Pedidos de impeachment são politicagem da oposição, avalia Comparato

Autor de parecer contrário à tese do impeachment defendida pela oposição, o jurista Fábio Konder Comparato reiterou, nesta quarta (14), que as tentativas de derrubar a presidenta “não têm nenhum fundamento jurídico”. Segundo ele, trata-se de mera “politicagem”. Em entrevista ao Portal Vermelho, o professor alertou: “Os opositores não querem resolver os problemas brasileiros. Eles querem é simplesmente chegar ao poder. E isso precisa ser denunciado”.

Por Joana Rozowykwiat

Konder Comparato

Comparato é professor emérito da Faculdade de Direito do Largo São Francisco (USP), doutor honoris causa da Universidade de Coimbra e doutor em Direito pela Universidade de Paris.

Aos 79 anos, ele é taxativo quanto à impertinência dos pedidos de afastamento de Dilma Rousseff. “Dei parecer nesse sentido e repito: crime de responsabilidade só fundamenta uma perda de mandato quando esse crime ocorreu durante o mandato referido. No caso, o que se levantou até agora, foram fatos ocorridos no mandato anterior”, resumiu.

Para o jurista, sem base legal, afastar a presidenta eleita democraticamente atentaria contra a Constituição. “Entendo que, tal como foi formulado até agora o pedido [de impeachment], significaria a destituição da presidente contra o Estado de Direito, ou seja, contra a Constituição”.

O jurista concedeu entrevista ao Vermelho no dia em que os jornais anunciam que a oposição deve apresentar novo pedido de impedimento, incluindo a suposição de que o governo teria cometido as chamadas “pedaladas fiscais” também em 2015. Comparato lembra, contudo, que, para isso, o Tribunal de Contas da União precisaria primeiro julgar como problemáticas as contas deste ano – que, por sinal, ainda está em curso.

A partir de então, seria necessário cumprir todo um trâmite, que inclui a análise das contas no Congresso, depois um exame do presidente da Câmara que, se julgar que houve crime de responsabilidade, encaminharia o tema ao Plenário para uma votação na qual seria preciso obter dois terços dos votos. “E isso seria ainda uma denúncia, que deve ser julgada não pela Câmara, mas pelo Senado Federal.” Para ele, a oposição tem ainda “muito chão a percorrer”.

“A lei é a lei”

Comparato questionou o rito que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, quis impor à análise dos pedidos de afastamento. “É o que as liminares [do STF] dizem. Ele [Cunha] não tem competência para isso. O processo de impeachment é regulado por lei”, defendeu. E, segundo ele, não há brecha na legislação. “A lei é a lei.”

O jurista defendeu ainda que o Supremo não ultrapassou nenhuma regra jurídica, ao suspender o rito estipulado por Cunha. “Respeitou perfeitamente as regras que definem um processo por crime de responsabilidade”, avaliou, no dia em que Cunha informou que irá recorrer da decisão do Supremo.

Ao comentar a insistência dos que tentam por várias vias derrubar Dilma, ele afirmou que “essa reiteração de pedidos é fruto da politicagem”. De acordo com o jurista, trocar de presidente não contribui para resolver as grandes questões do país, hoje mais relacionadas à economia, em um contexto de crise global.

"Infecção generalizada"

“O que ninguém até agora está entendendo é que nós – o Brasil e, na verdade, todos os países do mundo – estamos afundados num perigo imenso, que é a probabilidade de um colapso financeiro mundial. Na verdade, o mau funcionamento do governo atual é um simples sintoma de uma doença muito mais profunda. Quer dizer, tirar a presidenta Dilma Rousseff equivale a tratar uma infecção generalizada com aspirina. Eu gostaria de chamar a atenção sobre esse fato”, disse.

De posse de vários números, ele apontou a desindustrialização e o enorme poder dos mercado financeiro como grandes questões colocadas no cenário atual. Comparato afirmou que o sistema financeiro hoje comanda o Estado brasileiro.

“Para se ter um ideia, o deficit orçamentário é composto por 96,9% de juros da dívida pública e apenas 3,1% de deficit de receitas em relação a despesas orçamentárias. Ora, esses juros da dívida correspondem a papéis que foram emitidos pela União e foram negociados pelos bancos. Os bancos tomaram esse papéis, de modo que a União está nas mãos deles. E se a União não pagar, obviamente os bancos vão entrar com ações e o Brasil seria considerado internacionalmente insolvente”, criticou.

O jurista destacou ainda que, há 20 anos, a indústria representava 36% do PIB brasileiro, e, segundo ele, hoje representa 9%, ou seja um quarto do que era no passado. “Todo mundo sabe que o crescimento econômico no Brasil foi fruto da industrialização. Começou com Getúlio e seguiu com Juscelino. Os bancos não produzem riqueza alguma. Na melhor das hipóteses, através do serviço de crédito, são instrumento para a produção da riqueza”, afirmou.

O professor disse ainda que, seguindo a lógica do capitalismo de procura do lucro máximo, os bancos têm negligenciado o crédito e apostado tudo na especulação financeira. “Hoje, no mundo inteiro, esses papéis de especulação financeira representam a módica quantia de US$ 710 trilhões, ou seja, dez vezes o produto mundial anual. Então, diante disso, não podemos fazer como no poema de Manuel Bandeira, que diz: só nos resta tocar um tango argentino”, ironizou.

“Abacaxi”

Na avaliação de Comparato, diante deste cenário conturbado do ponto de vista da economia e da política, a oposição está dividida quanto ao impeachment. “Há aqueles muito mais espertos, que acham que não convém assumir aquilo que o vulgo chama de abacaxi, ou seja, a situação política e econômica do Brasil deplorável. Se eles conseguirem o impeachment, são eles que vão assumir isso”, declarou.

Para ele, essa parte da oposição tenta, então, enfraquecer o PT e seus aliados. “Por isso é que essa parte da oposição segue a orientação do Aloísio Nunes Ferreira, que disse: ‘nosso objetivo não é matar a presidente, é sangrá-la’”, concluiu.

Comparato crê que a maioria do empresariado brasileiro também não aderiu à campanha contra Dilma. “Para os industriais, que não têm mais poder sobre o Estado brasileiro, isso parece perigoso, crime de responsabilidade, etc. Eu tenho a impressão de que o empresariado está um pouco atônito. O empresariado, no conjunto, não está apoiando esse pedido”, disse, citando as repercussões que um impeachment teria na economia do país.

Povo sem poder

De acordo com o jurista, a atual crise escancara os problemas do país. “Nós sempre tivemos nesse país um regime de oligarquia. O povo brasileiro nunca teve poder político. O que acontece é que a minoria que comanda atualmente, que são os empresários financeiros, provocou essa crise econômica. O país que vinha crescendo regulamente está num processo de desindustrialização. Como os bancos vão reconhecer que são culpados?”, questionou, defendendo que os meios de comunicação denunciem o assunto.

“Infelizmente, os meios de comunicação de massa, na sua quase totalidade, estão submetidos ao controle empresarial e político (…). Vou relembrar aquilo que disse Marx: o pensamento crítico não é uma paixão da cabeça, é a cabeça da paixão. E tem que desembocar na denúncia e suscitar a indignação. No dia em que conseguirmos começar a suscitar a indignação do povo brasileiro contra o regime oligárquico, ele começa a balançar”, encerrou.