Há 98 anos da Revolução Russa, cinco poemas que permanecem atuais

Em novembro os comunistas e os povos do mundo comemoram 98 anos do triunfo da revolução que levou ao poder o Partido Bolchevique na então União Soviética. O Prosa, Poesia e Arte desta semana fez uma seleção de cinco poemas, todos escritos em 1917 (o ano da revolução), por poetas russos engajados no processo revolucionário.

Por Mariana Serafini

Poetas russos - Vermelho

Extremamente avançados para a época, tanto na forma, quanto no conteúdo, os poemas valorizam o poder da palavra. Minimalistas e certeiros, muitos dos poetas russos estavam longe de ser panfletários ou óbvios ao atuarem na trincheira da luta de ideais com as mais diversas armas: além da poesia, o teatro, o cinema, o romance.

De estética simples, e muito avançada para a época, os poemas apresentam formatos e conteúdo que foram aplicados mais de 40 anos depois na dramaturgia e na literatura em países como Inglaterra e Irlanda que são consagrados por terem inaugurado uma nova vertente da dramaturgia, tida como contemporânea e minimalista. No entanto, a inovação de fato aconteceu no início do século, já em 1903, 1910, na Rússia.

Os poemas foram extraídos do livro Poesia Russa Moderna, traduzidos no Brasil por Augusto e Haroldo de Campos e Boris Schnaiderman.

Leia na íntegra:

A Palavra
           
(Andréi Biéli)

Na febre de som
do sopro
a treva é flama-fala.

Lá fugindo da laringe,
a terra exala.

Expiram
As almas
Das palavras não compostas.

Deposita-se a crosta
Dos mundos que nos portam.

Sobre o mundo formado
Paira a profundidade
Das palavras proferíveis.

Profundamente ora
A palavra das palavras, Sarça viva.

E do futuro
Paraíso
Alça-se a terra adunca

Por onde em chamas, consumindo,
Não passarei: nunca.
 

Tradução de Augusto de Campos e Boris Schnaiderman


O Dom da Poesia

(Boris Pasternak)

Deixa a palavra escorregar,
Como um jardim o âmbar e a cidra,
Magnânimo e distraído,
Devagar, devagar, devagar.
 

Tradução de Augusto de Campos


Definição de Poesia

(Boris Pasternak)

Um risco maduro de assobio.
O trincar do gelo comprimido.
A noite, a folha sob o granizo.
Rouxinóis num dueto-desafio.

Um doce ervilhal abandonado
A dor do universo numa fava.
Fígaro: das estantes e flautas
Geada no canteiro, tombado.

Tudo o que para a noite revela
Nas funduras da casa de banho,
Trazer para o jardim uma estrela
Nas palmas úmidas, tiritando.

Mormaço: como pranchas na água,
Mais raso. Céu de bétulas, turvo.
Se dirá que as estrelas gargalham,
E no entanto o universo está surdo.
 

Tradução de Aroldo de Campos
 

Nacos de Nuvem

(Vladimir Maiakóvski)

No céu flutuavam trapos
de nuvem – quatro farrapos:

do primeiro ao terceiro – gente;
o quarto – um camelo errante.

A ele, levado pelo instinto,
no caminho junta-se um quinto.

Do seio azul do céu, pé-ante-
pé, se desgarra um elefante.

Um sexto salta – parece.
Susto: o grupo desaparece.

E em seu rasto agora se afasta
o sol – amarela girafa.
 

Tradução de Augusto de Campos

De Transfiguração

(Sierguéi Iessiênin)

Ei, russos!
Pescadores do universo,
Na rede da aurora colhendo o céu –
Troai as trompas!

Sob a charrua do raio
Ruge a terra.
Rompe os penhasco a auridente
Relha.

Novo semeador
Erra pelos campos
Novas sementes
Arroja aos sulcos.

Um hóspede-luz
Vem num coche.
Corre entre as nuvens
Uma égua

Sela da égua –
Azul.
Sinos da sela –
Estrelas.
 

Tradução de Augusto de Campos