Seminário internacional debaterá no Brasil a privatização da educação

A professora Maria Clotilde Lemos Petta*, da PUC-Campinas escreve artigo sobre o comportamento de empresas de educação que visam o lucro em detrimento da qualidade do ensino, como ocorre com o grupo Pearson, que é objeto de sua análise.

O texto serve como subsídio para o seminário internacional “Os diferentes modos de privatização da educação no mundo e as estratégias globais e locais de enfrentamento”, que ocorre entre os dias 21 e 24 de setembro, no Hotel Braston, em São Paulo (SP), promovido pela Contee, em parceria com a Internacional de Educação (IE) e as entidades nacionais dos trabalhadores da educação brasileira – CNTE e Proifes-Federação.

Entre as propostas para combater a prática, ela lembra da campanha que a IE lançou recentemente, “Unámomos por la Educación Publica”, que pretende ser um instrumento no enfrentamento global dos trabalhadores em educação frente ao crescente comercio educativo.

Leia abaixo o artigo na íntegra e a programação completa do seminário (anexo).

Pearson: escolas de baixo custo na África e presença no Brasil

“Unámonos por la Educación Publica”

As últimas décadas de neoliberalismo têm sido marcadas, em âmbito global, pelos ataques aos direitos sociais, incluindo a educação. A formação de grandes conglomerados educacionais transnacionais coloca o risco de desmantelamento da educação pública provocando o rebaixamento da qualidade da educação e a precarização das condições de trabalho e salário dos trabalhadores da educação. Mesmo em países com forte tradição de escola pública, estatal, gratuita e de qualidade elevada, medidas neoliberais atingem de forma profunda a educação como direito a ser assegurado pelo Estado e reforçam a implementação da educação como mercadoria. Em decorrência, aprofunda-se ainda mais as injustiças e a desigualdade social quanto ao acesso e a qualidade da educação em diferentes países.

Neste contexto, educadores e estudantes resistem à privatização e mercantilização da educação. O que está em disputa em escala global é a própria concepção de educação e do papel do Estado na educação. Conhecer e aprofundar o conhecimento deste processo é condição básica para a necessária e urgente formulação de novas estratégias sindicais do movimento internacional dos trabalhadores em educação. Algumas questões desafiadoras são colocadas. Como organizar e representar os trabalhadores em educação frente aos impactos da globalização neoliberal? Como fortalecer o movimento em defesa da educação pública ameaçada internacionalmente pelo avanço do processo de privatização e da inserção da educação como mercadoria no circuito financeiro internacional?

Denúncia: Pearson e as escolas de baixo custo na África

A Contee participa de diferentes fóruns das organizações sindicais nacionais e internacionais dos trabalhadores em educação na busca da unidade da luta de resistência ao neoliberalismo. Nesta perspectiva, no final de julho deste ano (2015) uma delegação da Contee teve a oportunidade de participar do 7º Congresso Mundial da Internacional da Educação (IE), realizado na cidade de Otawa, Canadá. Esse Congresso que reuniu cerca de 1700 delegados aprovou resoluções importantes em defesa da educação pública e regulação da educação privada, reforçando bandeiras de luta que a Contee defende desde sua fundação (1991).

Neste congresso, entre as graves denúncias das ações das grandes corporações educacionais no sentido do desmantelamento da educação pública, mereceu repúdio dos delegados presentes a criação das chamadas escolas de baixo custo (LPF-sigla em inglês) na África. O professor Prachi Srivastava da Universidade de Otawa,um dos melhores especialistas mundiais neste modelo de escola fez uma explanação sobre como um grande grupo britânico Pearson, está implantando este modelo de escola em países como India,Filipinas,Quenia e Ghana. Segundo o professor, embora as LFP sejam apresentadas com a promessa de oferecer uma qualidade superior as públicas, na realidade, observa-se um maior rebaixamento da qualidade, com contratos temporários de professores não qualificados, com salários extremamente baixos. E que, embora sejam dirigidas à população de baixa renda, as taxas chegam a representar até 40 % da renda familiar.

Pearson no Brasil

Esta denúncia chamou a atenção especial da delegação brasileira, presente no Congresso, pois o grupo Pearson atua no Brasil desde 2007 e, nos últimos anos, tem ampliado muito sua presença no país. Quando iniciou suas atividades no Brasil sua ação era focada na parceria com universidades e instituições com um catalogo de livros de referência no mercado, com conteúdo e recursos tecnológicos e pacotes completos para o ensino a distância. Em 2010, a companhia comprou a divisão de aprendizagem do Sistema Educacional Brasileiro (SEB) por 497 milhões de dólares. Com isso, passou a ser a proprietária das marcas de Sistema de Ensino – COC, Dom Bosco, Pueril Domus e Name (Núcleo de Apoio a Municípios e Estados). Este núcleo iniciou suas atividades em 1999, estabelecendo parcerias pedagógicas com governos municipais e estaduais, atuando na educação pública e privada de 140 municípios brasileiros.

Neste processo, a Pearson declara que hoje que é presente em mais de duas mil escolas no Brasil, e que atinge 500 mil alunos pelas escolas parceiras. Já em Idiomas, com a aquisição do grupo Multe, a Pearson também é líder em cursos de inglês e profissionalizantes, com marcas como Lizardo, Áziga, Still, Wall Street Engolis, Quatro, Microlins e S.O.S.; e pela Casa do Psicólogo oferece assessoria, avaliações educacionais e psicológicos, ampliando o impacto em 880 mil alunos brasileiros.

Não bastasse toda esta amplitude de ação, no início do mês de agosto deste ano (2015) foi destaque na mídia que o Pearson vendeu suas ações do Financial Times e The Economista, pois pretende concentrar seus investimentos no setor educacional dos países emergentes, incluindo o Brasil. A atuação de grupos como o Pearson só reforça o quanto é preocupante não haver no Brasil limites a ação destas corporações transnacionais.

Campanha: “Unámomos por la Educacion Pública”: contra o comércio educativo

Nesta perspectiva, a Contee considera importante que a IE tenha no seu último Congresso aprovado a campanha “Unámomos por la Educación Publica”, que pretende ser um instrumento no enfrentamento global dos trabalhadores em educação frente ao crescente comercio educativo. A Contee reforça essa campanha, entendendo que para que ela atinja seus objetivos é fundamental que se estabeleça uma ampla aliança com todas as organizações sindicais e forças sociais comprometidas com a defesa da educação pública.

O grande desafio é a construção da unidade internacional e latino-americana dos trabalhadores em educação através de ações de enfrentamento a privatização e comercialização da educação. O que implica no fortalecimento de um movimento unitário do movimento sindical internacional, com base numa plataforma comum antineoliberal. O que está em jogo é o papel do Estado em assegurar uma educação de qualidade e a defesa da educação como fator estratégico na construção de países soberanos e democráticos.