Villas Bôas: Amazônia, desafios e soluções

“… se não te apercebes para integrar a Amazônia na tua civilização, ela, mais cedo ou mais tarde, se distanciará, naturalmente, como se desprega um mundo de uma nebulosa – pela expansão centrífuga de seu próprio movimento”. A frase é de Euclides da Cunha.

Por General Eduardo Dias da Costa Villas Bôas*

Amazônia - Reprodução

Euclides da Cunha, dez anos depois de voluntariamente dar baixa do Exército, foi nomeado pelo Barão do Rio Branco para chefiar a Comissão Brasileira de Limites com o Peru, que de abril a novembro de 1905 percorreu o Rio Purus. Essa atividade era ainda parte dos trabalhos por meio dos quais o Brasil buscava consolidar as fronteiras onde mais tarde seria criado o Estado do Acre.

Em meio às vicissitudes inerentes a um trabalho dessa natureza, mormente se considerarmos os recursos disponíveis à época, Euclides fez largo uso de seus apurados conhecimentos de ciências naturais, próprios da formação de cunho positivista que a Escola Militar da Praia Vermelha lhe havia proporcionado. Registrou com impressionante riqueza de detalhes o que encontrou, produzindo uma radiografia detalhada da região, no que se refere às características zoobotânicas, mineralogicas, topográficas, hidrográficas e humanas.

Todo esse material foi reunido e apresentado no livro Amazônia Paraíso Perdido (1), onde Euclides antecipou uma preocupação hoje ainda pertinente, a respeito de um possível desmembramento da Amazônia, caso ela não fosse articulada ao restante do país. Sugeria ele, dentre outras medidas, a construção de uma ferrovia que ligasse as cidades de Rio Branco a Cruzeiro de Sul, para romper o isolamento e conectar as Bacias do Purus e do Juruá, antecipando em quase um século o que somente agora está em vias de ser assegurado por meio do asfaltamento da BR 364.

As impressões de Euclides colhidas em sua jornada amazônica foram expressas também no prefácio do livro “Amazônia Inferno Verde”, escrito por seu companheiro de Escola Militar, Alberto Rangel. Da compreensão de que aquele era um mundo ainda em formação, disse ele: “Realmente, a Amazônia é a última página ainda a escrever-se, do Gênesis.”

Parafraseando Euclides da Cunha, diríamos que para o Brasil, a ocupação, a integração e a incorporação da Amazônia à dinâmica de desenvolvimento nacional constituem-se também numa página de nossa história ainda por ser escrita. Trata-se territorialmente da grande tarefa que a nação brasileira tem ainda por empreender, cabendo ao seu povo definir os parâmetros sob os quais essa empreitada será levada a cabo.

O momento em que vivemos é crucial, pois algumas das escolhas que necessitamos fazer acarretarão conseqüências possivelmente irreversíveis, legando às gerações futuras os benefícios ou os prejuízos delas decorrentes. A ocupação seguirá sendo extensiva e empreendida livremente como conseqüência natural de fluxos migratórios ou será conduzida pelo Estado? Privilegiaremos a preservação do meio ambiente ou colocaremos o ser humano como centro e razão de ser dos processos? Seria possível obter o equilíbrio entre ambas as condutas? Os brasileiros de origem indígena serão protagonistas ou permanecerão à margem dos processos? Que prioridade terá a exploração dos recursos naturais? Prevalecerão os interesses nacionais ou permitiremos que posturas internacionalistas a eles se sobreponham? Chamaremos a participar os demais países condôminos da enorme bacia, inclusive no que diz respeito às ações relativas à segurança e ao combate aos ilícitos? Em suma, que modelo a sociedade brasileira pretende adotar para balizar o enfrentamento dessa jornada histórica?

É essencial que a nação brasileira se conscientize da grandeza desse desafio, tornando-se necessário que se busque visualizar o que, concretamente, a Amazônia representa para o Brasil e que papel no futuro lhe está destinado cumprir.

Geograficamente, a Amazônia corresponde a mais da metade do território brasileiro e basta contemplarmos um mapa para entendermos que, sem ela, perderíamos as dimensões continentais, podendo até mesmo modificar traços importantes da identidade nacional e da auto-estima dos brasileiros.

O Brasil com e sem a Amazônia

A consciência cívica nacional já atribui à Amazônia o caráter de um dos mais indiscutíveis símbolos da nossa soberania. Contudo, em pleno século XXI, nosso país não completou sua expansão interna, tendo ainda metade de seu território aguardando por ser ocupado e integrado à dinâmica nacional brasileira. Não logramos consolidar a base física de nossa nacionalidade, tarefa essencial para a qual o Brasil permanentemente canaliza parcela considerável de suas energias. Provavelmente isso explique parte de nossas dificuldades para darmos um sentido de projeto unificador às aspirações nacionais e para a formulação e integração de nossas concepções relativas à defesa, ciência e tecnologia, desenvolvimento econômico e relações exteriores, por exemplo.

Daí decorre também a indefinição de parâmetros para orientar a sociedade brasileira em como escrever o capítulo referente à Amazônia na história do Brasil.

A Amazônia e seus três papéis a desempenhar

Para que se processe uma adequada abordagem sobre as questões da Amazônia, é necessário que se olhe para o mapa do Brasil segundo uma perspectiva de quem lá se encontra. A partir dessa posição, avultam realidades que tornam explícitos papéis fundamentais que a região tem a cumprir para o Brasil, para a América do Sul e para o mundo, impulsionados por dinâmicas que se originam em sua geografia e que projetarão o Brasil a um patamar muito mais destacado no sistema de poder mundial.

O primeiro será o de provocar a elevação, em escala exponencial, do poder nacional a partir do momento em que o país tiver consolidado sua expansão interna, trazendo a Amazônia ao contexto da vida nacional e efetuando a exploração racional de seus recursos naturais, que ainda aguardam uma completa identificação, delimitação e quantificação. Os dados mais recentes, relatados pela revista Exame, edição de trinta de junho de 2008, em matéria da jornalista Ângela Pimenta, indicam que os recursos naturais da região podem chegar à impressionante cifra de vinte e três trilhões de dólares; quinze deles decorrentes dos recursos minerais e oito proporcionados pela biodiversidade. Vê-se que o Brasil dispõe de riquezas capazes de elevá-lo à condição de potência mundial e, principalmente, de solucionar os problemas que afligem nossa população, não só nos livrando da pobreza como, também, eliminando as desigualdades sociais e os desequilíbrios regionais.

O segundo, de larga contribuição para a vocação natural de liderança continental, da qual não nos podemos furtar, repousa na condição de plataforma física em cujo entorno se consolidará a integração sul-americana. A Amazônia Brasileira faz fronteira com sete países, tem acesso a três oceanos – Atlântico, Mar do Caribe e, dentro em pouco, ao Pacífico – e conecta-se com o Altiplano Boliviano e, no Brasil, com as Regiões Nordeste e Centro-Oeste.

Esse processo, à medida que avance, por meio da construção de uma indispensável infra-estrutura de transporte e de comunicações, provocará o crescimento exponencial da importância relativa da Amazônia no contexto continental. É previsível ainda que cidades como Belém e Manaus, em função da localização, a primeira como porta de entrada da densa malha fluvial e a segunda pela posição geográfica central, venham a consolidarem-se como pólos industriais, tecnológicos, logísticos e de serviços em geral.

O terceiro, por fim, decorre das condições e da vocação que a Amazônia ostenta de proporcionar solução para os principais problemas que afligem a humanidade e que já adquirem dimensões de verdadeiras crises mundiais: mudança climática, meio-ambiente, energia e água.

Esses três papéis, por si só, ensejam razões de sobra para que o Brasil passe a enfocar de forma mais concreta e objetiva as questões relativas à região.

Sem receio de estar adotando posturas passíveis de serem rotuladas como alarmistas, ou de estar formulando teorias conspiratórias engendradas em países centrais, é lícito, legítimo e até mesmo obrigatório, para todos os que participam da formulação de políticas e estratégias para a Amazônia, levar em conta eventuais pressões externas, diretas ou indiretas, baseadas em argumentos verdadeiros ou alegados, objetivando obstar a consolidação de projetos fundamentais para o Brasil.

Conquista, ocupação e defesa

Do ponto de vista histórico, a conquista e a ocupação da Amazônia adquirem caráter de epopéia, a partir do inventário do sangue derramado no enfrentamento de desafios gigantescos, advindos de ameaças externas, da ação de aventureiros ou do próprio meio ambiente, que exigiu heroísmo comparável à bravura dos sulistas no traçado dos limites com o mundo hispânico.

Foi um longo caminho percorrido, desde a fundação de Belém em 1616, passando pela construção de cerca de trinta fortes, verdadeiros marcos definidores das fronteiras atuais, pela expedição de Pedro Teixeira, pela bandeira de Rapozo Tavares, pela ação dos Capitães Gerais Mendonça Furtado e Lobo D’Almada, pela defesa do Amapá, pela revolução do Acre, até a Estratégia da Presença, materializada por intermédio da trilogia “vida-combate-trabalho e o moderno Sistema de Vigilância da Amazônia.

Deve-se também à saga de brasileiros de todas as origens e regiões, em especial do Nordeste, atraídos para a extração do ouro, da borracha, da castanha, do pescado, da madeira e de tantos outros produtos que trouxeram fundamental contribuição para a economia do país.

Graças à ambição, o senso de grandeza, o domínio perfeito das técnicas de navegação e o senso de ocupação estratégica do território pelos portugueses, culminadas, mais tarde, pela sabedoria geopolítica, a perspicácia e a persistência encarnadas pelo Barão do Rio Branco, o Brasil foi capaz de romper com as restrições impostas pelo tratado de Tordesilhas e chegar aos limites atuais, calcados em fronteiras estáveis e pacificadas. Por essa razão nos é possível desfrutar da condição impar de nos confrontarmos com dez países sem a existência de qualquer questão pendente ao longo dos mais de dezessete mil quilômetros de fronteira.

Quanto à segurança, são inúmeros os problemas com que se defrontam as Forças Armadas no dia-a-dia de suas atividades na Amazônia, e que condicionam fortemente sua organização, preparo e emprego. Contabilizam-se aí a extensa faixa de fronteira, a instabilidade em alguns países vizinhos, as organizações de narco-guerrilha, os ilícitos transnacionais, a biopirataria e o contrabando, as questões indígena e ambiental, ambas de grande apelo junto à opinião pública internacional, a recorrente ameaça de internacionalização, os conflitos fundiários e, por fim, como um grande pano de fundo – por si só o mais grave de todos, por ser ele próprio gerador de algumas dessas ameaças e potencializador de outras – o vazio de poder decorrente da ausência do Estado.

Analisados, sob o ponto de vista militar, esses problemas agrupam-se em três níveis de possíveis ameaças: as oriundas de um poder militar muito superior ao nosso, as que podem advir de poder militar igual ou inferior e, por fim, aquelas decorrentes da situação de vazio de poder governamental. Para fazer face às primeiras, o Exército emprega a Estratégia da Resistência; contra um poder militar igual ou inferior a resposta é dada por meio da estratégia operacional da ofensiva; e, ao vazio de poder, o Exército responde com a Estratégia da Presença, com a qual, tirando proveito de sua capilaridade e de sua estrutura de comando e controle e de logística, procura contribuir para a vivificação e o desenvolvimento.

Contudo, além de não ser sua função precípua, está muito acima de suas possibilidades proporcionar soluções definitivas e estruturais para tão amplo espectro de problemas, se órgãos governamentais, a iniciativa privada e o terceiro setor não participarem intensamente desse processo.

Uma conseqüência natural da presença secular das Forças Armadas na Amazônia e da interação que o convívio diário com a realidade local proporciona aos militares é a de poder testemunhar para a sociedade brasileira a situação vivida pelas populações locais, inclusive pelas comunidades indígenas, que, normalmente, não é percebida pela opinião pública em geral.

Da mesma forma, a longa permanência dos militares na região lhes proporciona a compreensão de que a segurança da Amazônia depende muito mais de ocupação e desenvolvimento do que da ação das Forças Armadas. Vem daí a preocupação com os vácuos de poder decorrentes da criação de extensas e contíguas áreas demarcadas como terras indígenas ou como unidades de conservação ambiental.

É importante ressaltar que as Forças Armadas têm perfeitamente incorporado o reconhecimento da importância de que sejam adotadas medidas urgentes em benefício da preservação ambiental e da proteção das comunidades indígenas, inclusive no que diz respeito à manutenção da identidade cultural daqueles povos.

Há, em conseqüência, entre os militares, o sentimento de que, a par da manutenção da Estratégia da Presença, urge que se que se estruture um projeto para integrar e desenvolver a Amazônia,

Um projeto para a Amazônia

Ao sugerirmos um “Projeto para a Amazônia”, torna-se necessária a consideração de algumas premissas relativas a uma possível metodologia a ser observada em sua formulação.

Em primeiro lugar, que esse projeto seja expresso por meio de uma política, a ser elaborada a partir de amplo debate que envolva todos os atores envolvidos, a fim de que se obtenha a convergência de esforços e o máximo de capacidade de mobilização do potencial nacional. Deve servir de referência geral, balizando estratégias e as ações operacionais decorrentes. O objetivo a ser buscado é o de proporcionar foco e potencializar os efeitos no sentido de oferecer alternativas sócio-econômicas à população que não sejam as de explorar extensivamente a natureza, logrando assim diminuir a pressão sobre o meio ambiente.

Em segundo lugar, em razão de a área amazônica possuir dimensões continentais, onde a aparente uniformidade abriga uma enorme diversidade de contextos geográficos, humanos, econômicos e ambientais, é importante que sejam levadas em consideração as condicionantes geopolíticas. Vários estudiosos já se debruçaram sobre o tema e há, em nosso país, uma abundante literatura a respeito da problemática geopolítica da Amazônia.

Dentre as muitas variáveis geopolíticas a serem consideradas, nos parece que duas merecem especial atenção.

A primeira diz respeito à necessidade de se levar em conta a abrangência da Panamazônia, que transcende até mesmo aos limites naturais da bacia fluvial, já que a rigor as Guianas dela não fariam parte. Contudo, em razão de outros fatores geográficos, como posição, forma, fisiografia e vegetação, são consideradas como a ela pertencentes.

Para concretizar o potencial de integração sul-americano e consolidar sua liderança regional, o Brasil não pode desconsiderar a realidade e as necessidades dos países vizinhos, já que existe uma uniformidade entre os problemas independentemente do lado da fronteira em que ocorrem. As carências sociais e econômicas acentuadas, os ilícitos, os problemas ambientais, a precária rede de transporte, de comunicações e de serviços básicos e o espraiamento de grupos étnicos indígenas por dois ou mais países, farão com que soluções pontuais, levadas a efeito sem considerar a realidade vizinha, acabarão por provocar o surgimento de um fluxo migratório em busca de melhores condições. Consequentemente, estaremos sobrecarregando a nossa infra-estrutura, a exemplo do que já ocorre em alguns pontos da fronteira.

Até mesmo as legislações ambientais necessitam ser uniformizadas, para que a biopirataria e outros ilícitos não encontrem em alguns países o santuário que lhes permita obter legalização de produtos florestais e de exemplares da fauna regional.

A outra variável geopolítica a ser considerada, esta com abrangência interna, diz respeito às características peculiares e às vocações naturais das diferentes mesorregiões que compõem a nossa Amazônia. Grau de humanização, nível de preservação ambiental, potencial econômico, comunidades indígenas e seu grau de integração com a sociedade nacional, infra-estrutura e outros estabelecem necessariamente critérios bastante diferenciados para a elaboração das estratégias e dos projetos a serem implementados.

O exame aleatório de algumas delas ilustra essa conceituação.

O Estado do Acre, por exemplo, está em vias de sofrer um forte impacto em conseqüência da iminente conclusão da rodovia interoceânica, associada à ligação por asfalto entres as cidades de Rio Branco e de Cruzeiro de Sul e à construção das represas de Jirau e Santo Antônio, ambas no Rio Madeira. Uma vez consolidados esses projetos, o Acre ter-se-á constituído tanto em corredor de exportação para toda a bacia do Pacífico, como, ele próprio, dispondo de energia e transporte, transformar-se-á em plataforma de exportação para importantes mercados, como a região da Ásia-Pacífico, inclusive China e Japão e a costa oeste dos Estados Unidos, sem contar as pressões decorrentes de eventuais fluxos migratórios de populações asiáticas, principalmente chinesas, que poderão trazer para localidades como Assis Brasil, no Acre, características semelhantes às de Foz do Iguaçu no Paraná.

Está, pois, a região dos Estados do Acre, Rondônia, Mato Grosso e o sul do Amazonas a requerer medidas de caráter econômico, social, tecnológico, ambiental e de segurança que lhes permita fazer face a essa nova realidade. Exemplificando, se a população local não for contemplada com estrutura que proporcione ensino, elevação do nível cultural e capacitação profissional, estará condenada a ser mantida à margem de um surto de desenvolvimento que inevitavelmente importará do sul do País a necessária mão de obra qualificada, caminhando assim na contramão da diminuição das desigualdades sociais.

Antevendo a elevação da importância estratégica dessa área, o Exército, no bojo do Plano Amazônia Protegida, a ser lançado no corrente ano, em cumprimento à Estratégia Nacional de Defesa, prevê, para médio prazo, o deslocamento de um comando de Brigada de Infantaria de Selva para Rio Branco.

Já a região do Alto Rio Negro, também conhecida como a Cabeça do Cachorro, apresenta realidade totalmente distinta. Afastada das frentes de desmatamento, tem como principal centro urbano e sede do único e extenso município a cidade de São Gabriel da Cachoeira. Do ponto de vista ambiental, praticamente mantém-se intacta e abriga a maior diversidade étnica do país. São 22 grupos distribuídos em mais de 600 comunidades espalhadas em seus 109 mil Km2. Dispõe de enorme riqueza mineral e, em contrapartida, carece de caça e pesca em quantidades suficientes para suprir as necessidades alimentares da população indígena. O desafio que apresenta está em proporcionar atividades que lhes dêem sustento e que, ao mesmo tempo mantenham seu modo tradicional de vida, fixando-os em seu ambiente natural, para evitar a migração para São Gabriel da Cachoeira, com a conseqüente perda da identidade cultural, com efeitos gravíssimos, a ponto de periodicamente produzirem-se suicídios em cadeia entre eles, especialmente entre os mais jovens.

Para essa área o Exército está levando, do Estado do Rio, a 2ª Brigada de Infantaria, a qual contará com o apoio de uma Base Aérea também sendo instalada pela FAB. Tais medidas permitirão reforçar a capacidade de vigilância e proporcionar maior efetividade à Estratégia da Presença.

Assim como o Acre e o Alto Rio Negro, cada uma das demais mesorregiões amazônicas devem ser consideradas em função de suas especificidades, requerendo, em conseqüência, medidas totalmente distintas entre si, em relação aos aspectos econômicos, sociais, ambientais e de defesa.

Uma abordagem geopolítica bastante pertinente, decorrente da interação entre os fatores povoamento, atividade econômica e índice de preservação ambiental, nos é apresentada pela Professora Bertha Becker, titular do Departamento de Geografia da Universidade do Brasil, em seu livro Amazônia: Geopolítica na Virada do III Milênio

(2). Segundo a eminente acadêmica e geopolítica, três ambientes distintos são encontrados na Amazônia: a Região do Povoamento Adensado, que requer uma consolidação do desenvolvimento; a Região da Amazônia Central, onde a ação política deve compatibilizar produção e conservação; e, por fim, a Amazônia Ocidental, que exige vigilância e expansão orientada “como palavras chave para a ação política”. Essa classificação serviu de base para os projetos do Plano Amazônia Sustentável.

Estratégia

Em terceiro lugar, a metodologia requer uma concepção estratégica, para assegurar tanto o atingimento coordenado dos objetivos políticos, como para garantir uma visão de longo prazo e a indispensável abordagem multidisciplinar.

Encontramos no Distrito Industrial da Zona Franca de Manaus um exemplo acabado de projeto com essas características. Seu alcance vai muito além dos benefícios econômicos diretos que um aglomerado de indústrias possa proporcionar, conforme entendem certas visões essencialmente técnicas com origem em outros centros de poder nacional, a ponto de propugnarem a extinção dos benefícios concedidos à SUFRAMA. Não percebem que os ganhos que apresenta vão desde a segurança nacional até a preservação do meio ambiente, passando por fatores relevantes como a geração de conhecimento científico e a projeção do Brasil sobre os demais países da área.

Além da SUFRAMA, restam poucos projetos com enfoques estratégicos, a exemplo do Programa Calha Norte, que tantos benefícios têm trazido aos municípios da faixa de fronteira, desde sua implantação em 1986, e o projeto SIVAM, que baseado em uma infra-estrutura de alta tecnologia vem proporcionando benefícios que vão bem além da simples vigilância militar. Preservação ambiental, previsões meteorológicas, combate a ilícitos, segurança e controle do tráfico aéreo, comunicações e projeção internacional do Brasil ilustram a variedade de efeitos positivos alcançados.

A excelente iniciativa representada pelo Plano Amazônia Sustentável poderá perder efetividade exatamente por não respaldar-se em um projeto, expresso por uma política, e também por carecer de uma concepção estratégica para orientar suas ações.

Papel central do governo federal

Uma condição de êxito essencial repousa no papel central que o Governo Federal tem a desempenhar na elaboração e na execução desse processo. Nenhum outro órgão governamental dispõe da força política necessária para assumir a condução dos planejamentos, exercer a função de indutor, regulador, coordenador e fomentador e, se necessário, até mesmo de executor, bem como para enfrentar as pressões de toda ordem internas e externas. O importante, contudo, está no fato de que o governo federal é a única instância capaz de abrigar sob sua esfera de atribuições todas as instituições com responsabilidade e interesse de atuar na área.

Este requisito decorre também da extensão territorial, do valor das riquezas naturais, da complexidade de seus problemas e também do fato de que toda e qualquer ação, independentemente de sua natureza, trará reflexos para a segurança da área e, por extensão, para a segurança nacional.

Ademais, há que se considerar ainda a repercussão internacional que as questões amazônicas suscitam, sem contar as necessárias ligações com os países vizinhos, o que constitui atribuição exclusiva do Executivo, quer bilateralmente, quer no contexto da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica. Essas questões materializam-se, por exemplo, nas obras relativas à infra-estrutura de integração.

O Executivo Federal é também o único órgão com capacidade de suprir carências próprias da população de determinadas regiões da Amazônia. Seus vinte e três milhões de habitantes representam apenas 12% da população brasileira, o que faz com que mais da metade do território nacional conte com apenas esses mesmos 12% de representação no congresso nacional. Sua rarefação e dispersão provocam a incapacidade de expressar suas demandas, quer sejam econômicas, sociais ou até mesmo políticas. Em conseqüência, é pouco provável que sem a atuação de órgãos públicos, as milhares de comunidades espalhadas pela vastidão amazônica possam ter acesso aos benefícios proporcionados pela infra-estrutura e pelos serviços essenciais.

Pragmatismo

Culminando, é necessário que todo esse processo se respalde em um patamar mínimo de pragmatismo, para livrá-lo de condicionantes ideológicos, alheios à realidade e aos interesses da população amazônica.

Presentemente, há um generalizado desconhecimento da realidade amazônica por parte da população brasileira em geral. Como resultado, a sociedade torna-se suscetível à desinformação que se processa por meio da ampla difusão de um discurso “politicamente correto”, calcado em idéias estereotipadas e geradas em outros contextos históricos, econômicos e sociais, o que nos conduz a uma compreensão incorreta das opções a adotar com vistas ao equacionamento de seus inúmeros problemas.

Como conseqüência, em qualquer tipo de abordagem sobre a Amazônia prevalece a vertente ambientalista, ensejada por verdadeiro fundamentalismo ambiental calcado na intocabilidade, sem levar em consideração os mais de vinte milhões que lá vivem e lutam pela sobrevivência com enormes dificuldades para assegurar o atendimento de suas necessidades básicas. A indigência social e econômica retira da população local a capacidade de discernir sobre a legalidade ou ilegalidade das poucas opções disponíveis para a garantia do sustento próprio e das famílias. É-lhes negada a perspectiva de uma natural evolução e o direito de sonhar com o rompimento da severa realidade que os cerca. Estão condenados a sobreviver apenas da extrema generosidade do meio ambiente, mas que ao mesmo tempo lhes inviabiliza a obtenção de qualquer excedente para, pelo menos aos filhos, proporcionar um futuro que não seja o de escravos da natureza.

Cabe investigar de onde vem e decifrar o como e o porquê de essas correntes de pensamento terem dogmaticamente adquirido condição de verdades irrefutáveis em nosso país, com capacidade de impedir que soluções concretas aflorem da superfície do pensamento nacional, sobre a qual flutuam como uma nata estagnada, resultante da condensação desses preceitos politicamente corretos.

Será para o Governo um verdadeiro desafio superar o potencial inibidor da previsível discussão que inexoravelmente se estabelecerá em torno dos projetos, enfocando mais seu conteúdo ideológico do que os benefícios concretos que poderão proporcionar.

Quatro dimensões para a Amazônia

Vistos os requisitos a serem observados na elaboração de um planejamento para a Amazônia do ponto de vista metodológico, cabe definir agora as dimensões principais que deverão balizar o processo de implantação. São elas: a dimensão humana ou social, a ambiental, a da ciência e tecnologia e a do desenvolvimento econômico. Essas quatro idéias-força, aplicadas com a ênfase requerida por cada contexto, permitirão que se compatibilize todas as diferentes visões e se atenda às necessidades dos múltiplos atores envolvidos.

Dimensão humana

A primeira delas deve ser a dimensão humana ou social, decorrente da necessidade fundamental e urgente de recolocar a pessoa humana como foco e razão principal de ser de todas as ações e de todo e qualquer projeto voltado para a Amazônia.

Há cem anos, quando a Amazônia e suas populações encontravam-se ainda totalmente livres de ameaças ambientais, Euclides da Cunha já observava que “… entre as magias daqueles cenários, há um ator agonizante, o homem.”

Desde o advento do conceito de desenvolvimento sustentável, surgido na ONU, na década de 1980, o ser humano foi perdendo a importância relativa frente aos demais fatores que o compõem. Os valores politicamente corretos adquiriram enorme poder de inibir outras visões, a ponto de impor um verdadeiro pensamento único, suprimindo da sociedade um mínimo de pragmatismo capaz de promover a alteração das realidades. O resultado é que vivemos um verdadeiro fundamentalismo ambiental, aplicado com caráter de intocabilidade.

Necessitamos resgatar os fundamentos de nossa cultura e mentalidade nacional, compatível com nossa história, tradição cultural e fundamentos religiosos, mormente diante de uma população que não consegue a satisfação de suas necessidades mais elementares. Nenhuma ação, independente de sua natureza, terá garantida a sustentabilidade se não for acompanhada da implantação das ações de caráter social e econômico que gerem uma expectativa de progresso para essas pessoas. A capacidade de que desfrutam os meios de comunicações para chegarem aos mais remotos rincões provoca o surgimento de expectativas e de novas demandas principalmente entre as gerações mais novas. Com isso, os projetos que não contemplarem ensino, saúde, lazer, transporte e comunicações, acabarão por despertar, principalmente entre os mais jovens, o desejo de deslocar-se para onde lhes seja possível o acesso a esses benefícios.

Iniciativas altamente meritórias, em todos os sentidos, visando a proporcionar algum tipo de sustento a comunidades de natureza diversa, tem pecado por não conter em seu bojo, na perspectiva das pessoas teoricamente beneficiadas, a possibilidade de uma evolução integrada.

No tratamento que se tem dado às questões indígenas, fica muito nítida essa inversão que se processa em relação ao ser humano, pois ele perde o papel de principal protagonista que, em contrapartida, passa a ser ocupado pela cultura a que ele coletivamente pertence. Como conseqüência, os indivíduos são sacrificados em prol da preservação da intocabilidade cultural, como se essa condição pudesse ser assegurada pela colocação de uma redoma sobre as comunidades a que pertencem. Os exemplos pontuais que se colhem por meio do convívio com aquelas realidades são inúmeros e acabam por demonstrar a existência de uma situação generalizada.

A comunidade Yanomami de Surucucu, no Estado de Roraima, junto à fronteira com a Venezuela, bem demonstra essa realidade. Moram em maloca circular, fechada lateralmente por madeira e coberta com palha, em cujo interior as famílias delimitam seu espaço com redes em torno de um fogo. Nesse ambiente, respiram um ar carregado de fumaça, que associado à inexistência de hábitos de higiene, ainda que elementares, e submetidos ao clima relativamente frio e úmido peculiar da altitude da Serra de Surucucu, resulta num alto índice de doenças respiratórias, mormente entre as crianças. A expectativa de vida entre aquela população pouco ultrapassa os trinta anos.

Uma prática comum em meio a aquela comunidade é a do infanticídio. Como é próprio da cultura original, as índias se dirigem para o interior da mata quando vão dar a luz. Por força de hábito cultural, é comum o sacrifício do recém nascido se ele apresentar alguma deformidade, ou se nascerem gêmeos ou ainda se o primeiro filho for do sexo feminino.

Esse “relativismo cultural” foi denunciado pela revista Veja, em sua edição de 16 de agosto de 2007 acompanhada da informação de que nos anos entre 2004 e 2006 cerca de duzentas crianças Yanomamis teriam sido sacrificadas e que esta prática ocorre em pelo menos treze etnias nacionais.

Foi, também, bastante divulgada a estória da indiazinha HAKANI, da etnia Suruaha, do sul do Estado do Amazonas, que, em 1995, por ter nascido com uma deformidade foi condenada à morte. Salva por uma ONG, que a retirou da aldeia, hoje vive em Brasília, onde realiza tratamento psicológico para aliviar os traumas das sevícias que lhe foram dispensadas. Esses fatos, denunciados pela revista Veja, podem ser confirmados no site hakani.org, disponível pela internet. (acesso em sete de fevereiro de 2009).

Reconhecendo a extrema importância que a preservação da identidade cultural indígena requer, em razão de sua fragilidade quando em contato com outras culturas, a pergunta que se faz é: “não teriam as ciências sociais desenvolvido alguma metodologia capaz de proporcionar àquelas populações um nível mínimo de hábitos, que lhes permitam evoluir em de sua qualidade de vida sem que necessariamente ocorra a perda da identidade cultural?

O que a realidade tem demonstrado é que a tentativa de manter intocados os universos culturais indígenas resulta em uma prática falaciosa, inviável e contraproducente, pois o contato acaba inexoravelmente acontecendo e, caso não seja assistido e orientado, sempre ocorre por meio do descaminho ou de atividades ilícitas, ensejando, via de regra, o vício da embriaguez entre os homens, a prostituição entre as mulheres jovens, o garimpo irregular, a extração ilegal de madeiras e o envolvimento em ilícitos de outras naturezas.

Por outro lado, o tratamento dado à questão indígena, em nosso país tem sido marcado por um forte viés geopolítico. Além da demarcação das reservas, não é proporcionado aos índios o desenvolvimento de atividades econômicas que lhes dêem sustentação. Permanecem abandonados no interior das reservas e é comum vermo-los ameaçados em sua sobrevivência física e, por conseqüência, também em sua sobrevivência cultural.

Essa conjuntura fica muito clara quando se visita a comunidade Yanomami de Maturacá, aos pés do pico da Neblina, poucos quilômetros ao sul da fronteira com a Venezuela. Os cerca de mil e seiscentos habitantes, embora já não vivam em malocas e sim em residência familiares, restringem seu consumo de proteínas ao que obtém por meio da caça e da pesca, por não terem ainda alterado o traço cultural de não criar animais. Trata-se de uma região em que os rios apresentam muito baixo índice de piscosidade e a caça já começa a rarear, exigindo dos homens vários dias de caminhada para obter um bom rendimento nesta prática, sendo necessário que o pouco que conseguem seja moqueado (tipo de defumação realizada pelos índios) para que chegue em condições de consumo às famílias. Essa carência tende a se agravar, tanto pelo crescimento da população como pelo escasseamento natural da caça disponível.

Um dado importante a ressaltar é o de que aquela região tem seu bioma absolutamente preservado, não tendo até então sofrido qualquer tipo de dano pela ação de não índios. A tendência que se verifica é a de que, caso não se introduzam alterações nos hábitos regionais por meio de alguma atividade que lhes supra as necessidades, em médio prazo sérios problemas necessitarão ser administrados.

Ironicamente, a conseqüência do agravamento dessa situação produzirá argumentos que irão engrossar o coro dos que advogam em favor da manutenção das comunidades indígenas em situação de total isolamento, criando-se assim um círculo vicioso.

Por outro lado, não há limites físicos e nem distâncias que impeçam o contato eventual entre índios e não índios, principalmente coletores de grande mobilidade como os seringueiros e os garimpeiros. Nesses contatos fortuitos, é comum algum tipo de escambo, no qual, em troca de alimentos, o não índio oferece seus utensílios. Se for, por exemplo, uma panela, a índia vai com certeza incorporá-la aos seus hábitos, sem conhecer a necessidade de lavá-la. A conseqüência, em pouco tempo, será a ocorrência de uma inexorável epidemia de diarréia na comunidade.

Esses e outros numerosos exemplos, frequentemente testemunhados por quem tem algum tipo de contato com as comunidades indígenas, exemplificam as dificílimas condições de vida a que estão sendo relegadas aquelas populações e que dificilmente serão revertidas caso não se restabeleça, também em relação a esses brasileiros, sua condição de seres humanos, acima de ideologias ou de doutrinas de qualquer natureza.

É chocante, após conviver com essas realidades, constatar o quanto elas são distorcidas quando trazidas à opinião pública nacional e que rarissimamente são divulgadas manifestações, por parte dos índios, se elas não estiverem alinhadas com os argumentos ideologicamente filtrados.

Resumindo, no afã de preservar a cultura, sacrificam-se as pessoas.

Dimensão ambiental

Também a política ambiental entre nós adquiriu um caráter essencialmente geopolítico, pois as principais medidas nessa área sempre passam pela tentativa de neutralização de grandes extensões de terra, sem nem mesmo contarem, muitas vezes com o correspondente plano de manejo. Aspectos ambientais muito mais impactantes e com conseqüências mais sérias sobre as condições sanitárias, de higiene e de saúde das populações locais têm recebido pouca, se não nenhuma, atenção por parte do pensamento ambientalista.

Como conseqüência, não se realiza a implementação das medidas necessárias para fazer frente a problemas graves como a inexistência de rede de coleta de esgotos e a precariedade dos sistemas de coleta de lixo. É comum assistir-se nas comunidades ribeirinhas o banho ser tomado no mesmo local onde são lançados os dejetos e se colhe a água para o consumo doméstico, bem como é assustador constatar-se a enorme quantidade de detritos de toda ordem que permanentemente são lançados à natureza, especialmente sobre os rios.

A posse da Amazônia proporciona ao Brasil uma estatura que escapa normalmente à percepção de nós brasileiros. Externamente, nos coloca na posição de quinta maior extensão territorial do mundo, o que nos proporciona, segundo a Professora Bertha Becker, a condição de detentores da soberania de maior parte um dos três únicos grandes ecossistemas do planeta ainda por explorar (os outros dois são a Antártica e o fundo dos oceanos).

Vivendo uma época em que as preocupações relativas ao meio-ambiente e às mudanças climáticas ocupam lugar proeminente entre os temas que sensibilizam a opinião pública mundial, temos que estar conscientes de que seremos sempre cobrados, justificadamente ou não, pelas condições com que estivermos tratando dos problemas amazônicos.

Internamente, é fácil imaginar sobre o rigor com que seremos julgados pelas gerações futuras caso escrevamos o capítulo sobre a história da Amazônia de maneira imprópria ou irresponsável.

Ademais, conforme citado anteriormente, não podemos perder de vista o valor econômico que o bioma amazônico representa, além de constituir-se em uma espécie de caixa preta a ser aberta e desvendada em seu conteúdo pelas ferramentas atuais e as futuras que a ciência vier a proporcionar, contendo provavelmente um universo enorme de informações científicas a serem difundidas em proveito da sociedade brasileira e da humanidade.

O Brasil não pode admitir ser colocado no banco dos réus pela opinião pública internacional sob a acusação de incapacidade de gerenciar seus ecossistemas, pois absolutamente nenhum país do mundo teria autoridade para fazê-lo. Somos ao mesmo tempo uma potência agrícola e uma potência ecológica. Somos capazes de produzir alimentos para uma parcela significativa da população mundial e de preservar 70 % de nossas florestas originais.

Esses e outros dados constam de estudos realizados pelo Dr Evaristo Eduardo de Miranda, da Embrapa Monitoramento por Satélites, com sede em Campinas, expressos nos quadros abaixo.

A data inicial (8000 anos antes de Cristo) faz referência ao período em que o homem passou a exercer a agricultura e, em conseqüência, pôde sedentarizar-se, dando início ao processo de derrubada das florestas originais, quer seja para abrir espaços aos cultivos ou para obter matéria prima para a produção de energia, ou ainda para a construção de edificações, ou fabricação de ferramentas, armas, utensílios domésticos, meios de transporte, armamentos etc. Ao longo de toda essa trajetória, algumas civilizações desenvolveram suas estruturas de poder às custas de seus ecossistemas, algumas vezes até mesmo esgotando-os. Muitas delas modernamente abrigam sociedades cujas populações e elites tentam impor restrições a que o Brasil desenvolva seus projetos próprios, exigindo de nós padrões de comportamento que historicamente não observaram.

Contudo, do outro lado dessa moeda está a pergunta: até quando poderemos ostentar essa autoridade moral? Destruímos 90% da Mata Atlântica usando como ferramenta o machado e como meio de transporte o carro-de-boi; o que não será feito da Amazônia onde se empregam a moto-serra e o trator de esteira?

A respeito da derrubada das matas, três aspectos merecem preocupação.

O primeiro vem da falta de critérios com que ela se processa, não respeitando parâmetros técnicos, econômicos, sociais, e até mesmo aspectos concretos tais como a natureza do solo, a proximidade de áreas sensíveis, a existência de mananciais, matas ciliares, ecossistemas importantes e a presença de comunidades originais.

O segundo decorre da velocidade com que ele vem ocorrendo. Se hoje foram perdidos quase 20 % da floresta amazônica, em 1970 apenas 1 % havia sido derrubado. O quadro abaixo apresenta a série histórica das taxas de desmatamento, demonstrando que as medidas até então adotadas para contê-lo têm sido capazes apenas de promover flutuações, mas estão longe de demonstrar real capacidade de inverter a tendência reinante.

O terceiro vem do fato de que, geralmente, as medidas implementadas pelos órgãos responsáveis têm apenas caráter repressivo, sem capacidade de promover alterações estruturais, o que, se não for alterado, resultará em que todos os esforços se mantenham inócuos, contraproducentes e desgastantes.

A história demonstra que as frentes de desenvolvimento agrícola costumam ser desorganizadas e até mesmo violentas, quando os governos não se antecipam por meio de medidas de planejamento integrado, estabelecendo parâmetros, estímulos e limites capazes de canalizar toda a energia segundo critérios que ofereçam alternativas de desenvolvimento e bem estar para a população, proporcionando, subsidiariamente maiores possibilidades de êxito às ações de repressão.

É preocupante o fato de que o processo de desflorestamento já tenha avançado em relação ao traçado geral do que se convencionou chamar de arco do fogo, que basicamente corresponde, em sua parte mais ocidental, aos limites nortes dos Estados de Mato Grosso e Rondônia, passando agora a afetar o Estado do Amazonas em torno da Rodovia Transamazônica.

Ressalte-se que também as ações empreendidas pelos órgãos responsáveis pela preservação ambiental têm se revestido de caráter predominantemente geopolítico, restringindo-se em geral à delimitação e à neutralização de extensas áreas, a exemplo do que acontece em relação às terras indígenas, sem o acompanhamento de medidas sócio-econômicas com o intuito de oferecer alternativas às populações afetadas.

Constata-se, portanto, que é inadiável o estancamento do processo de desflorestamento, mas para tal será necessária a adoção de uma postura pró-ativa, marcada por atitudes responsáveis, pragmáticas e construtivas, não só pelo pelos governos, mas também pela sociedade brasileira como um todo.

Ciência e tecnologia

A pesquisa e o desenvolvimento científico e tecnológica são ferramentas essenciais para a garantia de duas capacidades fundamentais para o Brasil na Amazônia: garantia da soberania e obtenção do conhecimento para compatibilizar a ocupação com o desenvolvimento e a preservação ambiental.

No ano 2000 causou forte impacto sobre a opinião pública a notícia de que no Japão havia sido patenteada a marca CUPUAÇU, ficando as empresas brasileiras impedidas de utilizar comercialmente um produto tipicamente brasileiro. Como conseqüência, sentimo-nos espoliados, e foi inevitável a comparação com o contrabando de sementes de seringueira para a Malásia, efetuado no século XIX pelos ingleses, e que acabou provocando o declínio do Ciclo da Borracha e o início de um período de estagnação econômica que durou até a criação da Zona Franca de Manaus no Governo Castelo Branco, durante a década de 60.

Esse episódio deixou claro que estávamos permitindo a ocorrência de um vazio tecnológico em área de enorme potencial, acarretando um déficit de soberania brasileira sobre a região. Temos que ter em mente que não há outra maneira de revertermos esse quadro que não seja por meio do desenvolvimento científico- tecnológico, abrangendo desde a pesquisa de base até o registro de patentes.

Vê-se, portanto, que a valorização dessa área constituir-se-á em verdadeira afirmação de soberania brasileira sobre a região, mas que, apesar do incremento que a atividade vem experimentando, estamos longe de metas que possibilitem reverter o quadro acima descrito. Durante a III Conferência Nacional de Política Externa e Política Internacional promovida pela Fundação Alexandre de Gusmão em 8 e 9 de dezembro de 2008, foram citados dados da COPPE segundo os quais, em 70 % dos trabalhos de pesquisa realizados no Brasil sobre a Amazônia, há a participação de estrangeiros.

A Professora Bertha Becker afirma que “há que se atribuir valor econômico à biodiversidade, para que ela possa competir com as demais commoditys”. A C&T será a ferramenta para que, partindo-se da pesquisa básica e considerando-se o conhecimento popular, chegue-se ao registro de patentes e à concretização de produtos, tecnologias e técnicas, capazes de apontar os caminhos para que se compatibilizem na Amazônia a ocupação, o desenvolvimento e a preservação ambiental.

Desenvolvimento econômico

Uma longa, sistemática e maciça campanha mundial incutiu na opinião pública internacional, e encontrou eco no Brasil, tanto entre a população em geral como, especialmente, em alguns setores da elite nacional, a visão de que o desenvolvimento econômico representa séria ameaça à preservação ambiental. Essa teoria, curiosamente, não encontra respaldo na realidade, pois a prática demonstra que pobreza e degradação ambiental estão intimamente associados.

Pesquisadores do BNDES elaboraram o IDH Ambiental, associando os índices do IDH tradicional, criado pelo Prêmio Nobel de Economia, Amartya Sen, com o Índice de Sustentabilidade Ambiental, concebido nas Universidades de Yale e de Colúmbia.

Embora tenham chegado à conclusão de que “a relação entre renda e preservação ambiental não ocorre de forma direta” (Jornal O Globo, edição de 25 de março de 2007), constata-se uma clara associação entre pobreza e péssimas condições ambientais. Este dado fica claro ao compararmos a lista dos países melhores posicionados nesse ranking com os que ocupam as últimas posições. De um lado estão Noruega, Finlândia, Suécia, Islândia, Canadá, Austrália, Suíça, Áustria, Irlanda e Nova Zelândia, enquanto do outro encontramos Moçambique, Haiti, Etiópia, Burundi, Burkina Faso, Níger e Serra Leoa.

O Distrito Industrial da SUFRAMA produz um efeito demonstração sobre como um projeto de desenvolvimento intensivo pode contribuir para a preservação ambiental. Abriga cem mil empregos diretos o que, segundo dados estatísticos, resulta em outros trezentos mil indiretos. Se considerarmos a existência de uma família de quatro pessoas em média para cada um desses postos de trabalho, teremos uma população de um milhão e seiscentas mil pessoas, o que corresponde à população atual da Cidade de Manaus. Como resultado, o Estado do Amazonas é ao mesmo tempo o mais desenvolvido e o mais preservado entre todos os da Região Norte.

Compare-se com o modelo de desenvolvimento até hoje praticado nos Estados do Pará e de Rondônia, onde predominam as atividades primárias, e encontraremos as áreas proporcionalmente mais desflorestados e que abrigam os maiores e mais sérios problemas e conflitos sociais.

No ano de 2005, quando do assassinato da freira norte-americana, Dorothy Stang, o Exército e outros órgãos de governo foram empregados na região da Terra do Meio, no Pará, por cerca de dez meses, numa operação cujo objetivo era realizar o desarmamento e a pacificação da área. Essa ação resultou na paralisação das atividades econômicas principais, causando uma forte perda de empregos – cerca de sessenta mil – com ocorrência de protestos nas principais cidades. Três anos depois, no primeiro trimestre de 2008, após a divulgação de dados que indicavam um crescimento das taxas de desmatamento, os municípios mais afetados receberam uma fiscalização especial, que contou inclusive com o emprego da Força Nacional de Segurança Pública. No Município paraense de Tailândia, novamente produziu-se a perda de empregos em razão da paralisação da única atividade econômica disponível, qual seja a extração de madeira. A realidade não se havia alterado, pois, no espaço de três anos decorridos entre os dois episódios, nenhuma nova atividade econômica havia sido introduzida, para servir de alternativa e evitar o envolvimento em atividades ilícitas por parte daquela população.

Associando-se produtos regionais como base para o desenvolvimento de cadeias produtivas, com forte aplicação de conhecimento tecnológico, dispondo de infra-estrutura que lhe dê suporte, focadas em áreas já degradadas, – sul do Pará, Mato Grosso e Rondônia – será possível o estabelecimento de pólos de desenvolvimento intensivo, capazes evitar que a população dependa essencialmente da natureza para seu sustento. Estar-se-iam criando condições para a fixação de um contingente populacional, o qual, caso contrário, iria engrossar e aumentar a pressão sobre as frentes de desmatamento.

A preservação da Amazônia só será assegurada a partir da consolidação de um processo de desenvolvimento econômico, integrado e intensivo, que ofereça alternativas à população que não seja a de depender da exploração da natureza para garantir seu sustento.

Idéias finais

Nesse rápido passeio pela Amazônia, em torno de seus problemas e das possíveis soluções, verifica-se uma realidade complexa, que, contudo, exige soluções simples, mas não simplistas, com visão multidisciplinar, concebidas com pragmatismo e aplicadas com forte dose de vontade política e tendo o Governo Federal como agente central .

Estaremos, assim, aumentando as possibilidades de que as páginas da história do Brasil, no capítulo referente à Amazônia, ao serem lidas pelas gerações futuras, despertem nelas os sentimentos de respeito e orgulho. Que as façam sentirem-se descendentes de quem soube ocupar, desenvolver e garantir-lhe a segurança, mantendo-a preservada e íntegra, fonte de riquezas, combustível permanente e inesgotável do desenvolvimento nacional, ao mesmo tempo capaz de assegurar-nos a condição de potência ecológica, exemplo para todo o mundo e que, sobretudo, seja capaz de proporcionar a seus habitantes condições para a realização de seus sonhos e aspirações.

NOTAS

(1) Amazônia – Um paraíso perdido ∕ Euclides da Cunha. Manaus: Editora Valer – 2003

(2) Amazônia: geopolítica na virada do III milênio ∕ Bertha K Becker. Rio de

Janeiro: Garamond – 2004