Thiago Cassis: Domésticas e o resquício da senzala

“Não é porque o doméstico reside na casa que vai poder tomar certas liberdades como se fosse um hóspede”, essa é a primeira frase de Margareth Carbinato, fundadora e presidenta de honra do Sindicato dos Empregadores Domésticos do Estado de São Paulo. Ela fala sobre o filme Que horas ela volta?, de Anna Muylaert.

Por Thiago Cassis*, no Portal da UJS

Que horas ela volta - Divulgação

A matéria do jornal Folha de S.P., traz uma entrevista com Margareth com o título “Não aprendi muito com Que horas ela volta?, diz representante dos patrões".

Quando a gente acha que já leu o pior, vamos percebendo com o decorrer da entrevista que sempre é possível ir além. Segundo a dirigente dos patrões, “está faltando no ser humano cada um saber o seu lugar”, seria essa última colocação uma crítica a Lei Áurea?

Margareth afirma que gostou da personagem Barbara, a patroa do filme, “porque ela foi até onde suportou e não ofendeu”. Será que ela assistiu a um filme em que a patroa compara a filha da funcionária com um “rato”, quando ousa entrar na piscina? Nesse ponto da entrevista percebemos que os parâmetros para definir o que é ofensa podem ser muito flexíveis para determinadas pessoas.

Segundo ela, em um determinado momento da entrevista, e em clara referência à chamada “PEC das domésticas”, que garante os direitos para quem fornece esse tipo de serviço, “o empregador tem que se conscientizar de que precisa ter os documentos porque a realidade é outra, não é mais aquela relação que anos atrás era mais próxima”. Relação mais próxima quer dizer menos direitos para os empregados?

Na entrevista ainda cabem ataques à ocupação de movimentos de moradia no centro, uma série de outras críticas às novas regulações da profissão de doméstica, e em um “momento Barbara” ela afirma “quem nunca comeu mingau, quando come se lambuza”. Aqui temos talvez um dos momentos mais preconceituosos da entrevista, e que ao mesmo tempo escancara o incômodo das classes hegemônicas em relação à ascensão dos trabalhadores.

É o embate que vemos nas ruas, o embate que vemos nas universidades e aeroportos, e que apenas confirmam a necessidade de obras como Que horas ela volta?, capazes de escancarar esses conflitos e tirar o ódio e o preconceito dos condomínios fechados e para trazê-los às ruas e às páginas dos jornais.

Se Margareth Carbinato não aprendeu nada com o filme, nós aprendemos muito sobre ódio de classe com sua entrevista.