Argentina: a disputa chega ao fim e dois modelos de país se confrontam

À parte as pesquisas eleitorais – que já se mostraram bastante falhas no primeiro turno – que dão umas a manutenção da vantagem de Macri em 8 pontos e outras o estreitamento da vantagem para 3,5 pontos, a decisão do povo argentino é pela escolha de um ou outro modelo de país. O debate televisivo no último domingo (15) entre Scioli e Macri, assistido por mais da metade da população argentina, deixou isto bastante claro.

Por Max Altman, na Opera Mundi

Scioli e Macri - Reprodução

Daniel Scioli se mostrou satisfeito por expressar “as intenções de Macri de fazer uma desvalorização brusca do peso e os efeitos negativos que isto provoca” e tirou sarro do adversário: “Macri é o Agora 15, um dólar a 15 pesos. Não tenho dúvidas: é o ajuste, a desvalorização, a supressão dos subsídios, por mais que queira dissimular, disfarçar, esconder”.

Por outro lado, o prefeito eleito de Buenos Aires, Horácio Larreta, considerou que o candidato Mauricio Macri “ofereceu propostas em cada tema” durante o debate e sustentou que Scioli teve uma “atitude de campanha agressiva” ao pôr na boca de Macri coisas que nunca disse. Macri disse com clareza que “não vai haver nenhum ajuste, nenhuma desvalorização”. Outrossim, Larreta criticou o ‘spot’ da campanha de Scioli em que aparece um grupo de pessoas com máscaras, criticando as mudanças de postura de Macri em distintos temas. “A propaganda das caretas, copiada de uma propaganda brasileira, é a mais agressiva que vi em 30 anos de democracia.”

A uma semana do segundo turno, saiu faísca no debate presidencial e houve munição grossa. O tema econômico, em especial a defesa do emprego, atravessou os 75 minutos do confronto realizado na Faculdade de Direito de Buenos Aires.

“Você, Macri, já manifestou que iria suspender a âncora do dólar e deixar livre o câmbio. Isto significa desvalorizar e para o trabalhador isto representará um corte de salário. Abrir a economia é um perigo para a indústria nacional. Suspender os subsídios ao transporte também prejudicará os que trabalham. Pergunto-lhe: quem vai pagar os custos desse reajuste?”, foi a primeira pergunta ao adversário nos minutos iniciais do debate.

Macri respondeu que os argentinos encontram em Cambiemos “a esperança que vão crescer e ter trabalho. Nunca falamos de ajustar. Vocês é que ajustaram. Faz quatro anos que não crescemos”. Prometeu, sem explicar como o faria, criar dois milhões de empregos, outorgar um milhão de créditos hipotecários, estender a Asignación Universal por Hijo [espécie de Bolsa Família] e criar um plano do primeiro emprego.

Scioli defendeu o papel do Estado como impulsor da economia, para defender “a classe média e o pequeno e médio empresário”. Propôs baixar os custos financeiros. “Não voltaremos a nos pôr de joelhos diante do FMI, nem ao juiz [norte-americano] Griesa [que decidiu em favor dos portadores dos “fundos abutres”]. Eu represento o Estado que estimulou a educação como inclusão. Trabalharemos para incrementar o mercado interno, garantir o emprego, e melhores proventos aos aposentados”.

O manual de apresentação dos candidatos ante as câmeras ordenava que se apresentassem de bom humor que confere uma ideia de confiança. Nisto, Macri esteve mais solto que Scioli, porém também se mostrou em vários momentos arrogante e superior. Macri não usou gravata, tudo em busca de uma imagem de ganhador, enquanto Scioli foi o primeiro a estender a mão para saudar o adversário, um gesto para mostrar-se aberto e frontal.

Macri arremeteu: “Com o governo de vocês, o dólar passou de 3 a 15 pesos. Você diz que cometeram alguns erros e que serão vocês mesmos a corrigi-los. Você acha que o povo é bobo?”
“Você disse que o narcotráfico não havia entrado na província de Buenos Aires e por isso se havia ido a Rosário. Você acha mesmo que o narcotráfico na Grande Buenos Aires não aumentou?”
Scioli não ficou atrás: “Que é que você realmente vai fazer se chegar ao governo? Se se fala de agricultura, seu candidato a ministro é um gerente da Monsanto; se de economia, um do banco JP Morgan”.

“Macri, você administra a cidade com o maior ingresso per capita. Como explicar que a mortalidade infantil tenha crescido? Como entender que haja cinco mil crianças que não tenham vaga nas escolas públicas?”

Houve alguns minutos de encerramento, livres, para que cada um se dirigisse aos telespectadores votantes.

“Sinto que estamos por começar uma etapa maravilhosa, sei que não vai ser de um dia para outro e sim um dia após o outro. Quero convocar a todos porque já experimentamos demasiados anos separados. É hora de agirmos juntos. Necessitamos de um presidente que fale menos e escute mais, que entenda que o que vale é a equipe e não personalismos, o momento é agora. Há que dizer aos nossos filhos que não desistimos e que nos animamos a seguir pelo caminho que todos merecemos”, afirmou Macri.

O pronunciamento final coube a Scioli: “Devemos optar entre dois caminhos, um que segue em direção a uma agenda de desenvolvimento e outro sob a dissimulação da palavra ‘cambiemos’ [mudemos], tendo debaixo do braço um ajuste. Não nos ponhamos de joelhos ante o FMI ou aos credores dos ‘fundos abutres’, como quer Macri. Ou caímos de volta sob o domínio do FMI ou sustentamos o orgulho e a autoestima argentina. Por isso convocamos o povo argentino a votar para que ganhe o país”.

“Alea jacta est.” A sorte está lançada. São só três dias, já que a proibição de campanha eleitoral começará na sexta-feira. Dias febris e emocionantes em que Scioli e Macri jogarão o tudo ou nada nas derradeiras cartadas desta campanha.