Acentuar denúncia da violência pode ajudar na busca de soluções 

A tentativa de redução da maioridade penal e de revogação do Estatuto do Desarmamento são dois exemplos do ambiente regressivo no parlamento brasileiro, particularmente na Câmara dos Deputados. Para reverter essa abordagem, considerada negativa para o combate a violência no país, “é preciso acentuar a denuncia das violências”, sugere o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), que tem acompanhado os debates na Câmara sobre a questão do combate a violência. 

Acentuar denúncia da violência pode ajudar a busca de soluções - Agência Câmara

Do outro lado do prédio do Congresso, a senadora Lídice da Mata (PSB-BA), que participa das discussões sobre o assunto no Senado, reforça as preocupações do colega deputado. Ela vê com apreensão as articulações da Bancada da Bala em defesa de uma pauta conservadora, que atende aos interesses dos fabricantes de armas.

Os dois parlamentares participam de Comissões Parlamentares de Inquérito – na Câmara e no Senado, respectivamente -, que investigam a violência contra a juventude negra. Nos debates, nas denúncias e nas estatísticas que circularam no âmbito das comissões, que percorrem o país ouvindo a sociedade civil e organizações sociais, o jovem negro e pobre é apontado como a principal vítima da violência existente no Brasil.

Apesar disso, a abordagem que se faz, a partir dos debates conduzidos pela Bancada da Bala, é de que o combate a violência deve ser feito na forma da repressão, de medidas policiais e de criação de novos tipos penais ou de agravamento de penas.

Para Orlando Silva, essa abordagem é equivocada. E ele não poupa críticas “as tentativas fáceis e rápidas” de combate à violência: “É um debate enviesado, precário”, insiste, ao destacar que “a violência é um fenômeno complexo e toda tentativa de solução fácil e rápida tende a jogar o país e os governos em erro.”

Raízes do problema

“Não se debate o tema da violência no seu conjunto. Não se reflete nas raízes desse fenômeno. Não se discute sobre mecanismos que permita a prevenção desse fenômeno”, explica o deputado, para quem “o debate sobre a violência no Brasil, que é relevante, é extremamente precário no âmbito do Legislativo, porque é controlado por setores vinculados a repressão, a segurança pública e aos interesses da indústria armamentista.”

As duas CPIs que investigam a violência contra a juventude negra identificou que as causas são a pobreza que impede oportunidades para a juventude, que se torna essa população vulnerável , de 16 a 29 anos, alvo fácil para o crime organizado, que se junta ao racismo institucional .

“Definido o território onde a violência ocorre, na periferia das grandes cidades, torna possível a formulação de um suspeito que é racialmente e territorialmente definido; todo jovem negro e pobre é tratado como suspeito”, afirma a senadora.

Para Orlando Silva, a CPI na Câmara que investigou a violência contra a juventude pobre e negra no país, da qual foi vice-presidente, “foi um hiato de racionalidade nesse debate, porque esse debate é conduzido na Casa pela Bancada da Bala, que tem no reforço da ação policial e na repressão o fundamento da sua agenda.”

Nova abordagem

Não é simples ter outra abordagem da questão da violência no país, avalia o deputado. “Pela correlação de forças e pelo perfil dos deputados eleitos, dificilmente teremos a reversão dessa abordagem, ela só ocorrerá com o diálogo com os movimentos sociais, com a sociedade civil organizada, com as entidades de direitos humanos e mesmo com o governo”, afirma o parlamentar.

Novamente a senadora Lídice da Mata (foto) concorda com o colega deputado. Os dois defendem uma posição mais firme do governo ao pautar os temas que possamos ter uma abordagem mais ampla do combate a violência, “respeitando a cidadania, garantindo direitos e sobretudo prevenindo, que é o tema chave da questão”, destaca Orlando Silva.

“O governo tem que assumir essa tarefa como sua. O Plano Nacional de Redução de Homicídios está sendo implantado muito lentamente, podemos dizer que não saiu do papel como política pública nacional e é preciso incluir nesse plano nacional, ações específicas contra a letalidade contra jovens”, diz a senadora, que preside a CPI da Violência contra a Juventude Negra.

Sociedade armada

“Há, no nosso debate, uma identificação de que mortes por armas de fogo nem sempre são de armas importadas, mas de pequenas armas, fabricadas no país, e portanto é necessário discutir uma política clara, como plano de governo, de política pública visando a redução da violência e letalidade de jovens brasileiros”, diz a senadora, criticando a proposta da Bancada da Bala de revogar o Estatuto do Desarmamento.

“É (uma proposta) danosa, que vem de segmentos da população que tem compromisso com fabricantes de armas”, avalia a senadora, destacando que “há comprovação estatística de que a partir do Estatuto do Desarmamento houve uma redução de morte por arma de fogo, que é a principal causa de mortes violentas no país”, insiste Lídice da Mata.

“É um desastre a tentativa de revogação do Estatuto do Desarmamento; na prática vai rearmar a sociedade e armar mais a sociedade significa tencionar mais a sociedade, elevar o risco de armar o crime, porque a fonte fundamental de armas para o crime é de cidadãos iludidos de que portando uma arma estão mais seguros”, reforça Orlando Silva.

Aumentar as denúncias

A fala dos parlamentares também coincide na avaliação que fazem do papel do Congresso nesse ambiente político geral do Brasil, que é conservador. “Vivemos um ambiente regressivo e o debate sobre violência nesse ambiente, com horizonte e perspectivas conservadoras, só se traduz em iniciativas conservadoras. É preciso trazer mais a vida, a realidade prá cá, acentuar a denuncia das violências”, sugere Orlando Silva, seguido por Lídice da Mata, para quem o parlamento pode ajudar denunciando a situação.

“A CPI cumpre esse papel, de denuncia, de debate, de articulação, de investigação das causas e de apresentação de proposições legislativas que possam contribuir com a luta pela redução da violência contra os jovens em geral e , em especial, o jovem negro”, avalia a senadora.

O deputado destaca o exemplo de São Paulo, estado que representa, onde “nunca se matou tanto e nunca a letalidade policial alcançou patamar tão elevado. E há nítidos sinais de que o governo (estadual) desistiu das iniciativas que procuravam corrigir equívocos por parte da política. É a falência do Estado, parece um descontrole do Estado com relação as forças policiais”, afirma Orlando.

Para ele, “a denúncia dessa realidade pode criar um ambiente para que a sociedade se mobilize e a gente possa reverter a realidade que é muito negativa.” Ele diz ainda que, apesar das dificuldades, “não podemos ‘jogar a toalha’, temos que seguir fazendo o debate.”

Posições avançadas

Ele lembra que apesar do ambiente regressivo na Câmara, outras instituições brasileiras, seja Senado, Executivo ou Judiciário, podem dar contribuição no combate à violência. E cita o caso do projeto de redução da maioridade penal, que foi aprovada na Câmara, mas o Senado não deu curso à medida. Também destacou como grande contribuição a matéria que está sendo examinada no Supremo Tribunal Federal (STF) que descriminaliza o porte de drogas para uso pessoal .

“O porte de drogas para uso pessoal tem grande impacto no combate a violência, por que grande parte dos que estão no sistema prisional é em função do tráfico de drogas e muitas vezes o que é caracterizado como tráfico é mero porte para uso pessoal”, explica o deputado, destacando que “o ambiente da Câmara está ruim, mas não expressa todo o Estado brasileiro; há outros setores que tem posição mais avançada.”

A senadora Lídice da Mata também tem exemplo de avanços no combate à violência. Ela cita o trabalho das mulheres no parlamento no combate a violência doméstica contra as mulheres, que resultou na aprovação da Lei Maria da Penha. “Uma contribuição extraordinária, com legislação inovadora, inclusive referência mundial”, destacou.