Eles querem aplicar os mesmos planos que na Grécia, diz vice de Scioli

O companheiro de chapa de Daniel Scioli, candidato à presidência da Argentina apoiado por Cristina Kirchner, assegura que um aspecto positivo de uma campanha para o segundo turno é que permite mostrar claramente quais são as duas alternativas diferentes. E o projeto da Frente Para a Vitória é o que permite seguir melhorando a vida dos argentinos.

Carlos Zannini - Página 12

 Carlos Zannini recebeu o jornal Página 12 no mesmo lugar que ocupou nos últimos doze anos, o andar de baixo da Casa Rosada. Continuam em sua sala os quadros de sempre, a réplica da Copa Libertadores da América, os retratos de sua filha, de sua esposa e de sua mãe sobre a escrivaninha; a música de rádio FM que funciona como plano de fundo. O companheiro de chapa de Scioli recebe os jornalistas apenas de camisa, mas veste um paletó para sair nas fotos. Bebe uma xícara de café com leite, e – coisa rara – durante a uma hora que dura a entrevista se esquece de seus telefones, apesar de tocaram com insistência de tempos em tempos.

Leia a entrevista na íntegra:

Houve um certo relaxamento antes do dia 25 de outubro? A sensação que se tem é de que a campanha para o segundo turno tem um impulso que não havia acontecido no primeiro.

Não. Há os que acreditavam que era inevitável o triunfo pernonista, e cada triunfo deve ser construído todos os dias e aos poucos. Se ganha voto a voto. Havia sim uma certa autoestima que não estava apoiada em nenhuma pesquisa, tratava-se nada mais do que a ideia de que o peronismo venceria de qualquer maneira. Na verdade foram feitas duas eleições muito boas: ganhamos em 9 de agosto [eleições primárias] e ganhamos em 25 de outubro, e agora concorremos com ótimas expectativas para o segundo turno. A diferença é que agora não se trata de uma eleição, e sim de uma opção entre duas alternativas distintas. Nesta etapa da campanha há a vantagem de que se pode ver com clareza o que um quer e qual é o projeto, de que lado quer estar. O país da igualdade, o país da inclusão, ou o país que vai apoiar os fundos abutres, que vai recorrer ao Fundo Monetário Internacional e que vai fazer o ajuste. Do lado do povo ou contra o povo. Nós estamos com o modelo de aproveitar o lugar que chegamos para seguir crescendo e seguir melhorando a situação de cada argentino. Temos que falar com cada um para que veja de que maneira a continuidade dos planos, dos projetos e o fato de encarar uma nova etapa que aproveite o melhor da anterior é também para ele uma oportunidade de crescimento e de melhora em sua vida. Já não falamos da Argentina somente, mas de cada argentino em particular, como fazer para que esteja melhor, se com subsídios ou sem subsídios. São as coisas que estão em jogo, e que neste momento podem ser vistas com mais clareza.

Mas Macri diz que isso é mentira e forma parte de uma campanha de medo.

É muito simples. Não tem que ver só o que dize, hoje, mas sim a história de quem está concorrendo neste domingo (22) ao segundo turno com a perspectiva de ser eleitos. Não há coerência entre o que Macri fala atualmente e sua história política, econômica e sua tomada de decisões. Em todo caso, já que agora diz que há coisas que estão bem, seria bom que listasse essas coisas que estão bem. Porque o que eu sinto, e o que todos os argentinos estamos vendo, é que ele não acompanha nenhuma medida. Nenhuma medida lhe parece boa em seu momento para poder apoiá-la. Ele falou mal do Futebol para Todos, até dos feriados se queixa. Se conseguir encontrar e nos dizer que coisas lhe parecem boas, há outra pergunta para fazer a ele: “Em que momento começou a se dar conta de que estavam bem? Por que ele trabalhou ativamente contra a recuperação da YPF, trabalhou contra a recuperação dos fundos da AFJP, trabalhou contra tudo que fosse recuperação do Estado na Argentina. Que explique como agora vem defender estes Estado que não ajudou a construir.

Considera que houve falta de estratégia entre diferentes setores da Frente Para a Vitória durante a campanha que agora podem prejudicar a chapa?

Há uma coisa que está dada: ao ser o PRO (Partido Proposta Republicana) um grupo pequeno e comandado com mãos de ferro por Jaime Durán Barba e Mauricio Macri, até nos mínimos detalhes é muito mais fácil de manejar; diferente de um movimento diverso, plural com diferentes níveis de compromisso como é a Frente Para a Vitória. Há muitíssimas visões distintas, todas com boas intenções, que se expressaram e foram manipuladas para aparentar que havia uma confusão interna. Inclusive se focou muito em uma campanha negativa contra o próprio Daniel Scioli, no sentido de que não ia ser capaz de conduzir o governo, que seria um fantoche, que não lhe deixariam montar uma equipe… Então, isto tem sido característico desta campanha: um governo que já leva doze anos sob uma intensa pressão midiática que trata de descontextualizar tudo o que nós planejamos. Neste segundo turno há a possibilidade de contratar dois modelos, então essa pressão perde um pouco de efeito; mas produziu muitos danos e nos fez perder tempo. Sempre o problema foi se íamos ter mais Estado, mais proteção aos mais vulneráveis, se haveria mais inclusão e igualdade. Ou se tudo isso será abandonado para começar a destruir pelas bordas, começar de novo, voltar ao FMI, ceder aos abutres e impor políticas de ajuste. Nos querem aplicar os mesmos planos que aplicam na Espanha, que aplicam na Grécia, que chamam de austeridade e de austero não têm nada.

Quais características de Scioli te surpreenderam durante estes meses de trabalho conjunto?

Com Scioli tenho uma relação política que já dura doze anos. Seguimos tendo a mesma relação e coordenamos os passos ue damos como ele coordena com toda sua equipe. É uma relação bastante estável, eu também sou um tipo fácil e estável, assim nos damos muito bem.

Mas agora a relação é mais cotidiana, ou não?

Conheci de perto sua capacidade de trabalho, por exemplo. Disso eu não conseguia me inteirar antes porque eu também estava trabalhando. Somos diferentes, mas não tanto. Meu pai e minha mãe eram muito humildes, já ele vem de uma família de classe média. Mas nós dois sofremos com os “vai e vens” do país da mesma maneira. A empresa do pai dele não era grande o suficiente para estatizarem a dívida, ao contrário da de Macri. Não tinham tamanho para lucrar com alguma das privatizações, como é o caso de Macri e sua família. Então a empresa de seu pai quebrou, já não existe. E por último, nós dois temos sido vítimas do modelo de ajuste e aplicação de receitas dos fundos abutres.

Na campanha vocês disseram que “apoiam os fins, mas não todas as ferramentas” do Kirchnerismo. Que ferramentas considera que devem ser replanejadas se vencerem neste domingo?

Nosso próprio governo não foi igual durante os 12 anos. Sempre tivemos o desafio de enfrentar com novos olhos as novas situações. Os problemas mudam de forma e quando se está no governo tem que assumir o desafio de estar mudando permanentemente. Nós viemos estruturando as mudanças mais importantes que se conheceu no último século na Argentina. Essa tarefa é complexa, partia de um diagnóstico: o problema era que a política estava desprestigiada porque entregou o manejo da economia aos grupos econômicos concentrados. Então precisávamos resgatar a política e reconciliá-la com a sociedade. Isto foi o que Néstor Kirchner fez e o que a Cristina seguiu fazendo. Foram os protagonistas de um gigantesco trabalho de mudanças e transformações, mas ainda falta muito por ser feito. Neste ponto é que estamos. Haverá que mudar muitas coisas, mas o que é necessário mudar sem dúvidas é este organismo central. O que propõe Macri é devolver aos grupos concentrados o manejo da economia. E isso já foi ruim para o povo argentino. Podem haver muitas mudanças, mas não mudaremos este ponto central: a ideia de um Estado presente, que ajude, que promova. O que falta é criar as condições para que cada um melhore o lugar em que está: que quem tem um trabalho precário para a ter um trabalho melhor; que quem tem um trabalho digno conquiste melhores condições, que possa terminar a casa, trocar de carro, as coisas que movem o homem e a economia.

Quais são as prioridades para começar a trabalhar na segunda-feira (23) já pela manhã?

Daniel firmou um compromisso em cada província. Colocar em marcha o país federal é muito importante. Há temas como a coparticipação que precisamos encarar com tempo e com paciências para poder continuar em um caminho de crescimento. Graças a Deus construímos nosso projeto em bases firmes. A economia está em um cenário que se aliviar a pressão feita por um juiz que o faz por sua situação pessoal e quer seguir atuando na economia e na política para dar um salto eleitoral, terá muita força.

Se refere a [Claudio] Bonadio?

Me refiro a ele e às medidas que toma. Depois de ter recebido toda a informação que precisava, fazer um rombo como o que ele fez só se explica pela busca por um golpe público, a busca de criar uma desvalorização judicial.

Você fala de uma fortaleza econômica, mas a oposição sustenta que a economia não cresce, não se cria emprego faz quatro anos e o Banco Central está vazio.

Dizem que não se cria trabalho e temos o índice de desemprego mais baixo da história da Argentina. Há coisas que se contestam por si só. O que acontece é que o mundo atual te leva a substituir história por notícia. Tendemos a ver só a notícia e há que se ver a história completa. Dizem que há quatro anos não crescemos. Não é verdade. Não se cresce no mesmo ritmo que vínhamos crescendo antes, e isso é outra coisa. Se você não tem uma visão histórica, então aí está a principal tarefa realizada pelo Grupo Clarín em todo este temo, que é invisibilizar tudo o que o governo faz e fazer com que as pessoas debatam sobre a notícia do dia sem saber de onde viemos e quanto avançamos. Então o que é necessário olhar é o todo. É como estávamos em 2003 e como estamos hoje. Tudo isso foi conquistado em um processo virtuoso onde não significa que descobrimos a pólvora, mas sim que descobrirmos que todo o ideal neoliberal que rende cultos ao mercado não dá resultados nunca e nós fizemos tudo ao contrário do que os gurus aconselhavam e veja como está a Argentina. Macri diz: há que fazer inversões para que as empresas ganhem e depois vai haver um crescimento que vai atingir os mais vulneráveis. Néstor e Cristina demonstraram na prática que a questão é outra: é necessário colocar dinheiro no bolso dos que estão embaixo, isso amplia o mercado de consumo e isso faz com que o comerciante e o industrial vendam mais e contratem mais trabalhadores para ir crescendo em seus investimentos e isso cria um círculo de êxitos. Obviamente que houveram altos e baixos, porque houve uma economia mundial e hoje há outra. Mas mesmas medidas que os economistas neoliberais querem aplicar já perderam efeito. 107 países incrementaram o valor do dólar e não conseguiram fazer crescer suas exportações, só acrescentaram o valor de suas importações. Seria fatal que uma manhã nos levantássemos e fizéssemos ajustes econômicos que baixariam os salários, os programas sociais, as aposentadorias. A história argentina também mostra que esses movimentos refletem sempre no preço das coisas. Está claro que este ideal neoliberal fracassou na Argentina.

Como influenciam as críticas e as estatísticas públicas [Indec]?

Este governo foi vilipendiado pelos meios dominantes durante oito anos. Houve um grande plano de invisibilização e descontextualização de tudo que foi feito. O que o governo fez está oculto. As 2700 escolas, os hospitais, parece que não foram feitos. Ninguém explica porquê a Argentina hoje tem condições de ter dois satélites de fabricação nacional em órbita. Isso parte de uma base: a ideia de ter um país autônomo. Continuamente são propostas como se fossem grandes discussões de fundo questões que na verdade são de forma. Se você me diz: “precisa que existam estatísticas confiáveis? Sim. Era necessário mudar o sistema do Estado da Argentina? Sim. Sabe se as mudanças vão passar a atingir todo o país e não só um pedaço? As estatísticas não são verdades objetivas. Mas todos os argentinos acreditamos que vamos solucionar um problema de crescimento de preços se temos um índice que mostre desta maneira. O Indec [Instituto Nacional de Estatística e Censo] é o termômetro, a febre, se é que existe e vai seguir sendo, por mais que seja modernizado o termômetro. Crer que porque vai melhorar o Indec vai melhorar a economia… bom, estamos perdendo tempo discutindo isso em vez de discutir o que é importante. Essa é a verdadeira campanha negativa.

Que leitura faz do julgamento da Corte Suprema contra a YPF?

Foi um erro muito grave porque confunde e expõe. Confunde a situação da YPF, que foi uma boa recuperação feita pelo Congresso argentino, que quando decidiu expropriar 51% decidiu também que seguiria operando na Bolsa de Nova York, porque isso é o que aumenta a competitividade frente a outras empresas do mesmo setor. Este julgamento tem um sentido duplamente negativo. Pode ser uma desvantagem frente a seus competidores porque vai ter que dar satisfações de sua estratégia comercial de exploração e produtiva que não convém que os outros saibam. Na Petrobras precisaram fazer espionagem para saber estas coisas, aqui não precisamos porque a YPF está exposta por culpa deste julgamento. E em segundo lugar há expressões confusas no texto que poderiam chegar a criar expectativas nos abutres de tomar os bens da YPF como se fossem bens sujeitos a embargos. Também me preocupa o momento em que o julgamento foi feito, que parece ser uma forma de influenciar sobre a economia e consequentemente no resultado das eleições. Como a medida de Bonadio, que trata de afetar o trabalho de uma área que tem justamente a missão de segurar as expectativas a respeito dos preços para que os argentinos sigamos tendo domínio sobre o dólar. Se não, dois ou três vão manejar porque é tão lindo falar de liberdade , adoram falar do dólar livre e parece que vão chegar dólares livremente nos bolsos dos argentinos. Tenho uma má notícia: se a Frente Para a Vitória não vencer, tudo vai parar nas mãos de uns poucos.