Ditadura: MPF pede reconhecimento de violações e torturas a indígenas

Uma ação civil pública do Ministério Público Federal pede que a União e o Estado de Minas reconheçam as graves violações aos direitos humanos cometidos contra o povo Krenak durante a ditadura militar (1964-1985). A ação tramita desde dezembro de 2015.

A Comissão da Verdade de Minas Gerais pode estar prestes a esclarecer um dos maiores mistérios envolvendo a ditadura militar e a população indígena

O capitão reformado da Polícia Militar, Manoel dos Santos Pinheiro, que comandava o reformatório onde os índios eram torturados, também é alvo da ação. O MPF pede que ele seja responsabilizado como autor das violações e, com isso, pague indenização por danos morais coletivos e perca benefícios da aposentadoria, honrarias e patentes que tenha alcançado na corporação.

A ação detalha trabalhos forçados, tortura e remoção forçada dos índios de suas terras, que ficam em Resplendor, no leste de Minas, às margens do rio Doce. As violações eram empreendidas em três eixos: a criação da Guarda Rural Indígena, com participação compulsória dos integrantes, a instalação do presídio “Reformatório Krenak”, que funcionava como centro de tortura e o deslocamento forçado para a fazenda Guarani, em Carmésia (MG), onde os índios também ficavam presos.

A Comissão Nacional da Verdade estimou que pelo menos 8.350 indígenas tenham sido mortos durante o regime por agentes governamentais ou sua omissão.

Torturas

O MPF reuniu depoimentos de prisioneiros que passaram pelo "reformatório" para mostrar que as detenções eram arbitrárias – por uso de bebida alcoólica ou terem saído da reserva, por exemplo – e seguidas de torturas. Para lá foram enviados indígenas de mais de 15 etnias de pelo menos onze Estados.

Manelão Pankararu, de Pernambuco, conta como ocorria a tortura no local.

"Havia uma cela conhecida como “cubículo”, eu escutava os índios gritando. Era ali que o índio tomava couro. Havia um pau de arara e também o “cachorro quente”, que era um aparelho que ficava jogando água do teto o tempo inteiro e o índio ficava dois dias numa cela molhada".

A Grin foi formada em 1969. No desfile de formatura da primeira turma, diante do então governador Israel Pinheiro, foi exibido um jovem pendurado em um "pau de arara" e carregado por outros índios. É a única filmagem de evento oficial da ditadura que mostra uma cena de tortura. O capitão Manoel Pinheiro comandava esta guarda.

Pinheiro também comandou, em 1972, a remoção compulsória dos Krenak para a Fazenda Guarani, a 343 km de distância e péssimas condições sanitárias. Segundo o MPF, o objetivo do deslocamento era liberar a área para fazendeiros que, em 71, haviam perdido uma ação de reintegração contra o povo Krenak.

" Apesar de a ação ter sido decidida favoravelmente aos Krenak, foi acertada pelos réus a transferência dos indígenas para a Fazenda Guarani, deixando seu território aberto para os posseiros que haviam perdido a ação", observa o procurador regional Edmundo Antonio Dias, do Grupo de Trabalho Violações dos Direitos dos Povos Indígenas e Regime Militar.

Em 1983, a Funai ajuizou uma ação contra o Estado e a Ruralminas e, em 93, o Supremo Tribunal Federal declarou a nulidade dos títulos de propriedade que tinham sido concedidos aos fazendeiros.

Edmundo Dias lembra que os índios eram submetidos a punições que não eram previstas na legislação.

"O reformatório era um presídio sem previsão legal, destinado a confinar indígenas. As condutas sequer eram previstas pela legislação penal e eles não eram submetidos a julgamento. Não podiam viver sua própria cultura, praticar seus rituais, conversar na língua materna. O deslocamento forçado para a Fazenda Guarani evidencia a intensificação, durante o regime militar, da desterritorialização sempre imposta aos indígenas".