Época diz que apoio a grupo amigo do PSDB foi “tráfico de influência”

Mesmo com a enxurrada de vazamentos seletivos – com acusações vagas, ilações, factoides e mentiras – e o fracasso no rito do impeachment na Câmara dos Deputados, a presidenta Dilma Rousseff continua de pé. Mas, apesar das derrotas, o golpismo midiático continua: no fim de semana publicaram uma matéria de capa travestida de bomba para tentar arrastar o assunto durante toda a semana, pautando o debate político e desgastando o governo.

Por Dayane Santos

Andrade Gutierrez

O assunto desta semana é o factoide criado pela revista Época, que insiste da tese de “tráfico de influência” para tentar imputar crime nas ações do governo junto a outros países em apoio a empresas brasileiras.

Segundo o semanário, Dilma garantiu empréstimo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para a Andrade Gutierrez em Moçambique, no valor de US$ 320 milhões, para a construção de uma barragem em Moçambique. Na matéria, a revista da família Marinho tenta transformar uma ação de apoio à empresa brasileira em favorecimento.

Em nota, a Secretaria de Imprensa da Presidência da República afirma que a Política de Comércio Exterior do governo sempre teve como estratégia expandir as exportações de produtos manufaturados e bens e serviços para os mercados da África e América Latina.

“Esses mercados representam importantes parceiros comerciais do Brasil”, enfatizou a nota. Isso porque a matéria da revista Época fala de um encontro da presidenta Dilma com o então presidente de Moçambique, Armando Guebuza, em março de 2013, em Durban, na África do Sul, em que teriam conversado sobre o empréstimo para a obra. O presidente do país africano teria dito a Dilma que as exigências impostas para a liberação de crédito estavam travando as obras de infraestrutura em seu país.

A tal exigência que incomodava o governo de Moçambique era a abertura de uma conta bancária num país com baixo risco de calote, para receber o dinheiro do empréstimo. O país africano se recusa a aceitar as condições impostas pelo BNDES.

Também por meio de nota, o BNDES rebateu as ilações do semanário e afirmou que a operação de financiamento às exportações de bens e serviços brasileiros utilizados na barragem de Moamba Major “obedeceu a todos os trâmites usuais do BNDES, sem qualquer excepcionalidade”.

“Como de praxe, a análise obedeceu a critérios impessoais e técnicos, passando pelo crivo de dezenas de pessoas e órgãos colegiados. Não fazem sentido as ilações da revista de que a concessão do crédito estivesse vinculada de alguma forma a doações de campanha. Também não tem fundamento a afirmação de que as condições do crédito teriam sido ‘camaradas’”, salienta o banco.

De acordo com o BNDES, os termos do empréstimo estão em linha com aquilo que é ofertado pelas instituições de crédito dos países que competem com o Brasil no mercado internacional. O banco reforça ainda que todas as informações sobre este e todos os financiamentos a exportações de bens e serviços brasileiros podem ser consultadas no site do banco, ou seja, não há segredo.

Para tentar fundamentar a sua ilação fraudulenta, a Época cita como “prova” um comunicado dito secreto enviado pela embaixada brasileira em Maputo, capital de Moçambique, em agosto de 2013, para o Ministério das Relações Exteriores, cinco meses depois do encontro entre Dilma e Guebuza. No texto o presidente moçambicano “teria aludido à disposição da presidente Dilma Rousseff para resolver o assunto e que, caso o investimento provenha de terceiro país, dificilmente as construtoras brasileiras Andrade Gutierrez e Fidens seriam escolhidas para construir a barragem”.

Ainda segundo a revista, um mês depois do envio do comunicado secreto, em setembro de 2013, o empréstimo foi discutido na reunião da Câmara de Comércio Exterior (Camex), conselho ligado à Presidência da República.

O assunto registrado em ata, aponta que um representante do Ministério da Fazenda na Camex alertou para os riscos de dispensa da abertura da conta, procedimento que funciona como uma garantia para o empréstimo, e registrou o voto contra o fim da exigência. Mas foi voto vencido pelos demais membros da Câmara, presidida por Fernando Pimentel, hoje governador de Minas Gerais.

“O acordo, selado pelo ministro das Finanças moçambicano, prevê uma linha de crédito de até US$ 320 milhões. Esse dinheiro foi endereçado a um consórcio formado pelas empreiteiras Zagope Construções e Engenharia, controlada pela Andrade Gutierrez, e Fidens Engenharia, responsáveis pelo projeto de construção da barragem no país africano”, disse a revista.

Em seguida, numa descarada manipulação, a matéria cita as doações de campanha feitas pela Andrade Gutierrez à campanha pela reeleição da presidenta Dilma, de R$ 20 milhões.

“O BNDES lamenta que Época tenha, mais uma vez, publicado um texto parcial e enviesado, atacando o BNDES e a política de apoio a exportações do governo brasileiro”, repele o banco.

Empreiteira amiga dos tucanos

A Andrade Gutierrez, no entanto, é conhecida pela sua proximidade com o PSDB. A empreiteira que teve seu presidente, Otávio Azevedo, preso em junho, foi a maior doadora de recursos na campanha derrotada do senador Aécio Neves à Presidência em 2014, mesmo ano do fato citado pela revista global. Foram 322 doações, que somaram mais de R$ 20 milhões, de acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Aliás, por falar em campanha derrotada, apesar da Época tentar apontar uma proximidade promíscua entre a Andrade Gutierrez e o governo Dilma, a realidade é bem diferente. Investigação da Lava Jato mostra troca de mensagens de WhatsApp entre executivos da cúpula da Andrade Gutierrez durante as eleições em que os empreiteiros torciam pela vitória de Aécio; com o resultado das urnas, ficaram decepcionados com a derrota.

“Bora Brasil!! Bora Aécio!!!”, disse Ricardo Sá, presidente global da AG Private, divisão da empresa que cuida de clientes do setor privado em todo o mundo, quando a apuração dos votos no segundo turno mostrava o tucano à frente.

Com o avançar da apuração, os diretores da empreiteira não esconderam a tristeza. “F….”, diz Clorivaldo Bisinoto, presidente da AG Engenharia, seguido por Flávio Barra, ex-presidente da AG Energia preso na Lava Jato, “vida vai ser dura…”. Menos de um ano depois, Barra foi preso na Lava Jato acusado de participar do cartel de empreiteiras que teria pago propina nas obras da usina de Angra 3. “Falta apurar o NE e N”, comenta Barra que é logo respondido por João Martins “Vai piorar!”.

Tais comentários revelam quem a Andrade Gutierrez queria no governo para beneficiar seus interesses. A julgar pela relação da companhia com o PSDB de Aécio Neves de Minas Gerais, onde a Andrade Gutierrez recebeu, de bandeja, a gestão da Cemig, que lhe foi entregue pelos tucanos em um acordo de acionistas, não temos dúvida. A estatal mineira é apontada como uma das empresas usadas no esquema de corrupção que alimentou o Alberto Youssef.