Tom Zé e as esquinas de São, São Paulo

Quando se fala no baiano de Irará, Tom Zé (79), lembramos sempre de São Paulo. O músico e compositor que veio morar na capital paulista por volta dos 30 anos criou dentro de sua obra uma relação próxima com a cidade e a cada esquina dos seus discos encontramos as “mil chaminés e carros” da terra da garoa.

Por Thiago Cassis*, especial para o Vermelho

Tom Zé - Divulgação

Logo na primeira faixa, do primeiro disco, em 1968, o músico já escancara sua relação com a cidade: “São São Paulo meu amor, São São Paulo quanta dor”, e logo veio o prêmio no prestigiado Festival da Música Popular Brasileira, na TV Record. Daí pra frente desde a briga entre o Edifício Itália que “era o rei da Avenida Ipiranga: alto, majestoso e belo” com o Hilton Hotel “gracioso, moderno e charmoso” até a vida amarga de Senhor Cidadão São Paulo está sempre nas canções de Tom Zé (entre as faixas do baiano, e corintiano, que já fez até música pro craque Neto, clique aqui para escutar). 

Nos 6 álbuns, e diversos compactos, gravados entre 1968 e 1978, a cidade que Tom Zé escolheu para ser sua está direta ou indiretamente permeando suas criações. Mas é no sexto álbum, de 1978, que a capital paulista passa de tema constante para tema central da obra.

Correio da Estação do Brás

Sendo o último álbum de Tom Zé lançado pela gravadora Continental, marcando o fim da primeira fase do músico, Correio da Estação do Brás foi lançado em 1978 e foi inspirado pela experiência do artista como repórter de um programa da TV Cultura que investigava a migração de nordestinos em direção a São Paulo em busca de melhores condições de vida.


Capa do álbum de 1978, Correio da Estação do Brás

Uma compilação de ritmos nordestinos e letras recheadas de chegadas e partidas. A saudade de quem vem buscar condições de sobrevivência e deixa pra trás os seus entes queridos.

O texto na contracapa do disco apresenta do que se trata suas músicas:

Brás (São Paulo – Capital), entre Móoca, Belenzinho e Pari, no começo da Av. Celso Garcia, do seu lado direito, foi inicialmente onde se concentrou a colônia italiana. Hoje uma população preponderantemente nordestina. Seu aspecto é de cidade do interior da Bahia ou Pernambuco em dia de feira. Sotaque nordestino, jabá, maniçoba, sarapatel, farinha de copioba, puxa, quebra-queixo, caçuas, girimuns, fê, guê, lê, mê, nê.


O álbum, ao mesmo tempo em que traz recortes do cotidiano [1] do nordestino que emigra para São Paulo, apresenta também uma reaproximação de Tom Zé com o universo sua cidade natal. Em uma entrevista publicada em 1981 na revista Lira Paulistana [2] Tom Zé, em referência ao disco lançado três anos antes, afirma o segunte: “Eles (os nordestinos) saem de um mundo pré-gutenberguiano… É um salto de 400 anos na história. Na minha terra, aonde não vai TV, é a Idade Média. Imagine desembarcar numa cultura novamente tribal, igual a que eles deixaram, mas além do alfabeto, na terceira revolução industrial, onde predomina uma educação visual desconhecida deles nos quatro séculos de imprensa…”

Pecado, rifa e revista do álbum Correio da Estação de Brás

Experimental, esquecido e redescoberto

Cada vez mais experimental e dando prejuízo para a gravadora, Tom Zé passa seis anos sem conseguir gravar um novo disco. Em 1984, reaparece com Nave Maria, mas consegue pouca projeção, sendo esse o único disco que produz na década de 80.

Apenas no início dos anos 90, com o crescente interesse, sobretudo vindo de fora do país, em relação à Tropicália e os artistas envolvidos com o movimento, Tom Zé retoma sua produção e segue firme entre discos, shows e claro, retratando com sons a cidade que aprendeu a amar.

Reza a lenda que o músico e produtor David Byrne garimpava discos de samba no Rio de Janeiro, para aprofundar seus estudos sobre o ritmo e foi então que algum vendedor entregou Estudando o Samba, álbum lançado por Tom Zé em 1976, para o gringo e fez com que ele se debruçasse sobre a obra do baiano que com isso voltou a ativa para sorte dos paulistas, dos brasileiros e de todos que amam boa música.

Ouça as canções de Tom Zé sobre a capital paulista: 


São São Paulo

 
A Briga Do Edificio Itália Com O Hilton Hotel

Augusta, Angelica e Consolação

Correio da estação do Brás – álbum completo

Referências
1 – Zé, T. Topicalista Lenta Luta p. 32
2 – Pimenta, H. (org) Encontros – Tom Zé. p. 41