Miranda Muniz: Auto de Resistência – sem carta branca pra matar!

Evidentemente, o fim dos autos de resistência não tem o condão de por fim a toda arbitrariedade de maus policiais, mas esses certamente pensarão duas vezes antes de cometerem arbitrariedades, execuções ou chacinas.

Violência policial - Miranda Muniz

Finalmente, no dia 4 de janeiro, foi publicado no Diário Oficial da União a Resolução Conjunta Nº 2, de 13 de outubro de 2015 dos conselhos Superior de Polícia e Nacional dos Chefes de Polícia Civil, promovendo a uniformização dos procedimentos internos das policiais judiciárias federal e civis dos estados no caso de lesão corporal ou morte decorrentes de resistência a ações policiais.

A partir daquela data, a ocorrência de qualquer uma dessas situações será obrigatório a abertura de inquérito para apuração dos fatos com tramitação prioritária, dando imediata ciência ao Ministério Público. Além disso, seus registros passarão a ser “lesão corporal decorrente de oposição à intervenção policial” ou “homicídio decorrente de oposição à ação policial”, abolindo, portanto, o famigerado “auto de resistência”.

Os “autos de resistências” era um dos últimos “entulhos” da Ditadura Militar, haja vista que foi uma medida administrativa criada nos “Anos de Chumbo” para legitimar a repressão a opositores e que continuava sendo usado, mesmo após o fim da Ditadura, para encobrir crimes e mesmo extermínios praticados por maus policiais, em especial, contra jovens, negros, pobres e moradores das “periferias”.

E o que é mais grave: numa intensidade crescente. Só a título de ilustração, relatório da organização não governamental Human Rights, divulgado em janeiro de 2015, apontava um aumento de 97% no número de mortes decorrentes de ações policias em São Paulo, que foram de 369, em 2013, para 728 em 2014. No Rio de Janeiro, foram 416 mortes por essas causas em 2013 e 582 em 2014, um crescimento de 40%.

Matéria publicada num jornal de Cuiabá, no final de 2014, com o título “Estatística Alarmante”, apontava que o número de homicídios praticados por PMs cresceram 533% na Grande Cuiabá (que inclui a capital e o município de Várzea Grande). No total foram 19 mortes, contra apenas 3 no ano anterior.

Outro dado que chamou atenção foi o fato de que das 19 mortes, 14 delas (74%) foi alegado oficialmente “resistência à prisão por parte da vítima para a realização de disparos que levaram ao óbito. Apenas um caso é de legítima defesa, enquanto os demais estão sob apuração”, destacava a referida matéria.

Na mesma reportagem, após ouvir um delegado especializado na área de homicídios e proteção à pessoa, um estudioso no assunto e o ouvidor do Conselho Estadual dos Direitos Humanos, destacou as dificuldades em se apurar e, em caso de culpa ou dolo, punir os agentes de segurança responsáveis pelos homicídios.

Ou seja, o “auto de resistência”, a exemplo do que ocorria na Ditadura Militar, continuava sendo uma espécie de “carta branca pra matar”, pois permitia que o policial que cometesse uma lesão ou um assassinato em serviço não fosse preso em flagrante e, dificilmente, era investigado, legitimando assim diversas arbitrariedades e assassinatos, conforme inúmeros casos que se tem notícia em todo o país.

Segundo o deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP), um dos autores do Projeto Lei 4471/2012 (de autoria conjunta com os deputados Protógenes Queiros, PCdoB-SP; Miro Teixeira, Rede-RJ e Fábio Trad, PMDB-MS), em tramitação no Congresso e praticamente com o mesmo teor dessa resolução conjunta, “um estudo mostrou recentemente que 60% das mortes registradas como autos de resistência foram eliminações, não houve resistência. Foram tiros na nuca, nas costas, na cabeça, por trás. Ou seja, a pessoa não tinha arma.”

Há de se destacar que o fim dos autos de resistência era uma das preocupações da presidenta Dilma Rousseff. Em discurso durante Ato pelo Dia Nacional da Promoção da Igualdade Racial, ocorrido em Nova Lima (MG), ela enfatizou “Acredito ser fundamental que a gente faça a lei contra os autos de resistência. A lei que tem de acabar com a ficção do auto de resistência”.

Enquanto a lei, ou o Projeto Lei, ainda está em tramitação, os dois conselhos foram mais rápidos e colocaram um fim a esse “entulho autoritário” que, inclusive, estava na contramão dos “Princípios Relativos a uma Eficaz Prevenção e Investigação de Execuções Extralegais, Arbitrárias e Sumárias”, aprovados pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 1989 (Resolução 44/162), a qual o Brasil é signatário.

Assim, a partir de 4 de janeiro, nesses dois tipos de ocorrência necessariamente serão objetos de inquérito policial, com apreensão imediata dos objetos relacionados ao evento (armas, material balístico e veículos, etc.), requisição de exame pericial do local, identificação de agentes envolvidos, laudo necroscópico ou cadavérico (nos casos de morte), etc.

Evidentemente, o fim dos autos de resistência não tem o condão de por fim a toda arbitrariedade de maus policiais, mas esses certamente pensarão duas vezes antes de cometerem arbitrariedades, execuções ou chacinas.

Mais um importante avanço civilizacional conquistado!

Miranda Muniz  é agrônomo, bacharel em direito, oficial de justiça-avaliador federal, dirigente da CTB/MT e presidente do PCdoB de Cuiabá-MT.