Aumentam as denúncias de violação de direitos humanos na USP

Dados da Ouvidoria Geral mostram que denúncias passaram de 18, em 2014, para 108 em 2015, incluindo casos de assédio e violência sexual de “natureza diversa”. Os dados são da Ouvidoria Geral da USP.

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A ouvidora-geral da USP, professora Maria Hermínia Tavares de Almeida, acredita que medidas recentes adotadas pela Universidade – como alterações nas atribuições da Comissão de Direitos Humanos (CDH) da USP – contribuíram para o aumento das denúncias. “Tudo indica que essas medidas tiveram impacto positivo, mas ainda é cedo para afirmar que existe uma relação de causa e efeito”, ressalva Maria Hermínia.
 
Em 2015, foram abertas 16 sindicâncias em diferentes unidades da USP para apurar denúncias de violência e formas graves de assédio, de acordo com artigo assinado por Maria Hermínia e pelo presidente da CDH, José Gregori, e publicado em janeiro passado no Jornal da USP. 
Magno de Carvalho, diretor do Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp), alerta que há mais visibilidade para casos envolvendo estudantes do que para os que envolvem funcionários. “Na maior parte das vezes, as vítimas não querem denunciar ou tornar o caso público com medo de retaliações, porque muitas vezes são relações de trabalho.”
 
Denúncias esbarram nas formalidades

Assim como Magno de Carvalho, a professora Heloísa Buarque de Almeida, docente da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e ex-coordenadora do programa USP Diversidade, também cita a defasagem entre relatos informais e denúncias formais. “Conheço muitas histórias que não se tornaram denúncias.” Ela acredita que um dos principais motivos para as poucas denúncias é a enorme formalidade do procedimento. Para a professora, a USP deveria desenvolver protocolos de atendimento para esses casos, garantindo, por exemplo, que a vítima deponha o ocorrido somente uma vez – o que não ocorre atualmente.

Heloísa insiste em lembrar que a violência não se dá apenas no trote, mas ao longo de todo o ano. Por isso, diz, é preciso que ocorram campanhas permanentes. “Quando tradições e ‘brincadeiras’ de uns causam humilhação ou constrangimento para outros, trata-se de violência.” Nesse sentido, acrescenta, existem tradições que “têm que acabar”.
Não Cala USP

Heloísa é uma das fundadoras da Rede Não Cala USP, movimento independente de professoras e pesquisadoras da Universidade, criado em abril de 2015 com o objetivo de contribuir para o reconhecimento da violência sexual e de gênero como um grave problema na Universidade, além de elaborar propostas para combatê-lo. Atualmente a rede reúne cerca de 200 participantes de 23 unidades.
A professora explica que o acolhimento às vítimas, o estímulo à educação e à sensibilização e a cobrança para que a Universidade melhore os mecanismos institucionais de acolhimento e punição são algumas das principais finalidades da Rede Não Cala USP. A rede planeja, por exemplo, oferecer treinamento para lidar com vítimas e casos de violação de direitos humanos, em parceria com os servidores da SAS.
A ouvidora-geral Maria Hermínia também aponta mudanças que devem ocorrer para que se crie um ambiente favorável às denúncias na Universidade. Em sua opinião, as autoridades da USP devem mostrar que “não toleram o intolerável”, o que, segundo ela, está sendo feito com a reformulação da CDH, com uma política de segurança mais consistente, com campanhas nos campi e com a criação do Escritório USP Mulher (leia texto ao lado).
 
Além disso, acrescenta a ouvidora-geral, deve haver condições para que a vítima faça a denúncia com segurança. “A USP tem que implantar um protocolo de procedimentos básicos: feita a denúncia, a vítima tem que ser orientada a fazer exame num hospital, a fazer denúncia na Polícia e a pedir abertura de sindicância na unidade.” Maria Hermínia também acredita que a USP deveria ter um serviço de acolhimento a vítimas de violência de todos os tipos.
O Jornal da USP não conseguiu entrevistar representantes da Associação dos Docentes da USP (Adusp) sobre os casos de violação de direitos humanos na USP. A edição de dezembro passado da Revista Adusp traz um panorama das denúncias e sindicâncias envolvendo a Faculdade de Medicina da USP. A notícia mais recente sobre esses fatos foi publicada no site da revista Veja, no início de fevereiro, e fala sobre a participação do Show Medicina na recepção aos calouros.
Sindicâncias

As denúncias de violação de direitos humanos na USP e em outras universidades, surgidas a partir de 2013, fizeram com que a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) instaurasse uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI).
Casos de violência, constrangimentos e humilhações na recepção aos calouros da USP relatados à CPI motivaram a abertura de sindicâncias na Universidade e levaram a USP a promover mudanças em sua estrutura, a fim de receber e apurar denúncias desse tipo.
 
A Comissão de Direitos Humanos (CDH) da USP sofreu alterações no fim de 2014 e, entre outros encargos, passou a supervisionar as ações dos diferentes órgãos, a fim de garantir o respeito e a promoção dos direitos individuais e sociais na USP. A CDH é comunicada de todas as denúncias de violação de direitos humanos que chegam à Ouvidoria Geral, à Comissão de Ética e à Superintendência de Segurança.
A USP não possui o poder de investigar ou processar judicialmente, mas pode abrir sindicâncias que resultem em processos disciplinares e administrativos, com medidas como o desligamento do agressor. As denúncias são feitas às unidades a que a vítima está ligada (leia o texto ao lado).
Em setembro de 2015, o governo do estado de São Paulo promulgou a lei 15.892/15, que proíbe o trote nas escolas da rede pública do estado, em qualquer nível de ensino. Na USP, o trote é oficialmente proibido desde 1999, quando a Universidade passou a intensificar as iniciativas para a formação de um ambiente acolhedor aos ingressantes.