Denise Carvalho: Política precisa ser feita em cima de ideais

Com passagem pelos movimentos sociais, pelo Legislativo e pela gestão pública, a ex-deputada estadual por Goiás, Denise Carvalho é pré-candidata do PCdoB à Prefeitura de Goiânia. Em entrevista ao Portal Vermelho, ela fala sobre os desafios do município, que já foi apontado pela ONU como o mais desigual do país. Disposta a liderar um movimento que pretende dar voz à população, Denise afirma que o projeto eleitoral do seu partido será construído ouvindo as demandas e prioridades do povo.

PCdoB aprova pré-candidatura de Denise Carvalho à Prefeitura de Goiânia

“Goiânia reflete hoje o modelo do estado. Temos um forte setor de serviços, uma certa indústria alimentícia, também um polo econômico de confecções, mas aqui é fundamentalmente onde circula a riqueza do agronegócio, que é um modelo altamente concentrador. Essa concentração reflete-se brutalmente na capital. E isso vai criando dificuldades na cidade como um todo”, descreve a pré-candidata.

Ela aponta que o potencial de desenvolvimento econômico na cidade é muito grande, pela localização geográfica, a proximidade com Brasília, o fato de estar localizada em um dos estados que mais se desenvolve. “Mas há um alto índice de desigualdade. E não tem política pública para o enfrentamento disso, para discutir esse modelo econômico”, avalia.

Desafios

O IBGE aponta que Goiânia possui hoje 1,3 milhão de habitantes. Na região metropolitana, vivem 2,2 milhões. De acordo com Denise, um acelerado crescimento populacional, produzido por grande fluxo migratório, tem agravado problemas do município.

Entre eles, está a questão da mobilidade urbana, entrave em muitos municípios do país. Denise denuncia que há um grande monopólio do setor de transporte na capital. “É um problema que exigirá um posicionamento estratégico, político, e a opção de fazer um transporte coletivo para a população e não para quem se enriquece dele. Isso demanda decisão política, assumir posições”, diz.

A ex-deputada também chama a atenção para a forma excludente como a segurança pública tem sido tratada em Goiânia. “Há um alarde para todo lado e a solução que vem se proliferando na cidade é a existência de condomínios fechados, que geram certo apartheid na cidade, um isolamento da camada mais rica”, critica.

Juventude

Ao mesmo tempo, afirma, as questões relacionadas à juventude e à periferia não recebem o devido cuidado. “Como acontece no Brasil de forma de geral, a grande maioria dos que vão para a cadeia são os jovens e, em maior parte, negros. Isso é muito preocupante”. Denise defende então ações de enfrentamento à questão das drogas – “separar o que é tráfico da questão de saúde pública” – e políticas públicas para a juventude, “criando alternativas nos bairros, nos locais de moradia, nas escolas”.

Segundo ela, o descaso com a juventude é agravado pela terceirização da educação no Estado, comandado pelo governador Marconi Perillo (PSDB). “Estamos com 300 escolas hoje no estado, uma boa parte delas em Goiânia, sendo entregues às OSs (organizações sociais), quer dizer, há a privatização dos serviços de educação. É uma questão estadual, mas que se reflete na capital”, diz.

Ouvindo Goiânia

A pré-candidata cita que um grande problema das gestões municipais anteriores é a falta de políticas e planejamento de longo prazo. “Não conseguiram fazer ações planejadas, integradas, estratégicas, pensadas a médio e longo prazo. Todo muito pautado no imediatismo, na ineficiência de uma máquina obsoleta”, condena.

Outro problema seria a ausência de canais de participação popular. “Há uma grande reclamação da população sobre a inexistência da escuta das prioridades. Goiânia já teve algumas experiências de governos progressistas no passado e que implementaram ações como o Orçamento Participativo. Mas isso foi abandonado nas três últimas gestões. A discussão das prioridades então é toda muito questionada pelo conjunto da população”, declara.

Denise conta que tem retomado a ideia de democratização das discussões. “Começamos a lançar e vamos intensificar em janeiro um movimento que se chama Ouvindo Goiânia. E o programa dessa pré-candidatura à Prefeitura será todo montado a partir da escuta da população. Vamos percorrer todas as regiões fazendo discussões, ouvindo prioridades e, a partir daí, vão nascer as propostas”, explica.

De acordo com ela, a ideia é se opor à prática usual de elaboração de programas técnicos que chegam à população apenas por meio da propaganda. “Queremos já na elaboração das prioridades duas coisas: pensá-la estrategicamente e para o longo prazo. E apresentar soluções para questões imediatas ouvindo a população”.

Outro aspecto que pretende trabalhar junto à população é a construção de um sentimento de pertencimento à cidade. “Quando falamos dessa grande migração de pessoas para Goiânia, estamos sempre ressaltando que precisamos construir isso. O senso de identidade deve ser valorizado. Não pode haver uma invisibilidade das diferentes culturas que compõem a cidade. E na escuta a gente vai vendo a forma de tratar isso”.

Faltou ousadia

Sobre a atual gestão municipal, que tem à frente o prefeito Paulo Garcia (PT), Denise avalia que ela perdeu a oportunidade de unir os setores progressistas da cidade e colocar em marcha um projeto ousado. “Terminou sendo uma triste continuidade das gestões anteriores. Não conseguiu ser aquela grande referência de um projeto novo, inovador, alternativo, democrático, progressista, que resgatasse inclusive a discussão sobre o valor da política feita com P maiúsculo, não pautada pelo poder econômico”.

Segundo ela, esta tarefa hoje está colocada ao PCdoB. “Estamos apresentando a pré-candidatura também no sentido de exercer esse protagonismo. Agora, com o fim do financiamento empresarial, a nossa forma de fazer política ganha melhores condições na disputa eleitoral. É possível que consigamos aglutinar em torno da ideia de que a política precisa ser feita de forma diferenciada, em cima de valores, de ideais. A história do PCdoB sustenta isso, dá credibilidade a isso”, opina.

Direitos Humanos

Denise afirma ainda que a pré-candidatura do partido fará também o debate em defesa de uma cultura de paz e respeito aos Direitos Humanos. “Temos em Goiás e Goiânia um debate muito sério a ser feito. As soluções que a extrema-direita tem apresentado para a nossa sociedade têm tido certa repercussão aqui, pela falta de um contraponto à altura. Por exemplo, a discussão sobre a violência, sobre reduzir ou não a maioridade penal, as diferentes formas de intolerância, de cultivo do ódio. Entraremos nessa discussão”, antecipa.

Aliança

Questionada sobre possíveis alianças para reforçar o projeto eleitoral do partido, a pré-candidata afirma que as discussões ainda estão muito incipientes, mas já há alguns contatos com partidos que compuseram a coligação que lançou em 2014 a candidatura de Isaura Lemos (PCdoB) à Assembleia Legislativa.

“Agora vamos conversar em torno de um nome, porque até então era no sentido de buscar uma unidade. Mas ainda não há a definição de trabalhar em torno de uma só pré-candidatura. E o PCdoB sai na frente ao apresentar o meu nome. Vamos procurar todos os partidos do campo democrático progressista e todos aqueles que querem aportar num projeto como esse”, coloca.

Mulheres no poder

Goiânia nunca teve uma prefeita. Para Denise, ter uma mulher disputando esse espaço de poder carrega grande significado. “Na medida em que nós conquistamos esses espaços de decisão e poder, a sociedade como um todo avança. Porque empodera as mulheres no trabalho, nos estudos, nas famílias. Cada uma passa a se identificar e fazer parte desse processo”, avalia.

Para Denise, as mulheres também têm uma forma diferente de exercer o poder. “É um estilo mais coletivo, de harmonização, de busca da construção coletiva das soluções. Exerci quatro mandatos parlamentares e dois de secretária de estado e em todas essas funções a gente percebe a diferença: é mais agregador, mais coletivo, mais colegiado”, defende.

Além disso, uma mulher à frente da gestão significaria também que as políticas públicas voltadas para o sexo feminino ganhariam maior relevância, sinaliza. “Isso significa enfrentamento da violência, capacitação ao mercado de trabalho, acesso aos direitos da saúde integral. Toda a pauta que as mulheres trabalham passa a ganhar relevância maior”.

Perfil

Denise começou sua militância no movimento estudantil e de juventude. Em 1988, foi eleita vereadora. No seu mandato, aprovou mais de 200 emendas à Lei Orgânica municipal. Dois anos depois, venceu as eleições para deputada estadual, tendo renovado o espaço na Assembleia por mais duas legislaturas. Nas três disputas, foi a mais votada da capital, entre todos os partidos políticos.

Depois de ter sido candidata a vice-prefeita na chapa encabeçada pelo PT, em 1996 assumiu a Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado de Goiás. Cinco anos depois, liderou a criação da Secretaria de Políticas para as Mulheres e Igualdade Racial de Goiás (SEMIRA), da qual se tornou a primeira secretária. Em 2012, o PCdoB lançou candidatura própria, e Denise foi mais uma vez candidata a vice-prefeita, desta vez na chapa encabeçada pela deputada estadual Isaura Lemos. Hoje Denise é dirigente estadual do PCdoB e atua junto a diversos movimentos sociais de cultura, mulheres e promoção da cultura de paz.

“Toda essa trajetória me colocou muito tempo em contato com os problemas da cidade e com as lutas do povo para superar esses problemas. Me sinto, depois de trajetória de mais de trinta anos, qualificada para enfrentar o desafio da pré-candidatura”.