Dilma: Não devo pagar pelo que não fiz, não há nada contra mim

Qualquer um que circule pelos corredores do poder sabe que as decisões do TCU são fruto das articulações partidárias e não de julgamentos imparciais.

Por Darío Pignotti, para o Página/12

Foto: Roberto Stuckert Filho/ PR - Foto: Roberto Stuckert Filho/ PR

“Não devo pagar pelo que eu não fiz, não há nada contra mim”, comentou Dilma, consternada, frente a um ministro quando soube que o Tribunal de Contas da União (TCU), um organismo de nome pretensioso e de reputação controversa, reprovou seus gastos de 2014 destinados a programas sociais – como o Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida – por considerar que houve irregularidades na administração desses recursos para dissimular o deficit fiscal.

Nesta sexta-feira (9), a presidenta postergou por algumas horas a sua viagem à Colômbia para encabeçar uma reunião extraordinária de gabinete, onde conversou sobre o novo episódio da crise que se agudizou esta semana, devido à mencionada decisão do Tribunal de Contas, que pode derivar num pedido de impeachment (juízo político) no Congresso, e avaliou as traições dos parlamentares aliados que viram as costas ao governo quando não recebem cargos ou recursos.

Além do caso no TCU, também houve esta semana a reabertura de uma investigação sobre um suposto financiamento irregular da campanha presidencial do Partido dos Trabalhadores em 2014.

Rousseff coordenou neste sábado (10), durante mais de duas horas, o encontro no Palácio do Planalto, com 27 ministros do novo gabinete, com o qual ela pretende recuperar a iniciativa política, que hoje está com a oposição.

Seguindo a orientação do seu conselheiro Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma desenhou uma equipe com maior presença de ministros do PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro), cujos membros oscilam: um dia se comportam como governistas, subordinados às prioridades fixadas pelo Planalto, no seguinte tecem intrigas com o PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira), principalmente o ex-candidato Aécio Neves, derrotado por uma pequena margem nas eleições presidenciais de 2014, e desde então líder das manobras golpistas.

Neves disse que apoiará “com certeza” um pedido de impeachment fundamentado no pronunciamento do TCU. Enquanto a oposição afia suas garras para a votação dessa iniciativa, no Executivo predomina a preocupação. Uma atmosfera contrastante com o otimismo contido de segunda-feira, quando a presidenta apresentou seus novos ministros, recomendando a eles trabalhar com “muita dedicação, porque temos um Brasil para governar até 2018”.

Com isso, manifestou sua convicção de que só deixará o Palácio do Planalto ao cumprir os quatro anos do atual mandato, como diz a Constituição, e não sairá antes, como pretendem Neves e o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, também enrolado na causa desestabilizadora.

“Para que negá-lo, a oposição saiu fortalecida com a decisão do TCU, esse é um fato concreto, e a função dos parlamentares é tentar tirar vantagens dessa realidade”, admitiu o senador petista Delcídio Amaral, líder do bloco governista. “O governo tem que sair das cordas de uma vez por todas, temos que analisar tudo o que ocorreu nestes três dias”.

Excepcional

O TCU, disparador da recente crise, não é o que parece: embora seu nome leve a acreditar que se trata de um organismo do Poder Judiciário, se trata de um órgão consultivo do Congresso.

A maioria dos seus membros são ex-congressistas designados pelo parlamento, que não os escolhe por méritos ou experiência registrada. O conhecido ex-juiz da Corte Suprema, Joaquim Barbosa – responsável por conduzir o processo do “Mensalão”, que condenou importantes dirigentes do PT – definiu o TCU como “um playground para políticos fracassados” que simulam ser juízes mas carecem de “estatura” para emitir informes que potencialmente podem derivar num processo de impeachment. Qualquer um que circule pelos corredores do poder em Brasília sabe que as decisões do TCU são fruto das articulações partidárias geridas no Congresso e não de julgamentos objetivos e imparciais. No caso deste pronunciamento contra Dilma, essa subjetividade se combinou com a excepcionalidade.

A tradição indica que o TCU se ocupa de temas de importância relativa, como os relacionados aos ministérios ou aos funcionários subalternos intermediários, mas nunca à instituição Presidência da República. Mas, para poder acusar Dilma e abrir o caminho para um juízo político no Congresso, desta vez o Tribunal violou sua própria jurisprudência.

Para justificar a investigação sobre Dilma, foi preciso adotar medidas casuísticas, para não dizer escandalosas. Por exemplo, a de convocar o Congresso, de maneira forçada, para analisar e aprovar em uma semana todos os balanços dos presidentes brasileiros desde a década de 90.

Uma vez terminada essa simulação, o caminho ficou livre para que os parlamentares pudessem receber o parecer negativo do TCU sobre a gestão presidencial em 2014, que poderia se transformar num processo de impeachment.

Colômbia

A partir dos contratempos domésticos, Dilma teve que postergar duas vezes, nos últimos seis dias, seu embarque rumo à Colômbia, para realizar uma visita que finalmente começou neste sábado, quando desembarcou em Bogotá, para reunião com seu colega Juan Manuel Santos.

“A presença da presidenta Dilma na Colômbia ocorre no momento mais oportuno possível, do ponto de vista do contexto regional”, comentou a embaixadora brasileira no país. Dilma “é a primeira chefa de Estado que realiza uma visita de Estado depois dos acordos assinados no dia 23 de setembro, em Havana, que são muito importantes no processo de paz” entre o governo e os rebeldes das Farc.

Na Colômbia, Dilma terá a companhia de Mauro Vieira, chanceler que viajou ao país há um mês, junto com seu colega argentino Héctor Timerman, para mediar a controvérsia entre esse país e a Venezuela, por tensões fronteiriças.