Defesa nacional: tema estratégico para o Brasil

A Política de Defesa e Projeto Nacional de Desenvolvimento foi tema de seminário realizado em junho de 2012 pelas fundações Maurício Grabois, do Partido Comunista do Brasil (PCdoB); Perseu Abramo, do Partido dos Trabalhadores (PT); João Mangabeira, do Partido Socialista Brasileiro (PSB); e Leonel Brizola–Alberto Pasqualini, do Partido Democrático Trabalhista (PDT). 

Seminário Defesa Nacional fundação Maurício Grabois

O evento teve como objetivo debater e aprofundar a compreensão do papel estratégico que o tema assume diante da nova realidade do Brasil no cenário internacional. Neste especial sobre Defesa Nacional, o Portal Vermelho resgata algumas intervenções feitas pelas lideranças partidárias e especialistas no evento, entre as quais, o então ministro da Defesa, Celso Amorim.

Amorim destacou que o conhecimento, o acompanhamento e a discussão da política de defesa pelos partidos e, de forma mais ampla, pelo Congresso Nacional, é um elemento indispensável para a equação da defesa do Brasil do século XXI, que conjuga país democrático com país forte. O envolvimento civil na política de defesa é fundamental para esse equilíbrio virtuoso, disse ele.

A Estratégia Nacional de Defesa, documento que tem orientado as ações do governo na área, deve ser cada vez mais conhecida e debatida, afirmou. “Não se discute a política de defesa brasileira sem discutir os destinos do Brasil e do mundo”, analisou.

Redistribuição do poder mundial

Para Amorim, o Brasil do século XXI aprendeu a conjugar desenvolvimento econômico com inclusão social em um marco plenamente democrático. “Esse novo modelo permitiu ao país exercer com sucesso uma política externa ativa e altiva, que nos tem alçado a uma nova estatura internacional”, considerou.

Celso Amorim comentou a situação do Irã e o posicionamento do Brasil naquele período de 2012, que se mostrou acertada atualmente. “Recordo o recente chamamento da Presidenta Dilma Rousseff: ‘Em vez da retórica agressiva, que se use, diante do Direito Internacional, o direito de os países usarem energia nuclear para fins pacíficos, assim como nós fazemos’. Uma solução duradoura para o caso envolverá não apenas a retomada de negociações com o Irã, mas – creio – um processo mais abrangente de estabelecimento de uma Zona Livre de Armas Nucleares no Oriente Médio, que leve à eliminação dos arsenais nucleares já existentes na região, eles mesmos causa de receio pelos países da vizinhança que não detêm armas nucleares”, afirmou.

Na época, o ministro indagou: "A questão que se apresenta é: a que padrão de interação internacional esses eventos apontam no sistema multipolar que se vai formando na presente década? Um padrão em que prevalece o conflito ou um padrão em que prevalece a cooperação?"

E acrescenta: “Beneficiamo-nos enormemente da paz, e não devemos nos enganar sobre o impacto sistêmico da guerra. Tampouco devemos nos iludir com as consequências do intervencionismo – ainda que sob pretexto humanitário”.

Cooperação e dissuasão

Segundo Amorim, evitar a desagregação sistêmica pelo conflito generalizado deve ser a primeira preocupação dos países interessados na preservação da segurança global. “Normas de conduta negociadas de forma legítima e válidas para todos os países, inclusive e especialmente na área da segurança internacional, que incluem a não-intervenção, constituem o sentido do multilateralismo, que é complemento indispensável da multipolaridade se quisermos construir um mundo pacífico e minimamente justo”, disse o ministro.

Para Amorim, “o Brasil deseja uma multipolaridade que, à falta de outro nome, poderíamos denominar ‘orgânica’”. “Nela, o sistema internacional é fortalecido pela diversidade política de seus membros e pela integridade das normas que regem as relações entre eles”, disse. Segundo ele, as causas do desenvolvimento econômico e do progresso social avançam na esteira da prevalência da cooperação entre os Estados. “Essa visão da evolução recente da segurança internacional e de nossa aspiração a uma multipolaridade orgânica fornece, como disse, a orientação para o conjunto de ações tomadas sob a égide da defesa nacional”, afirmou.

A política de defesa do Brasil, disse ele, combina cooperação e dissuasão. “A maior contribuição que podemos dar à construção da multipolaridade orgânica, na área da defesa, é seguir trabalhando para a construção dos mais altos níveis de confiança e de cooperação na América do Sul”, asseverou.

Ele enfatizou que o papel da integração latino-americana. “A integração regional avança em pelo menos três níveis: com o Mercosul, a Unasul e a Celac", frisou.

Base industrial sul-americana

Na época, Amorim destacou que a Unasul possibilitou não apenas ganhos comerciais e econômicos a seus membros, mas também o incremento da segurança. “O Conselho de Defesa Sul-americano revelou-se de grande valia na resolução de divergências que os países da América do Sul enfrentaram coletivamente. O Conselho incorporou ao quadro da integração o temário da cooperação em defesa, balizado pelos princípios da transparência e da confiança”, disse.

A criação de uma base industrial de defesa sul-americana, segundo Amorim, dará ainda maior concretude a esse objetivo, contribuindo também para o propósito, inscrito na Estratégia Nacional de Defesa, de reorganização da indústria de material de defesa brasileira. "A base industrial sul-americana é estimulada pela compra e venda de material de defesa, como ocorre, por exemplo, pela aquisição, por nossos vizinhos, de aeronaves Super Tucano, e, pelo Brasil, de lancha blindada fluvial colombiana, disse.

A integração em defesa ocorre, sobretudo, pela complementação de cadeias industriais. “Cito o exemplo emblemático do avião cargueiro-reabastecedor KC-390, da Embraer, produzido em associação com países amigos”, lembrou.

Novos agrupamentos

O ministro também comentou sobre o incremento feito pelo Brasil na cooperação com os países africanos. “A África tem enorme importância estratégica para o Brasil. Costuma-se esquecer que a distância do Recife ou de Natal até Dacar é menor que a dessas cidades a Porto Velho ou Rio Branco, ou que nossa Zona Econômica Exclusiva no Atlântico não está a grande distância daquela de Cabo Verde. Um exemplo de cooperação bem sucedida, no caso da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, é a Operação Felino, um exercício militar que aproxima as Forças Armadas dos países de língua portuguesa e possibilita o conhecimento mútuo e o aprofundamento da concertação”, afirmou.

Já naquele período era destacado o o papel estratégico dos novos agrupamentos, como o BRICS, cujas potencialidades na área de defesa começam a se desenhar. “Com a África do Sul, estamos construindo um míssil ar-ar de quinta geração, o A-Darter. O projeto do avião Embraer 145 com radar indiano é um catalisador para a cooperação em defesa com a Índia. São dois exemplos que vêm somar-se a outros, em áreas afins (ainda que não estritamente de defesa) com Rússia e China”, disse.

Amorim lembrou que o Brasil e a América do Sul detêm enormes reservas minerais, vegetais, energéticas, de água, de biodiversidade, além dos recursos humanos. “Graças entre outras a ação do Barão de Rio Branco, permita-me citá-lo, como diplomata já aposentado, não temos disputas territoriais de qualquer sorte e somos favorecidos pela manutenção de uma paz centenária em nossa vizinhança”, afirmou. “Nossa relação com os vizinhos é pacífica; dela devemos cuidar com toda atenção e carinho”, asseverou.

Amorim elogiou a proposta do seminário de debater politicamente a defesa nacional. Para ele, esse tema é um aspecto central da defesa da democracia. “A liderança civil das Forças Armadas é hoje objeto de um consenso nacional tranqüilo e amadurecido”, afirmou. Ele ressaltou o reconhecimento da sociedade brasileira do valor das suas Forças Armadas e enfatizou o papel positivo do Congresso Nacional quando se discutiu a lei de incentivo à indústria nacional de defesa.

O aporte da academia também tem sido crescente, segundo o ministro. “Há um esforço de aproximação da temática de defesa do país ao centro de produção do conhecimento. É natural, portanto, que os partidos entrem a fundo nessa discussão. A questão do reaparelhamento das Forças Armadas em um nível condizente com um novo papel do Brasil no mundo e com a política externa soberana ativa e altiva que foi aqui mencionada deve ser vista nesse contexto”, afirmou. Amorim encerrou conclamando o engajamento da sociedade no debate sobre a política de defesa, segundo ele fundamental para um país cada vez mais democrático e mais forte.

Roberto Amaral

Roberto Amaral, fundador do PSB, também participou do evento. Ele destacou que o conceito de interesse nacional é menos ditado unilateralmente porque depende do reconhecimento das demais soberanias, a começar pelos vizinhos.

“A geopolítica contemporânea nos diz que há países mais soberanos do que outros”, afirmou. Citou que nos Estados Unidos essa definição remonta ao complexo industrial militar e ao sistema financeiro.

Para Amaral, o debate sobre o conceito e a visão estratégica de defesa nacional foi postergado no Brasil porque a produção de conhecimento ficou restrita a algumas instituições militares e técnicas. Seja qual for a instituição, afirmou, haverá sempre a questão crucial: como estabelecer os limites da soberania? Citou “o ensinamento do falecido Império Britânico, tanto quanto do vigente império norte-americano, para cuja Marinha seu mar territorial são todos os mares azuis do mundo onde estiver o interesse nacional deles”.

Segundo Amaral, estratégia significa longo prazo e implica em meios necessários à inserção do Estado nacional na ordem internacional. Implica disputa de espaço, que jamais se altera no plano da retórica. “O interesse nacional dialoga com outro interesse nacional e quase sempre se choca com os projetos de hegemonia regional”, afirmou, citando os exemplos da União Européia, segundo ele um apêndice dos Estados Unidos.

Amaral comentou o papel do Brasil democratizado, que assumiu a liderança de um sub-continente que se libertou das amarras da Guerra Fria ao derrubar as ditaduras e livrar-se do “cantochão do neoliberalismo” para assegurar a emergência de governos populares e progressistas, comprometidos com o desenvolvimento, com a inclusão social e com a integração regional. “É chegada, pois, a hora de, com todo cuidado possível, trazer a discussão para o âmbito nacional”, asseverou.

Citou a extensão continental do Brasil, sua substantiva massa populacional, as riquezas naturais, o desenvolvimento industrial, a potência da agricultura, a unidade cultural e, principalmente, a ascendente inserção internacional política e econômica para alertar que o país faz fronteira com a geopolítica e a estratégica dos Estados Unidos. E ressaltou que o Brasil é retardatário no ingresso ao capitalismo, ao desenvolvimento econômico, à condição de sujeito no cenário internacional e ao desenvolvimento científico e tecnológico para constatar que é dramática a fragilidade das Forças Armadas brasileiras.

Para ele, é impossível pensar em política de defesa do ponto de vista estritamente militar. “A política de defesa fundamenta-se, antes de tudo, em elementos culturais e ideológicos. E depende da adesão da cidadania, porque a guerra é, ao fim e ao cabo, uma decisão política. As Forças Armadas aptas do ponto de vista tecnológico deverão ser concebidas a partir da vontade nacional, de sua visão do projeto estratégico coletivo. Os valores nacionais são oferecidos por sua formação de povo, nação e país, pela sua cultura, pela sua história”, afirmou.

Segundo Amaral, as Forças Armadas deverão estar condicionadas pelo que chamou, “precariamente”, de projeto nacional, do papel que o país escolhe para se inserir no concerto das nações. “Esse condicionamento reclama a necessidade urgente de sua reformação, de rever conceitos, objetivos, missão, papel, estrutura de armamentos e, acima de tudo, a formação de seus oficias”, afirmou. “Nosso projeto fundamental é ultrapassar a condição periférica e a estratégia é o avanço da relação Sul-Sul, tendo como ponto de partida a América do Sul”, destacou, recorrendo à Constituição que em seu artigo 4º afirma que “A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações”.

Representando o PT, Elói Pietá afirmou que o seminário representou um marco sobre o tema, mas destacou a resistência “dos que foram apeados do poder político”. Citou setores da grande mídia, que advogam outra política para o país, diferente da que formou a nova coesão nacional. “Nessas novas bases de união em torno do interesse nacional, estamos discutindo a junção de estratégia nacional de desenvolvimento com distribuição de renda e soberania nacional”, afirmou.

Francisco Leite filho, representando a Fundação Leonel Brizola–Alberto Pasqualini, fez um breve histórico do compromisso nacional do PDT e comentou que qualquer política de defesa terá de ser assegurada por uma aliança regional nos aspectos econômico, cultural, ambiental, comercial e comunicacional. Segundo ele, a Unasul já deu os primeiros passos nessa direção. Lembrou que o intercâmbio comercial quase decuplicou com alguns países da região, como a Argentina, a Venezuela e a Colômbia.

Mídia

Citou que a regulação da comunicação, que já avançou muito na Argentina, na Bolívia, no Equador e na Venezuela, empacou no Brasil, o que não mudou no atual cenário. “Nenhum modelo será capaz de governar com o assédio implacável dos meios de comunicação pairando acima das instituições e tendo como único fim interesses financeiros e oligopólicos”, afirmou. Para Francisco Leite Filho, trata-se de uma situação antiga, atávica, secular. “Aqui no Brasil, os recentes episódios, os factoides que viram crises institucionais, dão bem a demonstração do nosso atraso nessa matéria em relação a outros países”, lembrou.

Para ele, os mexericos, as frivolidades e os escândalos impedem o país de discutir questões de fundo e as propostas para elas. “Nós, por exemplo, formos muito marcados, principalmente o Brizola, por causa dessa marginalização, desse ataque da mídia”, comentou. Citou o caso do Enem, atacado por interesses empresariais incrustados na mídia. Lembrou que a Telesul, um projeto multiestatal com a participação da Venezuela, da Argentina, do Uruguai, de Cuba e da Bolívia, vem há cinco anos enfrentando os monopólios mundiais.

Outro ponto destacado por Francisco que continua atual foi a internet e as redes sociais. apesar de serem espaços importantes, disse ele, 90% das conexões são controladas por Miami. “Isso porque não investimos em fibra ótica”, opinou. Segundo Francisco, os governos da Argentina e da Venezuela estão cobrindo seus países de fibra ótica e internet sem fio de graça.

Programa nuclear

A segunda mesa debateu o tema “Projetos Estratégicos de Defesa”. Othon Luiz Pinheiro da Silva, então presidente da Eletronuclear. Ele fez um breve histórico da energia nuclear no Brasil e comentou que a defesa nacional é essencial do ponto de vista econômico e do desenvolvimento do país. Segundo ele, a indústria da defesa é essencial por sua capacidade de inovar. Mas ressalvou que os investimentos precisam ser equalizados para garantir o desenvolvimento de outras áreas, além da militar, e não vulnerabilizar a economia.

Othon Luiz Pinheiro da Silva citou o exemplo da União Soviética, que, ao não priorizar o entrosamento entre a capacidade de defesa e o cotidiano da sociedade, fragilizou a economia. Lembrou que esteve no país dos sovietes e visitou um centro de pesquisa avançado na área de defesa, ao mesmo tempo em que outros setores da economia estavam absurdamente defasados tecnologicamente.

No caso brasileiro, lembrou o exemplo do submarino nuclear, que ganhou impulso quando o então ministro da Defesa Waldir Pires entendeu a sua importância e convenceu o presidente Lula a dar prioridade ao projeto. Para ele, a “vergonha” de dizer que se trabalha para a defesa do país atrapalha os projetos em desenvolvimento. “Um projeto de míssil vira sonda para medir temperatura”, exemplificou. “Temos de ter orgulho de dizer que é defesa”, enfatizou.

Desenvolvimento

Rex Nazaré, físico e especialista em energia nuclear, diretor de Tecnologia da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), fez a intervenção destacando que a Estratégia Nacional de Defesa é inseparável da estratégia nacional de desenvolvimento. Portanto, não basta dispor de reservas de combustíveis. Tem de dominar a tecnologia, disse. “Se considerarmos o conceito mais amplo de defesa, temos de ver a defesa da alimentação, da saúde e do território”, afirmou.

Os projetos de estratégia de defesa, segundo Rex Nazaré, devem ter independência. Ele comentou que a grande dificuldade na área nuclear é a escassez de recursos humanos. Como há dificuldades para transferência de tecnologia, o Brasil deve valorizar sua reserva de urânio, suas duas usinas em operação e uma terceira em construção, além do ciclo de combustível nuclear com as tecnologias dominadas, defendeu.