Estadão bajula Samarco-Vale que diz não saber causas do desastre

Passados 23 dias, a Samarco-Vale diz que ainda não sabe as causas que levaram ao rompimento das barragens em Mariana, Minas Gerais, que provocou a maior tragédia ambiental da história do país. Em entrevista ao Estadão, Ricardo Vescovi, presidente da mineradora, diz viver horas “difíceis” por conta da tragédia.

Ricardo Vescovi presidente da Samarco-Vale

As horas difíceis de Vescovi não chegam a 0,1% das dificuldades que o país e a população brasileira enfrentarão – e já enfrentam – com a lama tóxica despejada ao longo da extensão do Rio Doce.

Mas a colunista do Estadão, Sonia Racy, botou o empresário no colo ao afirmar que “Vescovi tem vivido horas difíceis” porque “a empresa é criticada por má gestão no controle dos rejeitos, por demora na reação à tragédia, por comunicação falha com os moradores”.

Na linguagem popular, a colunista ainda tenta passar um pano, ou seja, tirar a culpa da Samarco-Vale ao dizer que a empresa está “paralisada, com depósitos bloqueados” e que sob essa justificativa “não terá como pagar funcionários nesta segunda – a não ser que a Justiça suspenda o bloqueio”.

Não estamos falando de uma empresa de fundo de quintal. A Samarco é a 10ª maior exportadora de minério do país. Em 2014, faturou R$ 7,6 bilhões, sendo de R$ 2,8 bilhões o lucro líquido. Nos últimos 12 meses, encerrados em setembro, detinha 14,95 milhões de toneladas de minério de ferro na produção da Vale, totalizando 340 milhões de toneladas no mesmo período.

A bajulação não parou por aí. Segundo a matéria, Vescovi passou duas horas depondo na delegacia de crimes ambientais, em Belo Horizonte, enquanto “a Vale, sócia proprietária da empresa ao lado da BHP-Billington, anunciava a criação de um fundo voluntário para a recuperação do Rio Doce”.

Fundo voluntário?! A empresa é responsável pela lama tóxica que contaminou rios, destruiu centenas de casas e vitimou até agora 11 pessoas. Portanto, não se trata de uma ação “voluntária”, mas uma obrigação.

Plano de emergência que não resolveu a emergência, mas era um plano

Questionado se o rompimento da barragem poderia ter sido evitado, o empresário diz: “Em primeiro lugar, as causas do acidente ainda não foram levantadas. É surpreendente que a barragem de Fundão tenha descido de uma só vez – isso foge aos modelos matemáticos habituais. Temos gente do mundo inteiro aqui estudando o que aconteceu, mas vamos precisar de tempo para uma conclusão. A investigação exige uma interação de disciplinas – geotecnia, geologia, mecânica de solo, mecânica de fluidos, sismologia”.

A resposta não convence nem mesmo a imparcial jornalista: “Mas não há nem uma hipótese mais provável, ainda?”. Ele responde: ”Não. Isso não faz parte do processo de investigação. Tem de deixar o pessoal trabalhar livre para levantar hipóteses, e aprender com isso para evitar que aconteça de novo. Sabendo que as lições daqui vão valer para o mundo inteiro”.

Apesar de negar saber as causas, o empresário endossa a tese da jornalista de que o rompimento poderia ter sido causado por conta de um abalo sísmico, como se tal hipótese não fosse parte da preocupação de qualquer barragem segura no mundo.

“Sim. Órgãos competentes, como Defesa Civil, Bombeiros, UnB e USP confirmaram. Informações mais detalhadas devem ser buscadas com eles”, afirmou.

Sobre a preocupação de que haja novos rompimentos, o empresário confirma que as barragens da mineradora não são seguras e que, agora, estão tentando fazer o que devia ter sido feito antes do desastre.

“Nossas estruturas em Germano estão sendo monitoradas 24 horas por dia. Estamos fazendo as melhorias necessárias para ampliar o grau de segurança. Criamos um plano com a Defesa Civil, responsável por fazer a evacuação da área. A gente tem trabalhado no reforço de tudo”, afirmou

Apesar disso, o empresário nega haver omissão. “Não, não houve omissão! Havia sim um Plano de Contingência, aprovado pelos órgãos competentes, e que foi cumprido integralmente”, disse ele. O fato é que o plano nem chegou a atender as necessidades mínimas de segurança, já que romperam duas barragens e nem aviso de sirene aos moradores existia.

Em seguida, Vescovi confessa: “A discussão sobre o funcionamento dele, ou não, é outra discussão”.

Água contaminada

Quando o assunto é a contaminação da água, o empresário joga o enfrentamento do problema que criou para as prefeituras. “O esforço pela água não é só da Samarco, é das prefeituras também. Uma boa parte disso já foi restabelecida”, declarou ele.

O prefeito de Baixo Guandu, no Espírito Santo, Neto Barros (PCdoB-ES), em entrevista ao Portal Vermelho, criticou a tentativa da empresa de tentar surfar nas ações das prefeituras.

“A Samarco mente. Mandou dois técnicos pra cá para acompanhar as obras, mas coloca em seu site que está resolvendo o problema de captação de Baixo Guandu e outros localidades, mas na verdade quem está trabalhando e pagando a conta são os municípios. Quem está segurando a onda de dejetos é a administração pública”, rechaçou.