Samarco continua depositando lama no rio de Barra Longa

Na semana em que o rompimento da barragem de rejeitos de Fundão no município de Mariana completou 90 dias, voltei ao distrito de Bento Rodrigues e conheci a cidade de Barra Longa, que fica a 171 km de Belo Horizonte e a 61 km de Mariana.

Por Beatriz Cerqueira*, no Viomundo

Samarco continua depositando lama no rio de Barra Longa

Sobre Bento Rodrigues, presenciei que o espaço que era público vai se tornando privado. Quem hoje controla o acesso ao que restou do distrito é a Samarco, que colocou grades e cadeados na estrada! E por lá o cemitério de lama continua, dando a mesma sensação que tive em dezembro de 2015 de que uma nova barragem já está pronta, afinal o que estaria no caminho não existe mais!

Muito pouco se ouviu falar sobre os impactos da lama em Barra Longa, que chegou à cidade cerca de 10 horas depois do rompimento sem que a Samarco ou Vale e a BHP tivessem avisado os moradores. O cenário da cidade, 90 dias depois, é assustador e por muito tempo os moradores sofrerão os impactos sociais e econômicos deste crime.

A cidade se transformou num canteiro de caminhões, ônibus com quase 600 trabalhadores diariamente, lama, água podre e tensionamentos na busca do reconhecimento dos direitos dos atingidos. Só o fluxo diário de caminhões produzirá novos impactos,aumentando o número de pessoas atingidas!

Os moradores relatam que, com a chuva, a lama está voltando para dentro das casas. No início, a lama que a Samarco retirava do centro da cidade, era depositada no Parque de Exposições. Com as chuvas, a lama voltava para o rio. Após denúncias e pressão, a empresa providenciou outro local. Mas os moradores insistem: toda a lama que a empresa pode continua depositando no rio!

A promessa da Samarco é entregar 80% das casas atingidas reformadas até junho de 2016. Sim, 90 dias depois da lama chegar, as reformas não foram concluídas, não há nenhuma proposta de reassentamento para os moradores que tiveram a estrutura de suas casas comprometida, muros de contenção não foram todos construídos, quintais continuam desabando e desaparecendo e um primeiro estudo sobre os impactos no rio foi prometido para abril deste ano.

A região de pequenas propriedades no bairro de Volta da Capela se transformou num cemitério de lama de rejeitos. Ali, a força da lama foi tão intensa que recuou cerca de 5 km contra a correnteza do rio, levando animais e tudo o que encontrava à margem. As marcas desta fúria ainda margeiam o rio.

Mesmo quem não teve lama dentro de casa, sofre com o pó que invade casas e ataca a saúde. A lama ainda não foi retirada de todos os bairros! Não vi, e os moradores com quem conversei também desconhecem, qualquer programa ou acompanhamento específico nas áreas de saúde pública e assistência social pública para a população. Foi o psicólogo contratado pela Samarco que avaliou que a senhora aposentada estava bem, mesmo tendo histórico de acompanhamento psiquiátrico, até que ficou dois dias internada! Também ouvi relatos de três tentativas recentes de suicídio!

Barra Longa é daqueles cantinhos de Minas que as pessoas escolhem para morar em casa, com quintal perto do rio, para ter qualidade de vida, muitos depois de uma vida inteira de trabalho! Um senhor, de 83 anos, ouviu de um funcionário da empresa que a estimativa de recuperação do seu quintal seria de 20 anos. Fez as contas e não sabe se consegue esperar para ter de volta aquilo que era seu!

Quem quer brigar para refazer sua casa está pagando profissionais para fazerem projetos porque a empresa até agora não fez! A mais imediata medida de reparação — o cartão com o pagamento de um salário mínimo — não é acessível a todos os atingidos. A empresa estabelece seus próprios critérios socioeconômicos e faz o pagamento a quem quer. A reclamação corrente dos moradores é a exclusão dos aposentados, que já teriam renda! Um senhor contou que está comprando “fiado” milho e ração para o que restou dos seus animais. Não sabe quando vai pagar nem por quanto tempo conseguirá comprar na “confiança”.

Uma pauta de reivindicações, construída pelos atingidos de forma autônoma, sem a tutela da empresa, foi entregue à empresa, aos deputados estaduais da Comissão Extraordinária das Barragens e ao Ministério Público.

A Samarco responde sempre que vai “fazer aquilo que é necessário fazer” e que vai “fazer a coisa certa”.

Resta saber quem decide o que é necessário e a coisa é certa para quem? Não me parece que o certo para as mineradoras é o certo para quem teve a casa e a vida invadidas pela lama!