O dia que Jimi Hendrix desconstruiu o hino dos EUA

Em 18 de agosto de 1969, no último dia do lendário Festival de Woodstock, Jimi Hendrix presenteou o mundo com um monumento sonoro à luta pela paz com inequívoco tom anti-imperialista: sua execução, em solo de guitarra, de Star Spangled Banner, o hino nacional dos EUA, seguida pelo blues Purple Haze.

Por José Carlos Ruy*

Jimi Hendrix - Divulgação

O hino e o blues fundiram-se naquela apresentação numa peça única que significou o protesto contra a guerra e a antevisão de um mundo harmonioso.

O movimento pacifista crescia. Em janeiro de 1969 havia 541 mil soldados estadunidenses participando do auge da agressão contra o Vietnã, num momento em que simultaneamente se expandia pelo mundo a luta contra a guerra.

Em 15 de novembro daquele ano ocorreu em Washington a gigantesca manifestação pela paz que reuniu 500 mil pessoas em frente à Casa Branca. Em outras cidades americanas milhões foram às ruas pelo fim da guerra.

Na imprensa explodiam notícias sobre atrocidades praticadas por soldados dos EUA, entre elas o Massacre de My Lai, a aldeia vietnamita onde, em março de 1968, centenas de pessoas, na maioria mulheres e crianças, foram assassinadas por soldados dos EUA.

A execução do Star Spangled Banner foi um genial improviso num show feito sem ensaios. Com ela, Hendrix colocou sua maestria na guitarra a serviço da paz.

Como guitarrista ele levou a extremos ainda não alcançados o uso dos recursos eletrônicos do instrumento como distorções, microfonia, o pedal wah-wah, etc.

Músico exigente – seu perfeccionismo era lendário -, Hendrix desmontou o hino acorde a acorde até transformá-lo num amontado de ruídos que reproduzem o horror da guerra: barulho de aviões que jogam bombas, de metralhadoras explosões, tiros, etc.

Grande parte do ambiente da guerra era a floresta tropical e na execução do Star Spangled Banner é possível ouvir grilos e outros sons da mata, em meio à barulheira infernal das bombas e tiros.

Nos EUA aquela foi também a década da luta pelos direitos civis de negros e demais não brancos.

Jimi Hendrix, negro mestiço com cherokees, tinha adoração por sua avó descendente daquela nação indígena.

Pode-se supor que tenha sido esse orgulho ancestral, aprendido com sua avó, que o levou a escolher a canção que, seguindo à execução do hino, ficou como uma espécie de contraparte da peça musical executada naquela tarde de agosto: Purple Haze, um blues, música dos desprezados negros, cuja harmonia e suavidade contrasta com a rude montanha de ruídos de guerra em que ele transformou o hino. 

É como se dissesse: frente à agressividade e desagregação da América oficial, a América dos negros, pobres, jovens e trabalhadores apontava para um mundo de paz, suavidade e harmonia.

Jimi Hendrix nasceu em Seattle (estado de Washington) em 27 de novembro de 1942. Deixou a vida – de forma não esclarecida, tantos anos passados! – em Londres, em 18 de setembro de 1970 quando tinha apenas 27 anos de idade

Sua carreira foi curta, de 1963 a 1970. Sete escassos anos suficientes para que deixasse uma marca forte na história da música, sendo considerado um dos maiores (se não o maior) guitarrista da história. A revista especializada Rolling Stone, numa edição em 2003, enumerou os 100 maiores guitarristas de todos os tempos; no primeiro lugar, colocou Jimi Hendrix.

Pode ser. O mais interessante, contudo, é que foi um músico engajado com os desafios de sua arte, que empurrou para frente, e com as contradições de seu tempo. Numa ocasião perguntaram a ele, num programa de televisão, se tinha consciência da polêmica que sua execução do Star Spangled Banner causou. Sua resposta foi simples e coerente: “Eu achei que foi lindo.”

Assista ao vídeo: