Lava Jato quer transformar indignação de Lula em resistência a depor

Como o espetáculo midiático da ação contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não surtiu o efeito desejado, o consórcio da direita, que reúne oposição, imprensa e setores do judiciário, lançaram nesta segunda-feira (7) uma nova tese para tentar justificar as violações aos direitos e garantais individuais assegurados pela Constituição.

Por Dayane Santos

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A operação midiática recebeu uma chuva de críticas e manifestações de repúdio por parte de juristas, lideranças políticas nacionais e internacionais e até mesmo de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), por considerarem que a ação foi abusiva e um desrespeito à Constituição. O ministro (STF) Marco Aurélio Mello disse: “Condução coercitiva? O que é isso? Eu não compreendi. Só se conduz coercitivamente, ou, como se dizia antigamente, debaixo de vara, o cidadão de resiste e não comparece para depor. E o Lula não foi intimado”.

Até mesmo o ex-ministro da Justiça no governo do tucano Fernando Henrique Cardoso, José Gregori, considerou a condução coercitiva um “exagero”. “Não conheço na nossa legislação a figura da condução coercitiva sem que tenha havido antes a convocação”, frisou.

Pressionado pelos fatos, o juiz Sérgio Moro divulgou uma nota oficial no sábado (5) em que defende a conduta da força-tarefa contra Lula, mas diz que a medida não significa uma "antecipação de culpa".

"Essas medidas investigatórias visam apenas o esclarecimento da verdade e não significam antecipação de culpa do ex-presidente", diz ele, que ainda afirmou estar muito preocupado com a imagem de Lula.

Moro tenta explicar

Moro disse ainda que lamenta os episódios de manifestações e confrontos ocorridos ao longo de toda a sexta após o ex-presidente Lula ter sido conduzido ao aeroporto de Congonhas, em São Paulo, onde ele prestou depoimento. "Lamenta-se que as diligências tenham levado a pontuais confrontos em manifestação políticas inflamadas, com agressões a inocentes, exatamente o que se pretendia evitar", continua a nota.

No domingo (6), em mais uma clara tentativa de responder a isso, a Globo e demais veículos de comunicação estampam em suas manchetes a informação de que o delegado da Polícia Federal (PF) Luciano Flores, que conduziu o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para prestar depoimento a investigadores da Operação Lava Jato, descreveu a sua versão sobre a operação realizada na sexta-feira (4) ao juiz Sérgio Moro em documento enviado neste domingo (6).

Na descrição, o delegado tenta transformar a indignação de Lula, numa negação à solicitação de depoimento. O delegado diz que ouviu de Lula que só sairia do apartamento algemado e que só aceitou acompanhar os policiais, após ser aconselhado pelo advogado.

Apesar da descrição do próprio delegado reafirmar que não houve resistência, apenas um comentário de quem tem sua resistência ocupada com um mandado de uma investigação sem provas ou indícios factíveis para executar tais procedimentos, o delegado diz que desta forma houve o cumprimento do mandado de condução coercitiva expedido pela Justiça Federal no Paraná.

A medida contraria inclusive a determinação expedida nos mandados de Sérgio Moro que fez constar que a condução coercitiva só deveria ser utilizada caso o ex-presidente se recusasse a acompanhar a PF espontaneamente, o que não aconteceu.

Em pronunciamento feito à imprensa, na sexta após o depoimento, Lula enfatizou que apesar do tratado educado dos policiais a ação coercitiva foi desnecessária. “Eu não me recusei a prestar depoimento as três vezes em Brasília e eu jamais me recusaria a prestar depoimento aqui”, disse. Lula salientou que ele somente pediu a suspensão dos depoimentos em São Paulo, por considerar que a postura do promotor Cássio Cesarino revela um prejulgamento. Cesarino deu entrevistas manifestando a sua opinião sobre o caso a uma revista de circulação nacional antes mesmo de ouvir os depoimentos.

Lula acrescentou: “Hoje, na minha vida, é o dia da indignação. É o dia da falta de respeito democrático, o dia do autoritarismo de pessoas do Judiciário porque seria tão simples ter me convidado para prestar depoimento que eu iria. Se vocês não sabem, esse ano eu já fui prestar depoimentos. Um deles estava de férias e fui até Brasília para prestar depoimento de seis horas para me fazerem as mesmas perguntas que tinham feito antes e as mesmas perguntas que me fizeram hoje”.

Mas as contradições não ficam por ai. De acordo com o próprio delegado, a PF chegou às 6 horas à casa do ex-presidente, em São Bernardo do Campo (SP). O próprio Lula abriu a porta e, segundo Luciano Flores, autorizou “de imediato que os policiais entrassem para cumprir o mandado de busca e apreensão”.

Segurança de ordem pública?

Segundo o relato do delegado, foi solicitado a Lula que eles deixassem o local o mais breve possível para prestar depoimento antes da chegada da imprensa ou de pessoas que pudessem filmar o ato.

“Naquele momento, foi dito por ele [Lula] que não sairia daquele local, a menos que fosse algemado. Disse ainda que se eu quisesse colher as declarações dele, teria de ser ali”, relatou Luciano Flores.

O delegado afirmou que não seria possível fazer a oitiva ali, por questões de segurança, e que havia um local preparado para o ato, no Aeroporto de Congonhas, na capital paulista. “Disse ainda que, caso ele se recusasse a nos acompanhar naquele momento para o Aeroporto de Congonhas, eu teria que dar cumprimento ao mandado de condução coercitiva que estava portando, momento em que lhe dei ciência de tal mandado”, explicou Luciano Flores.

Primeiro, a tese de “segurança de ordem pública” já foi criticada por diversos juristas. Segundo o professor da PUC, Edson Baldan, esse argumento não encontra fundamento já que a legislação permite que a testemunha faça o depoimento por sistema de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens.

“O espalhafatoso teatro policial à porta da casa do investigado, depois transladado a um aeroporto, foi a real causa da violação da tal ordem pública que o magistrado invocou para pretensamente legitimar sua decisão”, enfatizou o jurista.

Segundo, o relato descrito pelo delegado Luciano Flores reforça a contradição em torno da decisão de condução coercitiva. Segundo ele, após entrar em contato com seu advogado, Lula acompanhou os policiais sem resistência. “Logo depois de ouvir as orientações do referido advogado, o ex-Presidente disse que iria trocar de roupa e que nos acompanharia para prestar as declarações”, disse o delegado, então qual a razão da condução coercitiva.

“Em torno das 8:00 o ex-presidente e os advogados retornaram à mesa onde ocorreria a oitiva e disseram que estavam prontos para o ato, sendo dito pelo ex-Presidente que iria prestar as declarações necessárias”, diz o documento.

O delegado disse ainda que insistiu para que Lula utilizasse a segurança da PF para levá-lo a qualquer local em que ele quisesse ir, mas que o ex-presidente dispensou a segurança, saindo em veículo próprio. Fato que só reafirma a sua disposição em depor.

Lula rechaçou a ação classificando a operação como um ato de violência, pois sempre esteve disponível para prestar depoimento à Justiça. Lula afirmou que se sentiu "como um prisioneiro" ao ser conduzido pela Polícia Federal.

Neste domingo, advogados do ex-presidente emitiram nota denunciando a arbitrariedade da condução, pois houve "grave atentado à liberdade de locomoção de um ex-presidente da República sem qualquer base legal".

O Ministério Público Federal (MPF) de Curitiba, responsável pela operação, emitiu nota defendendo a medida e classificando a polêmica como "uma falsa controvérsia".

Os procuradores também dizem que “há evidências de que o petista recebeu móveis de luxo nos dois imóveis e teve a armazenagem de bens em uma transportadora bancada pela construtora OAS, uma das empreiteiras investigadas na Lava Jato”, mas até agora não apresentaram tais evidências. A principal argumentação dos procurados se baseia nas palestras feitas por Lula para empresas investigadas na Operação da Lava. No entanto, não foi apresentada sequer uma palestra que possa fundamentar tal suspeita, a não ser uma crítica de um procurador pelo fato das palestras de Lula serem mais caras que a de FHC.