Macri, a direita do século 21 na Argentina

Não há desculpas. Se perdeu. Não servem os pretextos aritméticos característicos do dia seguinte. Não vale isso de “país dividido”, nem falar de fraude eleitoral. A derrota é inquestionável. Ganhou [Maurício] Macri com sua plataforma conservadora Cambiemos e perdeu [Daniel] Scioli com a Frente para a Vitória.

Por Alfredo Serrano Mancilla*, no Celag

Macri - Reprodução

Esta é a primeira conclusão que não deve ser maquiada de nenhuma maneira. Eles são maiores. As urnas na Argentina, desta vez sim, lhe deram a razão eleitoral. Ganharam por pouco mais de três pontos de diferença. Neste século 21, é a primeira vez que um processo de mudança na América Latina perde nas urnas. Isto merece uma explicação. Ao menos uma tentativa. Aqui há alguns pontos.

1. A presidenta Cristina não chegou a decidir-se. Não conseguiu impor sua candidatura. Porém, tampouco cedeu frente ao velho aparato peronista. Preferiu não se envolver demais na campanha. Quis sempre consolidar seu capital político com independência: o kirchnerismo como força própria organizada. Seguramente não acreditou em Scioli desde o primeiro momento. Talvez confiou que e imaginou que tudo estivesse ganho. Mas não foi assim. Ainda falta ver se a presidenta já está pensando no que está por vir. Vai contar com uma importante liderança no Congresso, como primeira força. Veremos qual é seu papel político nos próximos meses. Disso vai depender, em grande parte, o que será o espaço “K” na Argentina: não se pode colocar à margem tudo que se avançou nesta época em que venceram as maiorias. O mais sensato é afrontar este delicado momento, por exemplo, como Chávez fez em 2007, quando perdeu o referendo constitucional. O desafio é levantar e assumir que hoje já é amanhã. A política segue.

2. Scioli não era o candidato. Scioli não se escreve com K. Nem é kirchnerista, nem conseguiu se disfarçar como tal. A maioria do Partido Justicialista (PJ) quis que fosse ele quem poderia transitar de novo até o centro do peronismo, que não necessariamente significaria ser kirchnerista. Scioli está mais próximo de um peronista dos anos 90 que de um kirchnerista do século 21. Há uma distância sideral entre ele e a presidenta. Seu discurso carece de épica, de emotividade. Não se sente cômodo no confronto. Seu carisma brilha por sua ausência. Em campanha, não conquistou nenhum só voto. Não foi um bom candidato. Não serve para continuar com um projeto de mudança, por mais bem articulado que esteja. Isso nos obriga a pensar com mais responsabilidade o tema da sucessão: quem, quando, como, que identidade política representa…

3. Macri se reinventou. A direita do século 21 já não é a do século 20. Não quer nem revanches, nem ajuste de contas. Se apresenta como a política “legal”, amigável, que não confronta, revestida excessivamente de marketing. Soube somar sem renunciar sua ausência. Não rompeu com o mesmo, mas conseguiu incorporar mais perfis aos personagens. Ampliou assim a base de votos. Aqui está a questão. Foi agregando siglas, criando coalizões, alianças territoriais. Criaram um Macri poliédrico, capaz de abarcar muitas dimensões. Seu projeto politico é uma coletora onde cabe quase tudo: o Estado e as privatizações, o social e as transnacionais, o FMI e a pátria argentina. Afinal, rendeu seus frutos. Portanto, a chave é aprender a não subestimar esta nova direita emergente que se complementa – rumo à perfeição – com os meios hegemônicos de comunicação e com os poderes econômicos, mas que se apresenta como outra coisa, com outro tom e outras formas.

4. Não vale a pena disputar o passado, a chave está no futuro. A campanha do medo não é suficiente para ganhar. A leitura feita do passado não soma com o desejo. As novas gerações não sabem o que é isso de “velha e larga noite neoliberal”. Outros muitos, que sim, padeceram, já naturalizaram os novos direitos sociais e o novo bem viver fortemente sustentados pelo aumento do consumo. Não creem de verdade que se possa voltar atrás. A mudança de época conseguiu conquistar um novo sentido comum do que é irreversível. A partir disso que se deve pensar no futuro. A construção de expectativas é a fonte real para encantar as maiorias; a felicidade se sustenta com desafios para frente. Scioli jogou mais atacando Macri, concentrando-se na ideia de volta ao passado no lugar de buscar a maneira de seduzir o eleitorado com o que se poderia ganhar nos próximos anos. Macri fez tudo ao contrário. Evitou falar do passado propondo uma narrativa de esperança, de oportunidades futuras. Esta é uma eleição para os processos de mudança na região: é necessário identificar as novas demandas da cidadania para seguir avançando. Não adianta nada velhas respostas às novas perguntas.

A essas chaves, há que somar os erros próprios da gestão governamental, o desgaste de mais de uma década, a continua restrição externa dos últimos anos, a ferrenha oposição midiática, a dificuldade de superar os obstáculos impostos pelos poderes econômicos internacionais, e além disso, ter que lidar com as contradições próprias de um processo de transformação tão rápido. Tudo isso ajuda a explicar e a problematizar esta derrota eleitoral. Mas a análise não deve nos levar a um “catastrofismo” exagerado. Perdemos. Sim, se perde. Sem desculpas. Mas serve para pensar em como não perder na próxima eleição em qualquer outro país da região; ou como se levantar desta para voltar a vencer. O capitalismo nunca joga a toalha, e portanto, tampouco nós devemos fazer isso.