas lá não vai, porque interessa proteger o projeto que eles representam”, disparou.

Jandira lembrou que a crise política brasileira está relacionada a uma ofensiva mais ampla, que atinge toda a América Latina. E citou a ascensão de Mauricio Macri na Argentina, a derrota de Evo Morales no recente plebiscito na Bolívia, as investidas contra o governo de Rafael Correa no Equador e Nicolás Maduro na Venezuela, e os golpes em Honduras e no Paraguai.

“Nós estamos na bola da vez. E não se enganem. Para impor o projeto deles, tem que reduzir a democracia. Porque depois do que nós já avançamos, só restringindo, para tirar o que a gente conquistou”, declarou. A parlamentar opinou que o cerco ao governo, ao PT e seus aliados não vai diminuir, pelo contrário.

Ela defendeu a necessidade de ampliar as mobilizações para além das militâncias partidárias. Mas ponderou que se deve evitar um confronto de manifestações no próximo domingo, quando está marcado um ato anti-PT, na Avenida Paulista. Diante do discurso que vem sendo construído na mídia, Jandira avaliou que “um confronto será contra nós”. Mas, de acordo com ela, é possível estar na rua de outra forma, em outros espaços. Confira no vídeo abaixo:

“Lobos togados”

Ex-presidente da OAB e coautor do pedido de impeachment do ex-presidente Fernando Collor, Marcelo Lavenère começou sua fala, pedindo desculpas pelo fato de “instrumentos da área jurídica estarem sendo utilizados como nossos algozes”, à medida que algumas pessoas que integram essas instituições “estão violando a Constituição, a democracia e a ordem política”.

Segundo ele, o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Polícia Federal devem agir dentro de suas atribuições, de forma independente, mas sem extrapolar a lei. “Não queremos que ninguém seja linchado, perseguido e não tenha direito de defesa, como parte da PF, do MP e do Judiciário está fazendo agora”, condenou.

Segundo ele, “a pior legalidade é aquela que encapa uma ilegalidade. Nada mais perigoso que práticas ilegais mascaradas como se legais fossem, como acontece agora”. Lavenère defendeu que as investigações têm que acontecer, mas afirmou que não é a favor de que se use o MP, a PF e o Judiciário contra a Constituição e a democracia. “São lobos traiçoeiros vestidos, togados, travestidos de cordeiros, mas que atacam nossas instituições”, criticou.

“Vamos defender o Lula desse ato de arbítrio, desse sequestro, e não é porque gostamos do Lula, é porque gostamos da democracia. Eles estão atacando sua própria integridade jurídica. Hoje é o Lula, amanhã pode ser outra pessoa. Como disse o ministro Marco Aurélio Mello, ‘o chicote pode mudar de mão’”, completou, referindo-se à condução coercitiva do ex-presidente.

Entreguismo

O senador Roberto Requião (PMDB-PR) também defendeu que as prerrogativas constitucionais foram “arrasadas” no episódio da última sexta-feira. E chamou a atenção para movimentações no cenário internacional. Segundo ele, há um ataque ao Estado de Bem-Estar Social no mundo. “É o dinheiro, o capital financeiro que se organiza contra o Estado Social.”

De acordo com ele, nessa disputa, busca-se a precarização do Estado, do Parlamento e do trabalho, que tem se refletido em pautas do Congresso Nacional. Requião citou projetos que defendem um Banco Central independente, que muda as regras para exploração do pré-sal, que abre portas à privatização de estatais e limitam o endividamento do país. “É uma visão entreguista, que deixa ao Brasil uma única saída, que é a globalização e a sua privatização”, condenou.

De acordo com ele, a imprensa tem feito a crítica à Petrobras, não “aos ladrões da Petrobras”, como forma de construir a ideia de que é preciso privatizar a estatal. “O problema não é só o Lula, que é um símbolo das mudanças do país, mas o objetivo que se quer atingir é o fim do Estado brasileiro e da possibilidade de qualquer projeto nacional e soberano”, defendeu.

Segundo Requião, a mídia é um instrumento de amortecimento da consciência nacional e, no atual momento, não é possível esperar que o governo ou o Parlamento tomem a frente na resistência à investida entreguista. Para ele, o caminho deve ser o da pressão popular.

Nova agenda

O também senador Lindberg Farias (PT-RJ) cobrou que a apuração dos crimes de corrupção se estenda a todos. “E [o senador] Aécio Neves (PSDB-MG), que já foi citado por quatro delatores?”, questionou, citando ainda as denúncias contra o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP) feitas pela jornalista Mirian Dutra, que teve um caso com o líder tucano. “Alguém acha que esse modus operandi existia só na Petrobras?”, indagou.

Classificando a condução coercitiva de Lula como um “sequestro”, ele afirmou que o país beira o caminho de um Estado de exceção, diante de vazamentos ilegais, prisões que são “verdadeiras torturas”, delações que só interessam se atingem o PT. “E ladrões delatores que vão para casa cheios de dinheiro, apenas porque delataram o PT”, acrescentou.

O senador ressaltou que a oposição quer aproveitar a fraqueza do governo para render Dilma e impor pautas retrógradas. “Ela não pode se render. Estamos em guerra. Não pode botar em pauta reformas da Previdência e fiscal, que vão contra nossa base. É hora de construir uma outra agenda”, opinou. De acordo com ele, esta pauta deve incluir temas como a tributação dos mais ricos e a democratização da mídia.

Lindberg encerrou sua fala com críticas à ex-senadora Marina Silva (Rede). “Estou por aqui com Marina! Ela nos conhece, sabe que a nossa tradição é de uma esquerda democrática! Ir para a imprensa e falar em milícia do PT? Que vergonha, Marina! As milícias que estão se armando não são do PT, são do Bolsonaro”, condenou, citando que o secretário adjunto do PMDB do Rio Grande do Sul, Daniel Kieling, escreveu em sua conta no Twitter que a “vagabundagem do PT e do MST” merece tomar “bala na cara, cadeia, tiro, porrada e cacete”.

No evento do Barão de Itararé, para uma plateia animada, que entoou palavras de ordem como “Não vai ter golpe”, os participantes foram unânimes em defender a unidade em torno da luta pelo Estado de Direito e a democratização dos meios de comunicação. Na mesma direção dos demais oradores, jornalistas como Fernando Brito (do blog Tijolaço), Paulo Salvador (da Rede Brasil Atual) e Eduardo Guimarães (do Blog da Cidadania) também usaram da palavra para condenar as tentativas de criminalizar o trabalho da mídia alternativa. 

Confira a íntegra do debate: