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Toni C.: "Sabotage. Do Brooklin ao Harlem"

Vim para Nova York palestrar sobre Sabotage e o rap brasileiro. A tradução simultânea ficou por conta de Jaqueline Santos, nascida em São Paulo, bolsista em Havard, culpa do… adivinhem: Hip-Hop!

Na platéia recheada de ativistas, educadores e pesquisadores da cultura de rua não seria difícil fisgar alguém que já tinha ouvido falar ou mesmo lido a história do Sabotage. Circulava por onde o livro já havia passado.

Até por isso não poupei nos dez minutos que me deram, com sete pediram para eu concluir… "Nós no Brasil, acompanhamos tudo o que se passa no Hip-Hop estadunidense… tudo irmão. Do rap undeground ao mainstream. Mas a rapaziada na quebrada curte mesmo é um gangstar rap pesadão. Enquanto a maioria aqui desconhece até o nome da capital do meu país." Engatilhei, mesmo sabendo que sair do fundão de Carapicuíba para falar sobre Hip-Hop em Nova York é o mesmo que um Chinês ir ao Brasil palestrar sobre o nosso samba.

Mas se essa era minha cota, já era, to aqui ó: "Us Japoneses criaram o PlayStation 4, e o Iphone já está na versão 5.” (sic.) Disparei do auditório do Centro de Cultura Negra Schomburg: "Nós, 40 anos depois, ainda estamos com a versão 0!? Precisamos criar o Hip-Hop 2.0 por que esse que está ai, já não toca mais no coração da mulecada!".   

Diário de Bordo
Acredite ou não. O convite para ir aos EUA falar sobre Sabotage e o Hip-Hop Brasileiro foi feito no lançamento oficial da biografia do Maestro do Canão pelo LittleMan, o mexicano Moises Lopez. Três meses depois e envolto numa agenda tumultuada de debates, a complexa política de vistos dos americanos, quase, não foi suficiente para sabotar a viagem. Às vésperas do terceiro encontro promovido pela Hip-Hop Education em parceria com a Universidade de Nova York e a Columbia University, superamos tudo: passaporte, vistos, passagens. Nem o raio X detectou a munição pesada de ideias na bagagem. Apertei os cintos, mais de 10 horas de voo e quatro fuso-horários depois, as luzinhas lá em baixo começam a salpicar pela janela da aeronave. A primeira visão que tive do Império em crise foi perceber que enquanto o meu relógio biológico já ensaiva me avisar do almoço, os Yankes mal começavam a despertar sonolentos. "Por isso nóis dá certo." Pensei, "enquanto os Estados Unidos dormem, nós trabalhamos". Rí sozinho, do meu plano de voo. 

Desembarquei em Nova Jersey, ainda tinha mais uma viagem até a famosa cidade vizinha, fui recebido calorosamente naquela manhã gelada por Edson Cadette, correspondente da Afropress.com, que saltou na madrugada para me dar assistência. Antes daquele contato, só nos conhecíamos através de nossos escritos. 

Com a mesma gula, o ônibus comia asfalto e nós informação. Eu trazia novidades tupiniquins enquanto Edson me apresentava a city. Saltamos em Manhatan, os fura-céu da 42, a avenida paulista dos gringos, são faraônicos, chapa até aqueles habituados em viver em grandes metrópoles como Buenos Aires ou São Paulo. Ao meu lado o Queens e o Brooklyn, acima o Harlem e o Broonx. Afundamos para o metrô novaiorquino para descer em outro continente: O bairro negro do Harlem é confundido facilmente com a África do Sul. A língua oficial por aqui é o castelhano, negros, latinos fazem desse pedaço de chão uma nova Havana, é o troco de 50 anos de embargo à Ilha Rebelde.  

Soul food, foi a base da minha alimentação durante toda a viagem. A comida negra-latina, cheia de feijão tropeiro, fava, milho e frango com curry me saciou o afã de descobrir um Estados Unidos que o turista brasileiro não avista do topo da Estatua da Liberdade, nem de Hollywood.
Reencontrei naquela manhã, vivendo no bairro por onde há algumas décadas circulava Malcom X, com o parceiro Eli Efi. Não vou te enganar, a pegada cabulosa do Homem de Aço nem 10 anos de inverno rigoroso esfriam a acolhida típica de filho de mineiro. Fazia uns dias que não me deparava com tanta lucidez.

Assisti a shows de Ice T., Ice Cube, Nature By Nature, Public Enemy durante as comemorações de 40 anos do Hip-Hop promovida pela Zulu Nation, visitei o Teatro Apollo, me encontrei com Meli Mells, Martha Dias, Queens Mother, Afrika Banbataa. 

Pelas ruas largas com letreiros em luminosos frenéticos e grifes famosas, agradeci em pensamento Maurinho: "Ai Zika, olha onde você me trouxe!" Na vitrine, o colar de pedras reluzentes, na memória, João Amazonas: "O Hip-Hop é o diamante bruto que deve ser lapidado pelos revolucionários!" 

Enquanto Obama tem que dar explicações de espionar o mundo, eu estava lá, disposto em falar de um menino pobre, correndo descalço por ruas de terras no bairro paulistano do Brooklin, na favela do Canão.   

Edson Cadette, Jaqueline Santos, Marcio Tchuck, Gerson Nação Zulu, Cida Costa, Maicon Eclipse Break, Eli Efi, Paulo Brown, enfim, foram os brasileiros os que me acolheram e me auxiliaram para que eu não precisasse gritar "Help!".

Vai vendo feão, tive que viajar para os Estados Unidos para conhecer melhor o Brasil.

Viva o Hip-Hop Verde-Amarelo!


#SabotageVive!

* Matéria originalmente publicada na revista Rap Nacional – Ed. 3 – Jan. 2014. 

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