Augusto de Campos: vanguarda literária e democrática

Embora seja geralmente visto como excessivamente formalista, o poeta Augusto de Campos não deixa de usar sua arte para transmitir conteúdos concretos, progressistas e a avançados.

Por José Carlos Ruy e Mariana Serafini

Augusto de Campos Viva Vaia - Divulgação

O caso mais notável talvez seja o do poema Viva Vaia, publicado inicialmente em 1972, e motivo em 2014, às vésperas da campanha eleitoral para a presidência da República, de forte condenação pública do poeta ao jornal Folha de S. Paulo. Ele publicou uma carta aberta (reproduzida abaixo), registrando sua indignação pelo uso não autorizado de seu poema pelo jornalão paulistano em matéria sobre o comportamento mal educado dos setores da elite que vaiaram Dilma Rousseff no jogo de abertura da Copa do Mundo de Futebol, em 12 de junho.

O poema é um objeto visual composto em 1971, dedicado a Caetano Veloso, que estava exilado em Londres, perseguido pela ditadura militar. Quando foi publicado no ano seguinte, logo percebido como uma vaia à ditadura e aos chefes militares responsáveis por ela.

Aos 84 anos de idade, Augusto de Campos nunca recuou da posição de vanguarda que há mais de 60 anos marca sua ação literária. A mesma posição de vanguarda que mantém, nestas décadas todas, nos campos artístico, político e democrático.


O poema foi publicado no livro Viva Vaia em 1979

Quando a onda golpista começou as tentativas de desestabilização do governo Dilma, no primeiro semestre deste ano, Augusto de Campos foi um dos poetas a entrar em defesa da legalidade do mandato da presidenta, em um manifesto articulado pelo poeta Claudio Daniel em parceria com o Portal Vermelho.

Sua obra e sua posição política lhe renderam, nesta semana, o prêmio Ibero-Americano de Poesia. Augusto de Campos foi o primeiro brasileiro reconhecido com este título, criado em 2004. “Foi mais que uma surpresa (…). Minha poesia é experimental, que lida com territórios desconhecidos ou pouco frequentados pela literatura convencional (…)Jamais poderia imaginar que me outorgassem um prêmio”, afirmou.

A solenidade de entrega do prêmio aconteceu nesta quarta-feira (7), no Palácio La Moneta, em Santiago, no Chile e contou com a presença da presidenta do país, Michele Bachellet, além de outras autoridades políticas e culturais de ambos os países.

Mas o reconhecimento pela obra e pelo comprometimento de Augusto de Campos não para por aí. Em novembro o poeta, ensaísta, tradutor e crítico de literatura vai receber outro prêmio: será o homenageado na Ordem do Mérito Cultural. A solenidade acontece no dia 5 de novembro, em Brasília.

Leia a carta com a qual o poeta registou sua indignação em junho de 2014:

“Prezados Senhores.

Esse jornal utilizou, em 14 de junho de 2014, com grande destaque, o poema Viva Vaia, de minha autoria, como ilustração de matéria ambígua sobre os insultos recebidos pela presidente Dilma, na partida inicial da seleção.

Utilizou-o, sem minha autorização e sem pagar direitos autorais: sem me dar a mínima satisfação.

Poupo-me de comentar a insólita atitude da Folha, a quem eu poderia processar, se quisesse, pelo uso indevido de texto de minha autoria.

A matéria publicada, composta de três artigos e do meu poema, cercado de legendas sensacionalistas, deixa dúvidas sobre a validade dos xingamentos da torcida, ainda que majoritariamente os condene, e por tabela me envolve nessa forjada querela.

A brutalidade da conduta de alguns torcedores, que configura até crime de injúria, mereceria pronta e incisiva condenação e não dubitativa cobertura, abonada por um poema meu publicado fora de contexto.

Os xingamentos, procedentes da área vip, onde se situa gente abastada e conservadora, evidenciam apenas o boçalidade e a truculência que é o reverso da medalha do nosso futebol, assim como a inferioridade civilizatória do brasileiro em relação aos outros povos.

Escreveu, certa vez, Fernando Pessoa: “a estupidez achou sempre o que quis». Como se viu, até os candidatos de oposição tiveram a desfaçatez de se rejubilarem com os palavrões espúrios. Pois eu lhes digo. Viva Dilma. Vaia aos vips.”

Augusto de Campos