O desafio de consolidar os avanços recentes em Defesa Nacional

O último decênio observou importantes avanços do Brasil em matéria de salvaguardar sua capacidade de Defesa nacional, questão nacional constitutiva da independência e da soberania do país.

Por Ronaldo Carmona*, especial para o Portal Vermelho

Ronaldo Carmona

“As Forças Armadas estão numa de suas melhores fases históricas”, ouve-se de oficiais generais com décadas na carreira militar. Em meios especializados, leem-se artigos que dizem que os últimos doze anos foram o período “que mais favoreceu o reequipamento das Forças Armadas na era republicana brasileira”.

Ao mesmo tempo, há um sólido e inquebrantável compromisso das Forças Armadas com a Constituição, sem o que estaria comprometida a própria ascensão brasileira no cenário das Nações.

Recentemente, em um artigo publicado em O Estado de S. Paulo, no último Dia do Soldado (25/08/15), o comandante do Exército, General Villas Boas, observou que “o Exército de Caxias, fiel ao que preceitua o artigo 142 da Constituição federal, é o instrumento capacitado, juntamente com a Marinha de Tamandaré e a Força Aérea de Eduardo Gomes, a garantir a normalidade do ambiente propício ao desenvolvimento, no qual a verdadeira democracia, despojada de adjetivos ou condicionantes, e a visão generosa dos homens e das mulheres de bem em torno da prevalência dos interesses nacionais criem o ambiente de oportunidades que induzirá a prosperidade que tanto perseguimos”.

A promissora fase atual teve como ponto de inflexão a entrada em vigor da Estratégia Nacional de Defesa (END) em 2008. Ela marca uma atualização no pensamento estratégico brasileiro, adaptando-o aos desafios do século XXI e propõe uma série de desafios relacionados a uma leitura própria do cenário global.

Essa atualização estratégica pode ser sintetizada na frase do então ministro Celso Amorim para quem o Brasil possui uma estratégia de Defesa que prevê “cooperação para dentro, dissuasão para fora”, ou seja, no nosso entorno geográfico deverá prevalecer uma postura de cooperação do Brasil para com os seus vizinhos. Já no que diz respeito a fora de nosso entorno estratégico, o Brasil deve manter capacidade de dissuasão, visando desencorajar eventuais tentativas de constrangimento à soberania nacional, sobretudo tendo em vista tendências de aumento das pressões direcionadas a países detentores de recursos naturais e ativos estratégicos, como é especialmente o caso do Brasil, tais como água potável, minérios, terras agricultáveis e capacidade de produção de alimentos, biodiversidade e energia – por exemplo, o Brasil poderá, em poucos anos, passar da 13ª para a 4ª posição em termos de produção de petróleo.

A Estratégia Nacional de Defesa, ao mesmo tempo, define a reestruturação e reequipamento das Forças Armadas, visando robustecer nossa capacidade de Defesa. Para isso, propõe medidas visando desenvolver uma forte base tecnológica e industrial nacional de Defesa. Ambas as medidas tiveram importante curso nos últimos doze anos e em especial, no primeiro governo da presidente Dilma.

O início de grandes projetos estratégicos das Forças Armadas

Desde a Estratégia Nacional de Defesa, o Brasil começou a investir fortemente em grandes projetos estratégicos das Forças Armadas, acumulando potencial e capacidade para dar salto de qualidade na capacidade dissuasória brasileira, ao tempo que mobiliza base produtiva e tecnológica nacional.

Dentre outros projetos estratégicos iniciados, podemos citar:

– A construção do Submarino a propulsão nuclear, que representará expressivo avanço estratégico na capacidade de Defesa das águas territoriais brasileiras, num contexto em que suas riquezas, em especial o pré-sal, terá crescente importância na economia brasileira e na equação energética global. O primeiro Submarino convencional projetado e construído pelos brasileiros será entregue à Marinha ao final do atual próximo período de governo. Com a obtenção daquele a propulsão nuclear, o Brasil, assim, será o primeiro país a ter esta capacidade além dos países do Conselho de Segurança da ONU – apenas a Índia igualmente está perto de alcançar esta capacidade. Por volta do bicentenário da independência, em 2022, teremos o Submarino a propulsão nuclear defendendo nossas águas.

– A recente assinatura do contrato para a aquisição e desenvolvimento conjunto, com os suecos, do novo avião de caça da Força Aérea Brasileira, o Gripen NG. Com isso, prepararemos condições para na próxima década desenvolvermos um caça nacional de 5ª geração. A exemplo do Submarino, também no caso do Caça, se buscará importante mobilização industrial para a nacionalização destes equipamentos.

– O desenvolvimento do projeto da Força Aérea Brasileira do grande avião militar cargueiro KC-390, pela Embraer, maior avião já produzido por esta empresa, que permitirá salto tecnológico na capacidade brasileira de construção de aviões. O primeiro protótipo do avião voou no final de 2014.

– Programa de aquisição de helicópteros militares de grande porte (EC-725) denominado HX-BR, com potencial para que o Ministério da Defesa reúna capacitação para o Brasil projetar e construir um helicóptero nacional.

– Desenvolvimento e construção do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC), a ser lançado em 2017, que permitirá ao país reestabelecer completa autonomia nas comunicações militares.

– As primeiras entregas das mais de duas mil unidades do novo veiculo blindado brasileiro Guarani, projetado pelo Exército Brasileiro. Neste caso, está posto o grande desafio de adensar seu índice de nacionalização, sobretudo em suas partes mais sensiveis.

– Inicio da estruturação, na fronteira do Mato Grosso do Sul, do SISFRON (Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras) – um grande sistema de monitoramento e presença em toda a fronteira terrestre brasileira –, que dará grande contribuição para impedir a chegada de drogas aos grandes centros urbanos brasileiros, numa importante contribuição da Defesa Nacional à segurança pública dos brasileiros. A segunda etapa do Sisfron já está em preparação e será desenvolvida no Paraná.

– Desenvolvimento nacional, pela Avibras – uma empresa que é “joia da coroa” de nossa base industrial de Defesa –, do novo sistema lançador de foguetes Astros 2020, com mísseis de cruzeiro também nacional (TM300) com capacidade para atingir 300 quilômetros de alcance. Junto com a aquisição de modernas baterias antiaéreas russas Pantsir S-1 – com exigência de transferência de tecnologia à industria nacional –, o Brasil dará importante salto na sua capacidade dissuasória antiaérea.

Expressivos passos iniciais na reorganização de uma Base Industrial e Tecnológica de Defesa

A primeira gestão da presidente Dilma tambem foi marcada pela formatação de um arcabouço legal e institucional visando apoiar a Indústria Nacional de Defesa. Se a Estratégia Nacional de Defesa foi ponto de inflexão na postura brasileira quanto a Defesa Nacional, a aprovação da Lei 12.598, em 2012, foi a materialização da orientação voltada ao objetivo de soerguer uma robusta base industrial de Defesa, a desenvolver e implementar. Nesta, definiu-se:

– Normas especiais para as compras, as contratações e o desenvolvimento de produtos e sistemas de Defesa, priorizando a empresas brasileiras de capital nacional. Essa medida é especialmente importante no contexto do início de vários projetos estratégicos, como vimos acima.

– Estabelecimento da figura da Empresa Estratégica de Defesa, definida pelo Ministério da Defesa, entre aquelas que desenvolvam produtos e processos tecnológicos e inovadores no país, que tenham sede no Brasil, e pelo menos 2/3 dos votos acionários nas mãos de brasileiros. Estas empresas terão um conjunto de medidas de apoio, desde a participação como prime contractor nos projetos estratégicos das Forças Armadas até concessão de financiamento específicos visando fortalecê-las. Atualmente já temos mais de 50 EEDs em variados segmentos da área de Defesa.

Importante destaque no primeiro governo de Dilma foi o Programa Inova Empresa, que previu a disponibilização de financiamento para empresas brasileiras investirem em inovação e tecnologia. O InovaAeroDefesa, focado em quatro áreas (Aeroespacial, Defesa, Segurança Pública e Materiais Especiais), aprovou 91 planos de 64 empresas líderes com potencial inicial de R$ 8,68 bilhões – quase 3 vezes mais que a oferta inicial, de R$ 2,9 bilhões disponíveis no edital.

Alguns desafios para o próximo período

O Brasil não poderá prescindir de seu caminho de ascensão nacional, a despeito das dificuldades circunstanciais vividas na atual crise política e econômica. Assim, estão presentes alguns desafios de grande importância na Defesa nacional que são parte do próprio desafio de construção nacional.

Primeiro, como questão geral, o país precisará prosseguir buscando ter leitura própria do cenário estratégico mundial e dos desafios brasileiros nesse contexto. No próximo período estará em pauta a atualização dos três documentos estratégicos – Livro Branco de Defesa Nacional, a Estratégia Nacional de Defesa e a Política Nacional de Defesa (LBDN, END, PND) – documentos que oferecem a visão do país quanto ao cenário estratégico global e os meios para nele, garantir sua soberania e independência.

No plano internacional, o Brasil precisará prosseguir com a política de construção de um ambiente de cooperação e adensamento da presença junto ao entorno geográfico estratégico do Brasil, especial na América Latina e Caribe, Atlântico Sul e África. Fortalecer o Conselho de Defesa Sul-americano (CDS) da Unasul, a Zopacas (Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul) e iniciar um diálogo estratégico com a União Africana.

Um segundo grande desafio a efetivar será o de estruturar uma moderna base industrial e tecnológica de Defesa, baseada em empresas brasileiras de capital nacional, um dos vetores de um novo ciclo de industrialização nacional baseado em setores intensivo em conhecimento. Noutras palavras, o desenvolvimento da indústria nacional de Defesa baseia-se fortemente em C&T e Inovação e possibilitará a participação nas partes mais sofisticadas das Cadeias Globais de Valor. Cumprirá papel chave no desafio de modernização do parque industrial brasileiro, construindo um Brasil Produtivo. Em síntese, do grande desafio de reindustrialização nacional ancorado em setor intensivo em Ciencia, tecnologia e inovação.

Assim, tema chave para nossa autonomia nacional é o desafio de fortalecer as Empresas Estratégicas de Defesa, brasileiras de capital nacional. Assim, o país deverá aprimorar a política de compras e desenvolvimento de produtos e sistemas de Defesa e de fomento e empresa estratégica de Defesa, com base na experiência recente de implementação da Lei 12.598/12.

Um salto a mais deverá ser dado via política de fortalecimento, financiamento e proteção às Empresas Estratégicas de Defesa, inclusive por meio da participação do Estado na sua estrutura societária e através de golden share e outros mecanismos.

Um caminho para isso é promover a criação de “clusters” ou cadeias produtivas por segmento ou área de Defesa. Estes deverão ser liderados por fortes Empresas Estratégicas de Defesa, dentre aquelas que vencerem as licitações para desenvolver os projetos estratégicos das Forças Armadas e deverão necessariamente contemplar, como parte desta política, a criação de uma rede de fornecedores compostos por pequenas e medias empresas.

Para isso, a base será ampliar substancialmente a parcela do orçamento de Defesa investido em C,T&I em Defesa – hoje entre 6% e 7% -, inclusive através da otimização de outros gastos correntes.

No Congresso, chegou-se, recentemente, a cogitar-se, por exemplo, a taxação das exportações de produtos de baixo ou nenhum valor agregado, fortalecendo assim, setor de atividade econômica estratégico e de alto valor agregado.

O país deverá fomentar encomendas tecnológicas para desenvolvimento de produtos e sistemas de Defesa. A experiência na área de Saúde, com as PDP’s (Política de Desenvolvimento Produtivo) é um paradigma importante de modelagem. Com a contratação de encomendas tecnológicas, nem o empresário nacional correrá sozinho o risco do desenvolvimento, nem o Estado deixará de indicar produtos e sistemas que efetivamente lhe interessa adquirir. Destaque deverá ser dado, nesta medida, a nichos estratégicos com possibilidade de uso dual da tecnologia.

A chave aqui será ampliar recursos não reembolsáveis do FNDCT, operado pela Finep, tendo em vista investir “a fundo perdido” a exploração de tecnologias inovadoras de fronteira de uso militar e de uso dual, como fazem os países desenvolvidos.

O país precisará, na brevidade possível, concluir definições quanto ao Plano de Articulação e Equipamento de Defesa (PAED) – previsto no Livro Branco de Defesa Nacional aprovado pelo Congresso Nacional – que definirá as aquisições e desenvolvimento de produtos estratégicos das Forças Armadas, com horizonte temporal de 20 anos. O PAED deverá ser enviado ao Congresso Nacional para aprovação, e será inserido nos próximos cinco planos plurianuais, que terá seção especifica relacionada a programação de investimentos militares. Com o PAED, o Brasil estabelecerá um norte para as instituições de pesquisa, as empresas nacionais e as Forças Armadas, em torno de capacidades a desenvolver em longo prazo. Ademais, definirá sinalização para estratégia nacional de obtenção de tecnologias e bens críticos e sensíveis que almeja dominar, mobilizando a inteligência nacional e a base produtiva para alcançar estes objetivos em programas mobilizadores.

No próximo período, o Brasil deverá persistir no caminho definido pelos documentos estratégicos (LBDN, END e PND) quanto a importância estratégica do desenvolvimento de capacidades no setor cibernético, nuclear e espacial. Na área cibernética, o Brasil precisa dar um salto tecnológico, criando capacidade industrial própria visando substituir importação de equipamentos, sistemas e softwares que nos deixam vulneráveis, como mostraram as recentes denuncias de espionagem contra o Brasil. O Programa Espacial necessita de um salto de qualidade. Após mais de uma década da tragédia de Alcântara (2003), o Brasil precisa fomentar urgente programa mobilizador em torno do desafio de possuir veículos lançadores e dominar tecnologia de satélites de maior complexidade. No caso do Programa Nuclear, o Brasil deve seguir sua capacidade de dar escala industrial ao vetor nuclear de nossa matriz energética, obtida através da importante conquista possibilitada a partir do programa nuclear da Marinha.

Um desafio expressivo, sobretudo em meio a atual crise fiscal, é o de garantir a regularidade e a previsibilidade no fluxo de recursos para os programas já contratados. O Brasil precisa tomar a decisão, em nome de seu futuro soberano e independente, de poupar de contingenciamentos os projetos estratégicos das Forças Armadas e os investimentos científicos e tecnológicos em Defesa em geral. Em perspectiva, em termos orçamentários, o país precisa fixar objetivo, num horizonte de uma década, de equivaler, como proporção do PIB, nossos gastos em Defesa com a média de países de porte geopolítico e econômico similar ao Brasil, como é o caso dos BRICS. Os gastos em Defesa Nacional devem ser compatíveis com os planos e objetivos fixados nos documentos estratégicos e com a ambição de autonomia e soberania nacional.

Estes desafios são vértice constitutivo da própria grandeza nacional, de conquistar um país forte, independente, desenvolvido e soberano.